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19, novembro 2016 12:45
Por admin

O governo Vargas e a Segunda Guerra Mundial

Arnaldo Mourthé

Em 1930, quando Getúlio assumiu o poder, a população do Brasil era estimada em 35 milhões de pessoas. O censo de 1940 indicou seu crescimento para 41 milhões, sendo 31% urbana e 69% rural. Nós éramos ainda um país rural, com uma sociedade dominada pelos proprietários de terras, onde a hegemonia ideológica era dos grandes proprietários, com grande destaque para os barões do café. Estes perderam o poder político federal, mas dominavam a economia e a política interiorana e em São Paulo. Um indicador claro disso foi a contra revolução de 1932.

A indústria no Brasil era muito limitada. O setor principal ainda era o têxtil, que prosperava, mas todos os seus equipamentos eram importados. A indústria siderúrgica era minúscula e dominada pelo capital estrangeiro. A tentativa de alguns engenheiros de montar uma indústria em Sabará, junto a Belo Horizonte, entre 1917 e 1920, não pode prosperar pela concorrência estrangeira e falta de equipamentos. Seus fundadores foram forçados a vender seu empreendimento para um grupo belga, que fez dele o embrião da conceituada Cia. Siderúrgica Belgo Mineira.

Quando Getúlio foi a Belo Horizonte para agradecer aos mineiros por seu apoio à sua  candidatura e à Revolução de 30, ele aproveitou a oportunidade para definir uma das prioridades de seu governo, a siderurgia. Em 1919, Farquar, cujos negócios já vinham degringolando desde sua aventura no Contestado, perdeu o controle da Sorocabana Railway Company, encapada pelo Estado de São Paulo. Ele então comprou a Itabira Iron Ore Company, à qual estava incorporada a Ferrovia Vitória Minas. O contrato original, assinado em 1920, que autorizava a empresa de Farquar a explorar e exportar minérios, o obrigava a construir uma siderurgia, o que não ocorreu. Getúlio não tocou diretamente na questão do contrato, mas definiu sua posição sobre a questão da siderurgia, que ele considerou como problema máximo que condicionava nosso progresso. E afirmou que o governo mobilizaria a totalidade dos recursos disponíveis para resolvê-lo. Definiu assim sua política desenvolvimentista que o nortearia na implantação das indústrias de base nos setores siderúrgico e energético.

A intenção era correta, e realmente foi executada mais tarde, mas a realidade política não era propícia para uma unidade nacional capaz de sustentar uma posição firme do governo diante de poderosos interesses estrangeiros. As condições sociais do país eram muito difíceis para todos, enquanto a esperança era grande em relação à reabilitação dos princípios republicanos, que já vinham sendo postos em práticas pelas medidas sociais do governo e da conquista de direitos políticos, com a nova Constituição de 1934, quando Getúlio foi eleito presidente. Mas faltava um suporte social para o avanço das conquistas sociais, políticas e econômicas. Não havia uma classe operária significativa. A maior representação dos trabalhadores era dos ferroviários, já que no Brasil as ferrovias se anteciparam à industrialização, enquanto na Europa fora o contrário.

Mas as necessidades falam mais alto e a ilusão de força política alimentou um grupo de intelectuais e tenentistas, empolgados com seus movimentos entre 1922 e 1924. Esses grupos buscaram organizarem-se em movimentos, inspirados nas conquistas sociais europeias e na vitoriosa Revolução de Outubro. Eles temiam o avanço do neofascismo no Brasil, representado pelo movimento integralista, inspirado no fascismo italiano. No seu ímpeto de defender o Brasil de uma ameaça alemã, eles fundaram a Aliança Nacional Libertadora em março de 1935. Em janeiro já havia sido divulgado um manifesto que foi lido na Câmara de Deputados em janeiro. Na sua plataforma estavam, dentre outras, as reivindicações de: suspensão do pagamento da dívida externa; nacionalização das empresas estrangeiras; reforma agrária; e instituição de um governo popular. Todavia não se referiram à forma ou aos meios de alcançar seus objetivos. O objetivo de um governo popular, dadas as realidades políticas e sociais do país, era puro idealismo. Não havia porque o governo preocupar-se com ele, não fosse a situação conflituosa entre os partidários da ALN e os integralistas, que agitaram as grandes cidades do país.

Getúlio reagiu, por bem ou por mal, decretando o fechamento da ALN, que se desmantelou por falta de condições de mobilizar seus adeptos, que não eram poucos, pois seu programa calara fundo nas áreas populares.

O vácuo do movimento ostensivo criou a oportunidade dos comunistas assumiram o comando do movimento. Prestes, que havia se refugiado na Rússia, voltou ao Brasil clandestinamente com sua mulher alemã, Olga Benário. Ele assumiu o comando dos comunistas que se haviam juntado à ALN. Por seus feitos na liderança do movimento “Coluna Prestes”, ele havia sido eleito Presidente de Honra da ALN. Sob sua liderança ocorreu uma rebelião de militares, que começou em Natal, em novembro de 1935, quando a cidade foi ocupada por quatro dias. Houve também levantes em Pernambuco e no Rio de Janeiro

Exprimido de um lado por forças de esquerda, nas quais se destacavam os comunistas, e do outro pelos integralistas que defendiam o fascismo, o governo de Getúlio caminhou para o autoritarismo. Em 10 de novembro de 1937 ele fecha o Congresso e cancela as eleições. Começou o período que ficou conhecido como Estado Novo, em alusão ao que Salazar havia  feito em Portugal em 1933. A diferença é que Salazar abraçou a tendência fascista, enquanto Getúlio continuou com seu objetivo republicano. O que parecia um movimento retrógrado, talvez fosse uma manobra defensiva, face às contingências nacionais, e às internacionais que conduziriam à Segunda Guerra Mundial.

A polêmica sobre a tendência de Getúlio para o fascismo se desfez por sua prática no governo. Na verdade havia no Brasil uma tradição de compras de equipamentos alemães, que incluíam armamentos. Mas isso era muito anterior ao nazismo e se dava pela melhor tecnologia alemã na mecânica de nos motores a explosão, invenções alemãs. Também ocorreu uma forte migração de alemães para o sul do Brasil, onde eles constituíram importantes comunidades, que até hoje são reverenciadas por todos. Mas também é verdade que os nazistas atuaram fortemente na América do Sul, especialmente na Argentina e no sul do Brasil. Getúlio não teve dúvidas em relação a essa infiltração nazista. Para dificultá-la, ele tomou uma medida radical.

Pelo Decreto Federal número 406, de 04 de maio de 1938, Getúlio impõe a obrigatoriedade do uso da língua portuguesa nas escolas. E mais, ficou estabelecido que os professores e diretores das escolas chamadas étnicas, onde se ensinava em língua estrangeira, fossem brasileiros. E proibiu também a circulação de jornais e revistas em línguas estrangeiras. Em outubro o embaixador alemão Karl Ritter foi expulso do Brasil por criticar o governo pela medida, alegando que a militância nazista era inerente à condição da origem alemã das pessoas. Muitos consideraram o decreto um retrocesso, mas ele era pertinente, o que foi demonstrado pelas descobertas posteriores sobre as tentativas de infiltração nazista.

Por coincidência ou não, na mesma época ocorreram ações armadas dos integralistas contra o governo. Em 15 de março de 1938 eles produziram agitações na Marinha e ocuparam a rádio Mayrink Veiga. Em 11 de maio eles atacaram o Palácio Guanabara, residência oficial do Presidente, na tentativa de depô-lo. Foram ações aventureiras, rapidamente contidas, mas que definiam como objetivo o poder. O que evidencia a inconsistência do movimento está no fato de Plínio Salgado, líder integralista, na onda do Decreto do Estado Novo, ter reivindicado o Ministério da Educação, com o qual pretendia difundir sua ideologia.

No próximo artigo abordaremos as razões que levaram o Brasil a participar da Segunda Guerra Mundial.

Rio de Janeiro, 12/11/2016

 

18, novembro 2016 10:44
Por admin

A crise de 1929 e a Revolução de 30

Arnaldo Mourthé

A crise de 1929 repercutiu por toda parte, especialmente na Europa e na América Latina. Afinal, a economia americana já era a primeira do mundo há mais de duas décadas, e coube a ela uma grande participação na reconstrução da Europa. Os efeitos da crise não foram apenas econômicos, mas também sociais e políticos. Foram acentuadas grandes contradições internas do continente, seja da sua economia, seja das relações entre as nações, que vinham tensas desde o acordo que produziu a partilha da África, na Conferência de Berlim, entre 1884 e 1885. Nesse acordo a Inglaterra e a França foram privilegiadas, em detrimento de outros países, especialmente da Alemanha e da Itália.

A situação crítica na qual se encontrava a Europa permitiu o acirramento das disputas políticas e a centralização do poder. Em 1933 ocorreu o Estado Novo em Portugal, quando Salazar tomou o poder. Em 1934 foi a vez de Hitler iniciar o processo de implantação do nazismo na Alemanha. Em 1936 iniciou a Guerra da Espanha, que só terminou em 1939, derrubando o governo Republicano, Franco contou com apoio militar do governo nazista alemão, de Hitler, e do fascista italiano, de Mussolini, no poder a partir de 1925, e de suprimentos do governo de Salazar.

O impacto da crise sobre o Brasil encontrou uma sociedade em ebulição como descrevemos no artigo anterior. Havia uma grande oposição ao sistema da República Velha, mas não uma força política organizada para enfrentá-lo. A solução do impasse ocorreu através dos governos dos Estados conduzidos pelos republicanos mais progressistas. Os setores mais avançados da população apoiaram as ações de Vargas e Antonio Carlos. Os revolucionários tiveram um enorme apoio, como acontecera na proclamação da República. A Revolução foi anunciada em 3 de outubro no Rio grande do Sul. No dia 10 de outubro Getúlio Vargas lançou seu manifesto e tomou o trem com suas tropas na direção do Rio de Janeiro. Para evitar um confronto armado, que não teria suporte social, os militares criaram uma junta governativa que depôs Washington Luís. Ela foi formada pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e pelo almirante Isaías de Noronha. Em 3 de novembro o poder foi transmitido a Getúlio Vargas, candidato derrotado e chefe da Revolução.

O governo revolucionário de Getúlio Vargas, inspirado nos princípios republicanos, concentrou-se sobre duas questões cruciais para a sociedade brasileira e seu desenvolvimento econômico, o trabalho e a educação A primeira lei trabalhista, a Lei dos Dois Terços, que protegia o trabalhador nacional contra a concorrência do estrangeiro, foi promulgada em 12 de dezembro de 1930. Logo depois, em 26 de dezembro, o governo provisório criou, por decreto, o Ministério do Trabalho. Em 19 de março de 1931 promulgou a lei dos sindicatos. Em seguida veio a Previdência Social. Os recursos do pecúlio da Previdência foram usados prioritariamente para financiar habitações para os associados, resolvendo o problema da moradia, sem os riscos da aplicação financeira e sem intermediários. A jornada de trabalho foi reduzida para oito horas em 1932. Uma emenda introduzida por empresários permitiu estender essa jornada, mas sob condições, entre as quais o pagamento de hora extra. No mesmo ano foi aprovado o Código Eleitoral que estabeleceu o voto secreto, o voto da mulher e a criação da Justiça Eleitoral. Sob a nova legislação foi feita a eleição da Assembleia Nacional Constituinte de 3 de maio de 1933.

Quanto à política de educação, Getúlio Vargas impôs aos interventores a alocação de 10% da receita dos estados na educação e exigiu dos municípios outros 15% das suas receitas próprias. Da parte do governo federal ele destinou, nos orçamento de 1931 e 1932, 5,14% ao Ministério da Educação, quase o dobro das verbas do Ministério da Agricultura, 2,84%. Em dez anos o número de escolas primárias cresceu 30%; o número de estudantes por mil habitantes, 60%; as matrículas nas escolas primárias, 75%: o total de alunos na escola primária, 150%.

A história nos mostra que Getúlio priorizou as conquistas sociais sob as quais edificaria seu projeto nacional de desenvolvimento. Ele foi precursor do Estado de bem estar social que seria adotada pelos países europeus depois da Segunda Guerra Mundial.

É interessante observar que logo depois da Revolução de 30, em 1933, Roosevelt assumiu a presidência dos Estados Unidos, em meio à catástrofe econômica da crise de 1929. Ele ficou na história por seu projeto de recuperação da economia de seu país conhecido como New Deal. O fez, inspirado pelo economista e financista inglês Maynard Keynes, que já entendia que a crise econômica, que se apresenta como retração de consumo, era produto da acumulação capitalista. Ele verificou que a única forma de contorná-la seria o investimento em não mercadorias, ou seja, em produtos que não fossem destinados ao mercado, mas que geravam mercado para comprar os produtos encalhados nas fábricas. Ele descobriu também que a forma mais eficaz de resolver esse problema é a guerra. Esta, além de criar um grande mercado de trabalho, na fabricação de produtos bélicos, que destroem outros equipamentos e a si próprios, mobilizam enormes contingentes de homens nas tropas, retirando-os do mercado de trabalho.

Para evitar a guerra, Keynes recomendava investimentos em infraestrutura, que geram emprego e não concorrem com as mercadorias. Foi o que Roosevelt fez. Mas todo o esforço de Roosevelt não foi suficiente para superar a crise. A economia americana só voltou ao seu dinamismo anterior depois que os Estados Unidos entraram na guerra. Esta chegou a consumir 36% do PNB americano. Como consequência, formou-se uma dívida pública crescente que, nos nossos dias, já ultrapassa o PIB anual dos Estados Unidos.

Getúlio foi além de Roosevelt. Ele investiu também na saúde e na educação, no desenvolvimento do ser humano. Mas sua política não agradou aos barões do café, uma elite empedernida para a qual a questão social não importava. Eles só pensavam no dinheiro e no lucro da sua aplicação, em mais dinheiro, que lhes dava conforto e poder. “O poder pelo poder”, era seu lema não revelado, afinal, dinheiro é poder. A nova política de Getúlio mostrava outra visão de mundo, a do desenvolvimento humano, em contraposição à da concentração da riqueza e de poder em uma casta social. Essa é uma questão que ainda divide a humanidade.

Inconformados com a política do governo revolucionário os barões do café conspiravam contra ele. Prepararam-se para uma contra revolução, com agitações sistemáticas, sob a alegação de que era necessária uma assembleia constituinte para elaborar uma nova constituição. Seu movimento adotou o nome de Constitucionalista. Getúlio era um político sensível e compreendeu que já era hora de criar uma nova constituição. O governo provisório já havia cumprido sua missão com sua política social, e definido um novo quadro institucional com ampliação da cidadania, a começar pelo voto secreto e seu exercício também pelas mulheres.

Em 24 de fevereiro de 1932 foi publicado o Código Eleitoral. Em maio de 1932 ele marcou a data da eleição para um ano depois. Atendeu ao reclamo dos paulistas contra os interventores nascidos em outros estados e nomeou um paulista interventor, Pedro de Toledo. Os sinais de trégua de Getúlio não foram ouvidos. Criou-se a Frente Única Paulista (FUP) para as ações de agitação. Os conspiradores chegaram a encomendar armas dos Estados Unidos, mas seu navio foi interceptado pela Marinha. A morte de quatro estudantes paulistas em confronto com a polícia, em um de seus atos de protestos, fez deles os mártires da causa dos conspiradores. Foi criada uma associação secreta com as iniciais de seus nomes, MMDC. Por São Paulo passou uma onda de agitações que mobilizou amplos setores da sociedade, inclusive participantes da Revolução de 30. Os promotores dos acontecimentos esconderam-se atrás do apoio popular. Para muitos, aquilo era mesmo um movimento revolucionário pela democracia, tendo como reivindicação central a Constituinte.

Os insurretos tinham a ilusão de que haviam convencido com seus argumentos os governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, o que não ocorreu. São Paulo, apesar de toda sua mobilização, ficou só. Ainda mais grave era sua situação. Tiveram que enfrentar as Força Pública de Minas Gerais, em batalhas que não lhes foram favoráveis. O movimento gorou, mas o projeto dos barões do café de voltar ao poder continuou, e alimenta até hoje nossa luta política. Essa questão continua sob nossa análise nos próximos artigos.

Rio de Janeira, 10/11/16

14, novembro 2016 11:17
Por admin

Uma nova sociedade emerge no Brasil

Arnaldo Mourthé

Com o fim da escravatura, o Brasil ingressava de fato no sistema capitalista de produção, com o trabalho assalariado. As ideias políticas que floresciam na Europa já influenciavam nossas elites intelectuais desde a Inconfidência Mineira. Antes da industrialização, entretanto, não havia no país nenhuma corrente política preocupada com os anseios dos trabalhadores. Houve fortes movimentos políticos que questionavam nossa sociedade elitista, mas todos limitados aos interesses de proprietários, comerciantes, profissionais liberais e funcionários. Esses se manifestaram na Guerra dos Farrapos, cujos dirigentes eram republicanos e contra a escravidão, no movimento abolicionista e na proclamação da República. Esta foi conduzida por militares positivistas e pelos maçons. A política era assunto de uma elite. Para a grande massa de trabalhadores, da cidade ou do campo, ela não era considerada. Isso mudou com a industrialização e a urbanização consequente.

A mudança se deu na virada do século, motivada por dois fatores fundamentais, a industrialização e a abolição da escravatura. Inicialmente os trabalhadores da indústria se organizaram em sociedades de ajuda mútua e nas Uniões Operárias. Mas, em 1906 eles criaram no Rio de Janeiro a Confederação Operária Brasileira, que foi a precursora do movimento sindical. Com a migração de muitos trabalhadores europeus, o movimento sindical ganhou força, impulsionado pelas ideias socialistas e anarquistas que eles trouxeram consigo. Eles vieram ocupar postos na indústria nascente, e atender às necessidades dos cafeicultores com o fim da escravidão e a expansão das lavouras. A primeira grande expressão dessa força social ocorreu na Greve Geral de 1917, em São Paulo que repercutiu especialmente no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.

A Primeira Guerra Mundial que começou em 1914 desorganizou a economia europeia gerando a falta de alimentos. O Brasil foi uma das opções dos países europeus para a compra de alimentos. Cresceu a exportação de alimentos, que faltaram na mesa dos brasileiros. Seus preços subiram. Os trabalhadores urbanos, que ganhavam pouco, já não tinham condições de alimentar a si e às suas famílias. Eles reivindicaram maiores salários e não foram atendidos. Estourou a primeira greve na indústria têxtil, que então era a principal atividade industrial do país. A greve se espalhou e ganhou toda a cidade de São Paulo, com a mobilização da população que vivia o mesmo problema. Foram organizados comitês de bairros. O movimento tomou o controle da cidade de São Paulo. O governo abandonou a cidade que durante três dias ficou sobre o controle do Comitê de Defesa Proletária. Um conjunto de reivindicações foi acrescentado à de aumento salarial. Entre elas a jornada de trabalho de oito horas e a proibição do trabalho infantil. O governo aceitou negociar e a greve foi encerrada mediante concessões dele e dos empregadores.

Mas os problemas da sociedade eram muito maiores que simples ajustes salariais. Havia um poder político da casta dos barões do café, que se mantinha graças à injustiça social e a eleições fraudulentas. Não havia votação em urna. Os votos eram escriturados por um mesário que era indicado pelo chefe político local. O resultado era sempre o que a esse interessava. O analfabeto não votava, e a grande maioria da população era analfabeta. As mulheres também não. Elas só adquiriram esse direito em 1932, com a Revolução de 30. A política dos donos do poder era voltada para seus próprios interesses e os de seus auxiliares, sócios comerciais e banqueiros. Seu grande trunfo era ter o produto que, exportado, fornecia ao país a maior quantidade de moeda estrangeira. Seus sócios privilegiados eram os exportadores e seus parceiros de fora do país, e ainda os bancos que lhes forneciam os créditos. Todo o controle desse sistema estava na mão do importador estrangeiro e seus bancos. Assim o país era contido no seu desenvolvimento, social e econômico, por interesses externos.

A partir da Greve Geral de 1917, muitos movimentos ocorreram no país, abrangendo amplos setores sociais, entre os quais não faltaram os agricultores não cafeicultores, os pecuaristas, os industriais e os comerciantes. Mas um grande papel coube à classe média formada por intelectuais de diversas áreas, funcionários e profissionais liberais, que se somaram ao recente movimento sindical emergido da Greve Geral de 1917, já emancipado da liderança anarquista, quanto se manifestaram outras correntes, como os socialistas, os comunistas e os trabalhistas.

É sintomático que em 1922 os intelectuais brasileiros tenham realizado a Semana da Arte Moderna em São Paulo, ali no principal centro de poder dos barões do café. Esse evento foi um monumental protesto cultural contra as amarras sociais impostas aos brasileiros por esta casta política retrógrada. Na mesma época, ocorreram muitos movimentos que evidenciavam grandes contradições na sociedade brasileira, que vivia sobre uma pressão social discriminatória e repressiva, que impediam o desenvolvimento socioeconômico do país. Nos anos 20 ocorreram revoltas militares, dentre as quais destacamos Os Dezoito do Forte, em Copacabana, e a Coluna Prestes que percorreu milhares de quilômetros no interior do Brasil, com suas reivindicações também libertárias. O Brasil preparava-se para uma grande virada de modernização e da busca da justiça social. Isso era o que indicava a resultante das manifestações de amplos movimentos sociais. Muito mais coisas poderiam ser ditas sobre isso, mas não cabem em pequenos artigos como os desta série que estamos fazendo.

Todo esse processo teve influência decisiva do que ocorreu na Europa no período pós-guerra. Ainda durante a guerra que produziu nove milhões de mortos, 700 mil só nas trincheiras, que separaram os contendores durante meses. Entre mortos e feridos, civis e militares, o total chegou a cerca de 30 milhões. A Europa vivia uma grande tragédia. Houve enormes greves na França, Alemanha e Itália, contra a guerra e o desabastecimento. A população havia compreendido que aquele desastre humano não tinha a ver com os interesses das nações envolvidas. Ele era apenas de interesse dos capitalistas na sua luta por mercados e domínios coloniais. No pós-guerra a população exigiu direitos que, em parte, foram atendidos pelos governos. Na Inglaterra, já sob o governo trabalhista, o sufrágio universal foi conquistado, aos 21 anos para os homens e 30 anos para as mulheres. Na Rússia ocorreu a Revolução de Outubro, que levou o partido comunista bolchevique ao poder.

O poder político dos barões do café não era limitado a seu domínio econômico e às suas alianças internacionais, feitas em função do comércio, que prosperava sobre a espoliação nacional. Nossa industrialização era bloqueada, por não interessar aos que exportavam para o Brasil produtos industrializados. O poder político era sustentado, sobretudo, pela fraude eleitoral na eleição conhecida como “do pico de pena”, ou seja, escriturada. Não havia cédulas de votação. O voto era pronunciado pelo eleitor junto ao mesário que o anotava em uma folha de papel. A votação era simbólica. Valiam os acordos entre as grandes chefias, os barões do café e seus prepostos, e alguns advogados para referendar a “legalidade” do ato.

Em 1930, em decorrência da crise econômica de 1929 nos Estados Unidos, houve uma redução brutal do mercado internacional do café, e o baronato entrou em crise. A maior repercussão dela fora em São Paulo, maior centro produtor de café. O presidente em exercício Washington Luiz era paulista. Seria, portanto, a vez de um mineiro na presidência. Os paulistas não concordaram. Lançaram seu candidato, Júlio Prestes, governador de São Paulo. Pelo acordo a vaga deveria ser preenchida pelo governador de Minas, Antonio Carlos. Preterido, este apoia Getúlio Vargas, que concorre com Júlio Prestes e perde a eleição que foi fraudada. Explode a Revolução de 30.

Rio de Janeiro, 05/11/2016

 

11, novembro 2016 12:56
Por admin

A República Velha II

Arnaldo Mourthé

Apesar do recuo na expansão das ferrovias nos países mais industrializados, a partir da crise econômica de 1907, ela continuou nos países pouco industrializados. Sua implantação gerava mercado para as metrópoles industriais, em especial a Inglaterra, e não produziam mercadorias para competir com suas indústrias. Além disso, facilitava a exportação de produtos primários dos países periféricos, suprindo as necessidades dos países industrializados. Assim sendo, foram prodigamente financiadas. Mas, como desbravadoras de territórios pouco explorados, não produziam retorno em curto prazo do investimento que, dessa forma, teria que ser público ou subsidiado, se privado. Usava-se a concessão de terras ao longo das ferrovias aos seus construtores, e subsídios governamentais para sua construção.

Em 1889, poucos dias antes da proclamação da República, o imperador D. Pedro II havia concedido ao engenheiro João Teixeira Soares a construção de uma estrada de ferro ligando Itararé (SP) a Santa Maria (RS). Para executar o empreendimento foi constituída a Cia. de Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. Em 1897 as obras foram iniciadas a partir de Itararé. Em 1905 a ferrovia alcançou o rio Iguaçu, em Porto União, concluindo seu primeiro trecho. O norte-americano Faquhar se interessou pelo empreendimento porque a ferrovia cortava uma região de grandes florestas. Ele vislumbrou grandes lucros com a venda da madeira. O mesmo que aconteceu com a Estrada de Ferro Leopoldina, que permitiu a devastação da Mata Atlântica, nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. A concessão dava a posse de uma faixa de 30 km ao longo da estrada, 15 km de cada lado do eixo da ferrovia, além de pagamento por quilômetro construído e de juros de 6% ao ano pelo dinheiro investido pelo concessionário. Faquhar comprou o controle da Cia. concessionária e contratou milhares de trabalhadores.

Havia, entretanto, ao longo da via milhares de camponeses posseiros. Estes resistiram à tomada das terras que eles ocupavam há décadas. O governo foi chamado a intervir. Os posseiros se organizaram e se armaram com o que foi possível obter. Ocorreu um grande conflito. O Exército foi chamado para desocupar as terras. Houve uma guerra que durou de 1912 a 1916. No embate foram envolvidos por parte do governo 8.000 homens, sendo 7.000 militares e mil civis, e dos posseiros, cerca de 10.000 homens e uma população de vinte mil pessoas. O número de mortos ou desaparecidos não são precisos mas estimados entre 5.000 e 8.000, entre os revoltosos, e de 800 a 1.000 entre as forças do governo, soldados e civis. Esse é um fato pouco conhecido, porque não interessava minimamente aos senhores do poder.

Mas quem era esse Faquhar? Ele era engenheiro e gestor de transporte em Nova York. Ele veio ao Brasil para abrir mercado para o sistema financeiro norte-americano, numa época em que os Estados Unidos substituía a Inglaterra como maior economia mundial. Mas sua entrada nos negócios no Brasil foi através de uma operação nebulosa, que escandalizou os estudiosos da matéria. Ele emitiu ações e, lastreado nelas, títulos, em um emaranhado de manipulações de documentos que diluía a responsabilidade do tomador e dava ao investidor a sensação de segurança. Ele fez isso comprando, em contrato de gaveta, a concessão da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, na construção da qual morreram 1.500 trabalhadores.

As estradas de ferro eram de interesse dos ingleses, que as usaram para expandir seu poder sobre o mundo daquela época, em que “no seu Império o sol brilhava sempre”. Mas elas foram um fator decisivo na conformação da Nação brasileira. Elas foram um elemento indutor de desenvolvimento, facilitando o transporte de carga e passageiros. Intensificaram o comércio e ajudaram na integração nacional do Brasil. Facilitou também a comunicação com a introdução do telégrafo, essencial na sua operação, e também elemento integrador da sociedade brasileira. Até então esta se desenvolvia nas costas e ao longo de vias fluviais, como o Amazonas. As exceções eram raras, como a região do ouro em Minas Gerais,

As ferrovias foram um elemento fundamental na industrialização do Brasil. Não apenas pelo acesso ao centro do país – que permitiu o nascimento da indústria têxtil em Minas Gerais – mas também pela necessidade de oficinas de apoio à sua operação, formando novos técnicos e engenheiros. Com elas e com a industrialização a urbanização cresceu, e a sociedade brasileira modificou-se na sua formação de classes sociais e no surgimento de novas ideias e ideologias. D. Pedro II, como homem ligado às inovações que ocorriam pelo mundo afora, o que fez dele um entusiasta da ferrovia, como do telefone, outro meio de comunicação que complementava o telégrafo.

Os estados de São Paulo e de Minas Gerais foram os mais beneficiados nesse processo de avanço tecnológico nos transportes e na comunicação, desenvolvendo seus centros urbanos e sua indústria. O primeiro estado mais que o segundo pela riqueza do café, que lhe permitiu receber um grande número de migrantes europeus, que vieram não só ocupar postos de trabalho nos cafezais em expansão, como na indústria fabril e da construção civil. Tudo isso submetido ao poder controlado pelos barões do café.

O crescimento da indústria, e a urbanização dele decorrente, geraram fortes mudanças na sociedade brasileira. Criou-se uma classe social nova, o operariado industrial, e desenvolveu-se uma forte classe média nas atividades liberais, do comércio, e da administração pública e privada. Em um quadro político totalmente dominado pelos barões de café, os conflitos sociais foram inevitáveis. A população urbana se organizou. A divisão política não se fazia mais apenas no confronto de liberais e conservadores. Desenvolveu-se a organização dos trabalhadores e, no campo do pensamento, aflorou-se uma intelectualidade expressiva. Não havia mais a dicotomia liberal ou conservador, todos se diziam republicanos. Uns mais, outros menos. Não havia muita clareza sobre essa questão. Os conceitos republicanos como divulgados por Rousseau eram conhecidos por poucos. Mas o poder dos barões do café, e sua república fajuta, onde apenas uma classe social se sentia com direitos, foram sendo sacudidos pelos setores mais avançados da sociedade, intelectuais, empresários e os trabalhadores em geral. Afinal, a República era ou não era “um governo do povo para o povo”, como afirmavam os políticos? Uma nata de trabalhadores, nos serviços públicos e privados, passaria a ter importância fundamental na condução da sociedade. A eles cabia a função de atender à sociedade como um todo, e não apenas administrar as máquinas estatal e privada. Também era deles a missão de prestar os serviços essenciais à população, cada vez mais urbanizada e à qual eles pertenciam..

Os desdobramentos desses fatos foram de grande importância na formação da sociedade brasileira moderna. Os conflitos de interesse entre uma casta de privilegiados e a população que produzia o desenvolvimento do país, com seu trabalho e suas frustrações, resultariam em eventos que foram, e ainda são, marcantes na nossa história. Essas questões serão tratadas no próximo artigo.

Rio de Janeiro, 03/11/2016

 

 

03, novembro 2016 11:49
Por admin

A República Velha

Arnaldo Mourthé

D. Pedro II era muito jovem quando da série de revoltas às quais nos referimos no artigo anterior. Em 1845, quando terminou a Guerra dos Farrapos, ele completara 20 anos. Mas fora bem preparado por seus preceptores e seu regente José Bonifácio, e estava consciente que deveria tomar algumas providências para incentivar a industrialização do Brasil, que fora contida pela política do Reino de Portugal. Ele se sentia prisioneiro dos senhores de terra que geravam as divisas que o país precisava e dominavam, com isso, toda a política brasileira, sustentando-se sobre o trabalho escravo. Em 1844 ele fez editar a Lei Alves Branco que taxava os produtos importados. Em 1846 foram concedidos subsídios fiscais à indústria têxtil e, em 1847, isenções alfandegárias para seus insumos.

Em 1848 explode na França uma revolução popular com ideias socializantes. Ela foi um estopim que contaminou toda a Europa numa série de revoluções que substituíram o poder real pelo poder burguês. Naquele mesmo ano, um conflito político entre os partidos Liberal que teve seu governador em Pernambuco substituído por um conservador, gerou uma forte crise política. Ela radicalizou-se e produziu uma revolta popular chamada de Revolução Praieira, que mobilizou 2.500 combatentes e só terminou em 1850. Os revoltosos divulgaram um Manifesto ao Mundo, onde apresentavam suas reivindicações. A postura deles é bem definida numa quadra que dizia:

Quem viver em Pernambuco

não há de estar enganado:

Que, ou há de ser Cavalcanti,

ou há de ser cavalgado.

 

É interessante observar que D. Pedro II anistiou os revoltosos depois de seu julgamento em 1851. E que, também, iniciou, em 1850, seu lento processo de extinção da escravatura com a proibição do tráfico de escravos. Um longo processo de criação de uma burguesia industrial e do seu proletariado, e de enfraquecimento dos senhores de terra no plano político, se iniciava. Esses fatos são importantes para a compreensão da evolução do quadro político no país até a proclamação da República. Mas o domínio do patriciado nacional sobre a economia e a política se manteve por muito tempo e, ainda hoje, se manifesta no país sob a bandeira da Nova República, como veremos nos últimos artigos desta série.

A República no Brasil implantada em 1889, não o foi pela razão de haver no país um amadurecimento suficiente para sustentá-la. A população brasileira não tinha uma tradição política expressiva, como a francesa quando de sua Revolução de 1789, nem sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A escravidão vinha de ser extinta, mas a cultura que a criou, e a manteve por 350 anos, dominava a política. A nossa República aconteceu por esgotamento do sistema Imperial, também ele sustentado pela escravidão. Havia sim um movimento republicano que teve como maior expressão a Guerra dos Farrapos, que também era pela abolição da escravatura, mas limitado ao sul do país e que fora derrotado. O movimento abolicionista tinha forte expressão no Rio de Janeiro naquela época, mas também era limitado, em número e em território. Só havia um grupo capaz de proclamar a República, os militares positivistas que, aliados aos maçons, o fizeram. A prova disso é o ministério do Governo Provisório, onde todos os ministros eram maçons. Mas o que vem a ser o positivismo?

O positivismo é uma doutrina filosófica criada pelo francês Auguste Comte (1798-1857). Ele prosperou no Brasil e difundiu-se no Exército, principalmente pela influência de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, oficial engenheiro e professor da Academia Militar. Proclamada a República, ele ocupou o Ministério do Exército e, depois, o da Instrução Pública, durante o Governo Provisório, mas morreu logo depois, em 22 de janeiro de 1891.

A doutrina positivista considera que todo conhecimento humano provém da observação dos fenômenos e da sua análise racional, e que é inútil para os homens  buscar a essência das coisas. Assim ele deve renunciar à teologia e à metafísica para concentrar-se na busca das leis que regem os fenômenos. A própria divindade deve ser encontrada na humanidade, que seria a deusa a ser reverenciada pela religião que Conte criou, com o objetivo de buscar a regeneração social e moral do homem. O lema maior do positivismo é O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim, como está escrito na fachada da Igreja Positivista do Brasil, no Rio de Janeiro. Desses princípios surgiu a expressão Ordem e Progresso impresso na nossa Bandeira.

Embora seja creditada a Conte a criação do termo “sociologia”, sua doutrina não vislumbrava uma política social, como fez Saint Simon, considerado um precursor do socialismo, que foi seu mestre e do qual se afastou com o tempo. Os positivistas não manifestavam sua posição em relação aos conflitos entre classes sociais que se avolumavam na Europa na época em que viveu Comte. Sua doutrina era voltada para a conduta moral e ética, e não para a justiça social. A nossa República foi proclamada sob a inspiração do positivismo. Desta forma ela já nasceu Velha, enquanto a Revolução de 30 seria conduzida sob s inspiração da justiça social de Saint Simon. Daí a diferença das duas e da necessidade da segunda. Sobre essa falaremos mais tarde em outro artigo desta série.

O primeiro grande problema social a ser enfrentado pela República, no governo de Prudente de Morais, foi o dos retirantes do Nordeste que, sob a liderança de Antônio Conselheiro, criaram uma grande comunidade em Canudos, Bahia. Ali, aquela gente desamparada se instalou em plena harmonia e fraternidade no trabalho e na convivência. Eram cristãos místicos e levavam sua vida em paz. O arraial onde viviam, quando da sua destruição tinha 5.300 casas, o que mostra sua importância. Pois esse fenômeno social, solução para as condições de vida extremamente difíceis daquela gente, sob a tutela dos senhores de terra, foi considerado como uma subversão contra a República e tratada como caso de polícia. Mas as forças policiais estaduais não conseguiram submeter a comunidade.

Foi mobilizado o Exército que, depois de duas tentativas fracassadas, cercou o arraial de Canudos e destruiu-o a tiros de canhão, em 1897. Todos os que ficaram, morreram, os últimos quatro combatentes entrincheirados no meu da praça do arraial, no dia 7 de outubro. Antônio Conselheiro havia morrido poucos dias antes a 22 de setembro. Essa vergonha da República foi contada por Euclides da Cunha no seu imortal livro Os Sertões. O Brasil havia retornado aos tempos do início da Inquisição, na guerra travada pela Igreja Romana e o reino da França contra os cristãos primitivos que hoje são conhecidos como os Cátaros, em 1209.

Mas esse método hediondo de tratamento de problemas sociais não se limitou ao caso de Canudos. Ele também foi usado no Rio de Janeiro, quando da modernização da cidade entre 1904 e 1906, no governo Rodrigues Alves. A cidade não tinha condições higiênicas compatíveis com sua população de mais de oitocentos mil habitantes. As habitações eram precárias no centro da cidade e o porto era insuficiente para atender às suas necessidades de intercâmbio comercial. Mas as obras produziram o deslocamento de mais de três mil pessoas. Foi restaurada uma lei de obrigatoriedade de vacinação que contrariou grande número de moradores. Houve reações que se somaram, das quais não escapou nem a Escola Militar. Elementos da população se revoltaram contra a vacinação e produziram quebradeiras no centro da cidade. Não houve o diálogo, nem as providências necessários, para acalmar os ânimos. No lugar dele impôs-se a repressão. Os resultados estimados são de 23 a 50 mortos, mais de cem feridos, mais de cem presos e cerca de mil deportados. As obras e a vacinação se fizeram, depois de algumas providências e esclarecimentos necessários. Mas ficou a marca da República, a de tratar os problemas sociais como caso de polícia. Mas houve também a questão do Contestado que resultou em guerra e carnificina. Disso falaremos no próximo artigo.

Rio, 01/11/2016

 

28, outubro 2016 5:28
Por admin

II – Os barões do café no Império

Arnaldo Mourthé

Vimos no artigo anterior que a economia brasileira desenvolveu-se tendo como prioridade política as atividades voltadas para os interesses de fora do país. Em dois ciclos, açúcar e ouro, no Brasil colônia e o do café no Império. Toda essa economia voltada principalmente para a exportação era sustentada por trabalho escravo. Estima-se que ingressaram no Brasil cerca de quatro milhões de escravos, do início de século XVI até a Lei Eusébio de Queirós, de 4 de setembro de 1850, que proibiu seu tráfico. Somente no final do Império veio a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, que os libertou. Foram 350 anos de escravidão que marcaram profundamente, não apenas a economia, mas toda a sociedade brasileira. Nesse período formou-se no Brasil uma casta social que se caracterizava pela soberba, pelo preconceito, e pelo desprezo ao trabalho manual e à cultura brasileira Esta casta serviu-se da população, desconsiderando-a no seu exercício de poder. Sua dependência do mercado externo a fez mais voltada para seus interesses e propriedades que pelo sentimento de nacionalidade.

Formou-se no Brasil uma sociedade cheia de contradições que foram reveladas numa série de revoltas e rebeliões. De 1830 a 1850 houve oito revoltas ou insurreições dignas de nota. Foram elas, as de Santa Rita (1831), do Ano da Fumaça (1833), dos Cabanos (1832/34), da Cabanagem (18835/40), da Sabinada ((1837/38), a Guerra dos Farrapos (1835/45), e a Praieira (1948/50). Essas insurreições mostram que o Brasil vivia uma tensão social acentuada. Os escravos se rebelavam e fugiam do cativeiro, para formar suas comunidades, os Quilombos. Para esclarecer melhor essa situação analisemos a formação da população brasileira.

As estatísticas mostram o número de habitantes do país nas várias etapas de seu processo histórico. A população indígena foi a mais desconsiderada pelas estatísticas oficiais, pois vieram a participar delas apenas no censo de 1991. Naquele ano o IBGE encontrou 294.131 mil indígenas. No ano 2000, seu número subiu para 734.127, e no ano 2010 para 817.063, ou 0,4% da população. A grande diferença entre os dois últimos censos, que mostram um pequeno crescimento vegetativo, com o de 1991, se deve à mudança de metodologia. O que nos cabe registrar é que a população indígena, estimada em 4 milhões de pessoas em 1500 – enquanto a população de Portugal era apenas de 1,2 milhões – foi praticamente absorvida pela sociedade brasileira sob a forma de mestiçagem. Isso Mostra o quanto foi importante sua participação na formação do DNA de nosso povo, assim como na nossa cultura.

Quanto à população africana, ela foi introduzida no Brasil no século XVI, sob a condição de escravos, para executar as tarefas necessárias à produção de açúcar para a exportação. Essa atividade gerou recursos para o reino e enriqueceu uma casta de privilegiados que exploravam nosso território. Estima-se que em 1850, quando foi proibido o tráfico de escravos no Brasil, eles eram dois milhões. Mas o primeiro censo que fez o levantamento dessa população, que ocorreu em 1872, por iniciativa de D. Pedro II, encontrou uma população total de 9.939.478 pessoas, das quais 1.510.806 escravas, ou 15% da população, o que indica sua diminuição vegetativa. O censo da população escrava permitiu ao governo o controle de sua evolução. Ele foi feito depois da publicação da Lei do Ventre Livre de 1871, talvez como forma de controle da obediência à Lei editada. A tendência passou a ser sua diminuição, o que foi acentuada pela Lei do Sexagenário, em 1884. Naquele ano ela era de 1.240.806 escravos e, em 1887, de 723.419.  Em 1888 veio a Lei Áurea que terminou com a escravidão no Brasil. Somente a partir do censo de 1872 pode-se conhecer mais precisamente a população escrava e sua localização no território nacional. Os dados anteriores a ele foram estimados.

Esse censo revela que houve no Brasil dois processos principais em sua formação como nação. Uma era destinado à exportação, e utilizava o trabalho escravo. 15% da população em1872, mais um pequeno número de proprietários, de terras e de escravos, e seus serviçais não escravos, não identificados no censo como tais. Outra parte da população, mais de 80%, exercia uma série de atividades voltadas para seu sustento e o desenvolvimento do país. Essa dicotomia formou, na verdade, duas nações dentro do Brasil, que até agora sustentam duas visões sobre o nosso país e sobre si mesmas. A visão do patriciado, com destaque para os proprietários, que identificamos para efeito de nossa análise de “barões do café”, era, e continua sendo, a de dar prioridade para seus próprios negócios. Eles desconsideravam o desenvolvimento da nação como um todo. O segundo grupo, majoritário, não tinha definições muito precisas de seus interesses além da sua sobrevivência, mas eram tocados pelas ideias liberais, que tinham uma representação minoritária nos centros de poder. Vejamos como esse processo se desenrolou, através de alguns eventos históricos localizados, dentro do processo civilizatório do país.

Com o crescimento da cafeicultura ocorreu uma migração acentuada da população escrava que indica a movimentação do cultivo dos principais produtos de exportação: do café, em ampla expansão; do açúcar que cedia posições ao café; e do ouro que se tornou uma atividade menor, depois do esgotamento dos seus depósitos aluviais. Estima-se que em 1864 as maiores concentrações de escravos eram, na província do Rio de Janeiro, 300.000: em Pernambuco, 260.000: em Minas Gerais, 250.000; na Corte (cidade do Rio de Janeiro), 100.000; e em São Paulo, 80.000. Em 1884, a população escrava cresceu em Minas Gerais para 321.125, e a de São Paulo para 167.493. Já no Rio de Janeiro ela caiu ligeiramente, para 258.238. Em Pernambuco ela despencou de 260.000 para 72.709. O mesmo se dá na Corte, que de 100.000 passa para 32.103. É bom observar que os números de 1864 são estimados, enquanto os de 1884 provêm do censo demográfico. Essas migrações indicam o crescimento do plantio de café, especialmente em São Paulo, e a redução da atividade canavieira em Pernambuco e Rio de Janeiro, onde também cresce o plantio de café, além da redução do número de escravos domésticos na Corte, devido ao custo elevado dos escravos depois da proibição de seu tráfico e às pressões do movimento abolicionista.

Nos últimos anos do Império os barões do café já dominava a política do país, devido seu poder econômico e como principal arrecadador de moedas estrangeiras. Eles estabeleceram fortes ligações internacionais, principalmente com a Inglaterra, naquela época, e depois com os Estados Unidos, grande importador de café. Sem a escravidão, o Império já não servia aos interesses do baronato, que aderiu ao movimento republicano, assumindo o poder logo depois dos militares deporem o Imperador. Esse poder político durou até 1930, período conhecido como a República Velha, ou do Café com Leite, esse nome originário de um acordo político para alternância no poder de presidentes paulistas e mineiros, sendo todos cafeicultores.

A República Velha teve uma política voltada exclusivamente para os interesses dos barões do café e dos seus aliados do patriciado. No final do Império já existia no Brasil uma burguesia industrial nascente, que junto com uma pequena burguesia comercial, artesãos e populares formavam o Partido Liberal. Mas o domínio da política era do Partido Conservador, do patriciado, formado por proprietários de terras e de escravos, exportadores, importadores, banqueiros, altos funcionários e advogados, e uma casta de antigos e de novos nobres. No próximo artigo falaremos sobre a República Velha.

Rio de Janeiro, 27/10/2016

25, outubro 2016 12:09
Por admin

Os novos barões do café

I – A gênese das castas

Arnaldo Mourthé

Para alguns esse título pode parecer estranho. Mas não é. O que procuro é definir o que vem a ser esse governo Temer, na perspectiva de nossa história. Para isso precisamos ir ao início da colonização das terras brasileiras. O que estamos presenciando hoje no Brasil pode parecer algo de novo, mas é apenas um aspecto novo de uma história que começou em 1500. A partir do descobrimento do Brasil a história nos revela um processo de ocupação do nosso território voltado para sua exploração predatória promovida por castas, desvinculadas de compromissos sociais, numa sociedade de desiguais e muitos excluídos, que vem sobrevivendo e prosperando com grandes sacrifícios de seu povo e a contribuição de uma Natureza extremamente generosa.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, Portugal tinha apenas 1,2 milhões de habitantes e já estava empenhado em incrementar seu comércio com o oriente e consolidar os postos comerciais já conseguidos no Caminho das Índias. Enviou para cá degredados e permitiu que aventureiros viessem por conta própria para apossar-se do território. Foram esses que estabeleceram contatos com os índios e fizeram deles seus parceiros na exploração do pau Brasil. Os índios eram de boa índole e não só os acolheram como lhes ofereceram mulheres para seu acasalamento. Nesse ato o migrado se tornava membro da tribo, conforme sua tradição. Aí começou a miscigenação, com a criação do caboclo.

A atividade prosperou e despertou o interesse de outras potências que enviaram para cá suas expedições. Os franceses percorreram quase toda a costa brasileira, e depois iriam instalar-se no Maranhão, onde fundaram São Luiz e no Rio de Janeiro, para onde veio Villegagnon. As preocupações de Portugal com o assédio de outras nações levou seu governo a organizar uma expedição sob o comando de Martin Afonso de Sousa, em 1530. As informações trazidas pelo comandante só aumentaram as preocupações. O rei D. João III decidiu então conceder posse de territórios a pessoas de sua confiança, sem o direito de propriedade, mas com poderes absolutos sobre os negócios e atividades inclusive a escravização de indígenas. Assim foi iniciada a colonização do país e criada a primeira casta da futura sociedade brasileira, que começou com os senhores de engenho, na exploração da cana de açúcar.

Essa atividade econômica gerou uma sociedade formada pelos senhores migrados de Portugal. Houve dois tipos de migração. As dos degredados e aventureiros que vieram aqui tentar sua sorte e dos potentados, amigos do Rei que vieram com todos os privilégios. Estes trouxeram consigo técnicos capazes de instalar e fazer funcionar suas usinas, dentre eles muito judeus que conheciam a tecnologia utilizada e tentavam se proteger da inquisição. A relação dos senhores com os nativos foi a oposta da dos migrantes isolados. Faltava força de trabalho para a atividade que florescia rapidamente. Os portugueses então apelaram para a escravização dos índios e estes se rebelaram. Criou-se um impasse. A solução foi buscar na África uma mão de obra escrava, negociada com chefes tribais que faziam guerras para capturá-los de outras tribos. Institui-se a escravidão negra no Brasil e criou-se uma casta de senhores de engenhos, que constituíram a primeira classe social no Brasil.

Depois veio a exploração do ouro, descoberto na região de Mariana, em Minas Gerais. O ouro era tanto que passou a ser a maior receita do reino de Portugal. A migração e a escravidão cresceram de forma extraordinária. Ouro Preto principal centro produtor de ouro passou a ser a segunda maior cidade do reino, com 100 mil habitantes. A Região das Minas no entorno da cidade reuniu 300 mil pessoas, população igual à capital do reino, Lisboa. A manutenção do Império Lusitano e a expansão das fronteiras do Brasil foram sustentadas pelo ouro de Minas Gerais. Os exploradores do ouro precisavam de equipamentos para escavação com a redução do ouro de aluvião. O reino não permitiu. Por outro lado os tributos pagos, em especial o quinto do ouro, tornaram-se insuportáveis pela redução da produção e seu custo mais elevado. Os brasileiros pensavam ter condições de enfrentar o reino. Houve um movimento de libertação, a Inconfidência Mineira, que foi esmagada pela repressão do Império. Seus líderes foram presos e degredados. Um deles pagou com a vida, Tiradentes. A corte julgou que era necessário dar um exemplo a todos que o Reino não aceitaria esse de tipo de rebeldia, e intitulou seus autores de inconfidentes, aqueles que revelam seus segredos. Mas as minas de aluvião se esgotavam e não havia meios de procurá-lo nas profundezas da terra. As cidades das Minas ficaram estagnadas, pois suas terras eram pouco férteis. Houve forte migração.

Enquanto isso o café foi introduzido no Vale do Paraíba e grandes fazendas ali se formaram. Parte das populações da região das Minas migrou para lá. O café ganhou mercado na Europa e nos Estados Unidos e as plantações cresceram. Foi preciso muita mão de obra para o trabalho. A solução foi levar para lá parte dos escravos e importar outros. O Brasil passou a ser um grande exportador de café. Veio para o Brasil a família real fugindo das tropas napoleônicas, em 1808, e em 1822 foi declarada a independência. Nas décadas de 1830 e1840, o café já representava 40% das exportações brasileiras, e só fez aumentar essa participação. O Império precisava das receitas alfandegárias para sustentar suas importações, já que o país não era industrializado, pois o reino de Portugal não permitiu que isso acontecesse. Para incentivar as atividades exportadoras foram dadas várias benesses aos produtores. Os mais beneficiados, evidentemente, foram os cafeicultores. Eles detinham um forte poder político e dominavam o parlamento, com participação expressiva dos coronéis dos engenhos de açúcar. Eles também eram os homens que faziam os negócios internacionais e tinham seus associados no exterior, especialmente na Inglaterra, que mantinha sua hegemonia no comércio internacional do Brasil e era detentora da maior fatia das importações brasileiras. Essa parceria pode ser vista nas construções de ferrovias e na Guerra do Paraguai, por exemplo.

Esses fenômenos de supremacia de alguns produtos de exportações na economia e na política nacional gerou uma interpretação de que no Brasil colonial e imperial três ciclos econômicos: o do açúcar, o do ouro e o do café. A história econômica e política do Brasil revela a influência desses setores econômicos. Tanto o reino de Portugal, no período colonial dos ciclos do açúcar e do ouro, quanto o Império no ciclo do café, foram pródigos nos favores concedidos àqueles que produziam para a exportação. Eram favores econômicos e políticos principalmente, mas também nobiliários. O imperador Dom Pedro II foi pródigo na distribuição de títulos de nobreza para coronéis dos engenhos de açúcar e, principalmente, dos cafeicultores. Centenas de títulos nobiliários principalmente os de barão, foram concedidos a esses privilegiados, sob a alegação de “bons serviços prestados” ao Império ou ao Imperador. Daí surgiu o nome de barões do café para a “elite” paulista de cafeicultores e exportadores de café. É sobre essa elite, suas políticas e os desdobramentos delas até nossos dias, que falaremos no próximo artigo.

Rio de Janeiro, 19/10/2016.

 

 

 

21, outubro 2016 5:54
Por admin

O COPOM receita aspirina para combater o câncer

Arnaldo Mourthé

Com certo destaque, embora envergonhada, a mídia divulgou ontem a decisão do COPOM de reduzir a taxa SELIC, dos juros que o Estado paga por sua dívida, de 14,25 para 14%. Ou seja, uma redução de 0,25 na taxa. Eu pensei cá comigo: não seria melhor manter os 0,25% e cortar os 14% que restaram? Afinal o que ficou remunera um pequeno grupo de investidores endinheirados que, talvez, nem precisem desses recursos. A maior parte são banqueiros ou investidores estrangeiros, enquanto o corte nada resolve, apenas pretende sinalizar que o governo preocupa-se com a dívida pública. O que sabemos não ser verdade. Feita essa mudança o que aconteceria? Façamos os cálculos: os juros de 14% aplicados à dívida de três trilhões de reais, somam por ano 420 bilhões de reais, ou 1,2 bilhão por dia. Lembre bem: por dia! É por isso que falta dinheiro para tudo.

Se os juros fossem de 0,25% ao ano, o que não é uma heresia, pois essa taxa já foi aplicada pelo governo americano, nós teríamos uma economia de um bilhão e duzentos milhões por dia. Com esse dinheiro no caixa do Tesouro, o governo poderia resolver todas as nossas necessidades imediatas. Não precisaria sair por aí, para a China, os Estados Unidos, o Japão – pedindo investimentos e oferecendo nosso patrimônio – nem da PEC  241, que arrocha o Estado e o servidor. Ele evitaria as greves de professores e alunos, porque os primeiros teriam salários dignos e as escolas funcionariam muito bem. Não morreriam os milhões de brasileiros que morrem hoje por falta de assistência médica. Os policiais e outros servidores não precisariam entrar em greve, para receber seu salário em dia. As estradas seriam melhores. Os serviços públicos essenciais não precisariam ser privatizados. A reitoria da UFRJ não precisaria pegar fogo por falta de manutenção. Teríamos menos violência e a população seria mais feliz. Quantas outras coisas poderíamos fazer!

O governo Temer está menosprezando nossa perplexidade, nossa ansiedade e nossa inteligência. Está tripudiando sobre a insegurança, o sofrimento e o desespero de milhões de brasileiros. Ele finge querer resolver a crise em que estamos mergulhados brincando conosco. Seremos nós, os brasileiros, imbecis?  Talvez seja isso que os homens que ocupam os mais altos cargos do poder pensam.

È urgente tomarmos consciência disso que está acontecendo conosco, antes que seja tarde. Muitos estão desiludidos e desanimados. Mas, há dois mil anos o Mestre Jesus de Nazaré nos deixou uma mensagem singela, mas grandiosa: Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará. Simples assim.

Rio de Janeiro, 20/10/2016

 

17, outubro 2016 1:36
Por admin

Chegou a hora de assumirmos nossas responsabilidades

Arnaldo Mourthé

Nós, brasileiros, dispomos de um país privilegiado pela Natureza. Nosso território é ensolarado, fértil, temos as maiores florestas da Terra, o maior caudal de água doce do mundo, a maior riqueza mineral, que inclui gigantescas reservas de petróleo, e um povo generoso, trabalhador, criativo e diversificado nas suas origens culturais e raciais, que nos faz o país mais representativo da humanidade.

Entretanto nossos índices sociais nos envergonham. Estamos entre os últimos países quando observamos nossas desigualdades, de renda, de escolaridade, de assistência médica, de saneamento urbano. Mas estamos entre os primeiros quando se trata de violência contra a pessoa, de acidentes de trânsito, de estupros das mulheres e, especialmente quando, impelidos por nossas necessidades, recorremos ao sistema financeiro para financiar nossas aflições. Os juros dos cartões de crédito, por exemplo, excedem a 400% ao ano.

Também estamos entre os primeiros em matéria de corrupção, seja no setor público, seja no privado. Os escândalos que assistimos pela televisão, e lemos nos jornais, a cada dia são estarrecedores. Embora os analistas não nos mostrem os fatos assim, todos eles estão interligados e representam uma mesma fragilidade da nossa sociedade. A discriminação social, que fica nítida no tratamento dado a pobres e ricos ou remediados. Vivemos em um mundo artificial, deformado, insano e perverso, implantado em um território de Natureza paradisíaca. Vivemos realmente a insanidade. Por que tudo isso?

Não conseguimos ainda superar nossos preconceitos, sejam contra os outros, sejam contra nós mesmos, o que nos trazem a soberba nos meios mais altos na sociedade e sensação de inferioridade e impotência nos mais baixos. Tudo isso fruto de um processo histórico marcado pela dependência, da metrópole cultural, dos centros de poder econômico e das oligarquias diversas que se formaram ao longo de nossa história e dos vários ciclos de nosso desenvolvimento econômico. O desenvolvimento social aconteceu em pequenos períodos, sempre condicionado por interesses dos mais poderosos ou combatido ferozmente por forças retrógadas internas que ousaram associarmos a poderes estrangeiros para sufocar os esforços de liberação de nosso povo. A chamada “elite” nacional, que outra coisa não é que os detentores do poder econômico, com características distintas em cada período de nossa história, é a responsável pela insanidade que nos leva ao caos social. Não preciso dar exemplos, pois todos sabem o que se passa. Basta ligar a televisão, seguir as mensagens das redes sociais, ouvir a rádio ou ler os jornais. Vivemos o caos social, sim. Mas é necessário que seja assim? Nossa experiência histórica e a história da humanidade nos mostra que há outros caminhos, e não há necessidade de passarmos pela situação lastimável em que estamos, sem liderança e sem governo que se preocupe com as necessidades de nossa gente.

Há que fazer uma reflexão sobre isso? Prefiro não culpar a história por tudo que vivemos hoje, porque quem faz a história somos nós mesmos. É preciso que assumamos as nossas responsabilidades. É preciso que tomemos consciência que quem construiu e constrói a história são os homens. Que cada erro ou acerto provém do próprio homem. Nós somos os principais responsáveis pelo que somos e pela situação que vivemos. É preciso que tomemos consciência de que a solução de nossos problemas não está apenas nos nossos líderes, pois esses são a consequência do que queremos. Se buscamos o bem, os líderes serão para o bem, se buscamos o egoísmo, os líderes serão os do egoísmo. Se nossos líderes correspondem ao egoísmo é porque assim queremos, ou assim permitimos que seja. Não há que confiar apenas nas pessoas que admiramos ou simpatizamos. É preciso confiar em nós mesmos. Nós os cidadãos somos a fonte de todo poder republicano, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário. Não devemos nos limitar à análise de que a responsabilidade é dessa ou daquela autoridade, pois fomos nós que as colocamos no poder, hoje ou no passado. Todo o poder emana de nós mesmos, de nossa qualidade inata de liberdade e de igualdade. Todos são iguais. Todos provêm da mesma fonte. Não somos objetos do acaso. Nós estamos aqui na Terra por uma razão maior: para aprendermos, para nos realizar através da nossa superação. Somos frutos do meio e das circunstâncias, quanto a isso não há dúvida. Mas somos, antes de tudo livres, senhores de nós mesmos, dotados de inteligência e capacidade de decidir por nós mesmos, e não simples cordeiros que seguem docilmente seu pastor. A responsabilidade de tudo que está aí é nossa, de todos e de cada um de nós. Não fujamos da nossa responsabilidade!

O que estamos fazendo para superar o caos em que nos metemos? O que fizemos ontem? O que fizemos ou faremos hoje? Se não sabemos o que fazer é preciso procurar sabê-lo. Mas não seremos capazes de aprender se não formos humildes, se não reconhecermos nossas limitações, se não tivermos consciência que nossa visão do mundo e os fatos estão eivados de ilusões e de mentiras, que estamos submetidos a um processo perverso de alienação. É preciso sacudir as amarras. É preciso cortar as algemas e os grilhões que nos prendem e nos fazem escravos.

É preciso acordar e assumir nossas responsabilidades. Todas nossas responsabilidades. Se não o fizermos não haverá um país livre para legarmos a nossos filhos e netos. Nós seremos os responsáveis por sua penúria e por seu desespero. A hora é essa, precisamos tomar consciência de nossa situação de submissão e exigirmos de nosso governo o respeito à nossa condição de cidadãos. Se ficarmos discutindo com nossos iguais nossas preferências, muitas vezes rompendo sólidas amizades por causa disso, ficaremos no mesmo lugar, no caos. É hora de buscarmos a nossa unidade, a unidade dos cidadãos brasileiros, a unidade de todo o povo brasileiro para acabar com essa macabra mania dos nossos dirigentes de brincar de governar, entregando nossas riquezas e nossa Soberania para os vorazes investidores estrangeiros, os maiores predadores que o mundo conheceu. Deixaremos que nós mesmos, nossa família, e todos os nossos irmãos brasileiros sejam colonizados ou escravizados para o deleite de irresponsáveis donos do capital financeiro internacional e seus capatazes internos?

É hora de tomarmos uma decisão. Será agora, ou nunca, a não ser que queiramos que nosso país mergulhe num conflito interno monumental, cuja solução mostrada pela história seja a guerra civil. Será se queremos isso? Será que somos, além de ingênuos, irresponsáveis? Pensem nisso prezados leitores. Devemos tomar uma atitude a favor do amor ao próximo e da fraternidade. São essas duas palavras que contêm o significado mais nobre para esse momento, para a solução de nossos problemas. Voltaremos a essa questão mais tarde, noutra oportunidade.

Rio de Janeiro, 15/10/2016.

14, outubro 2016 8:35
Por admin

Alerta geral! Estão vendendo o Brasil!

Arnaldo Mourthé

Enquanto a Câmara de Deputados, com uma maioria corrupta, votava a PEC, que engessa o orçamento da União, aprovando-a por larga margem de votos, o ministro Henrique Meireles dava entrevista em Nova York. Disse que é preciso convencer os investidores estrangeiros a investir no Brasil, como se isso fosse preciso. Então os investidores da Wall Street e adjacências não sabem que os maiores juros do mundo são praticados aqui, assim como aqui o governo está colocando o patrimônio público à venda? Não foi apenas isso que o Meireles foi fazer em Nova York. Ele foi conversar com seus amigos e companheiros de trabalho que comandam os maiores bancos do mundo, dizendo para eles que o plano final para o conquista do Brasil pelo capital financeiro internacional está em marcha. Vejam a aprovação do crédito suplementar autorizando o governo federal emitir novos títulos da dívida pública para pagar juros aos próprios banqueiros. Assim a dívida está sendo aumentada e a Soberania nacional reduzida. O sorriso que ele estampou em sua entrevista à Globo News é sintomático. Ele disse que tudo que o governo está fazendo é para salvar o Brasil, mantendo a sua credibilidade financeira, nos termos que agradam à banca internacional. Não sei se devemos rir ou chorar!

Paralelamente a isso, e impelido pela “vitória de Pirro” que o governo teve na aprovação, em primeira votação, da PEC da camisa de força em que vai meter os futuros governos da União e, em decorrência, também os governos estaduais, o presidente Temer anuncia grande reforma no sistema previdenciário. Inclui nela a isonomia da aposentadoria do funcionalismo à do INSS, arrochando aquela e desvalorizando o cargo público. As consequências dessas medidas, mais a privatização e internacionalização do pré-sal, excluindo a Petrobrás dos contratos de concessão de sua exploração, fazem parte do projeto de entrega da economia nacional ao capital financeiro internacional. E, com ela, a renúncia à nossa Soberania. Senão, vejamos quais serão, e já estão sendo, as consequências dessas medidas imediatas e no futuro do país.

O engessamento do orçamento engessa também a administração pública e todos seus serviços. Aqui estão incluídos a educação e a saúde, o saneamento, os transportes, mas também a segurança pública, por sua repercussão nos estados, e a própria segurança da Nação, já que as Forças Armadas não escapam a seu efeito. Até mesmo o sistema judiciário será afetado, num momento crítico em que se apuram os descalabros dos governos anteriores, que não se limitam aos de Dilma e de Lula, mas que alcançaram também o de Fernando Henrique Cardoso, o pai do neoliberalismo no Brasil.

Será que esquecemos que as decisões judiciais estão atreladas aos textos constitucionais, e essa mudança na Constituição não permitirá à Justiça defender os direitos dos funcionários, dentre os quais seus próprios servidores? E também os dos excluídos da assistência dos serviços públicos – dos quais dependem para sua vida e sua dignidade = já dilapidados e que, segundo a Constituição, são dever do Estado?

O governo e seus sequazes estão desmontando o país, suas estruturas, suas instituições, seus valores éticos e morais, sua economia, e até seu direito de propriedade. É isso que você, meu caro leitor, quer? É isso que você, cidadão brasileiro, quer? Diante desse quadro só uma coisa me indica o caminho a tomar: uma estrofe do Hino Nacional do Brasil,

Mas, se ergues da justiça a clava forte, Verás que um filho teu não foge à luta, Nem teme, quem te adora, a própria morte.

De minha parte declaro que não aceitarei que façam do Brasil uma colônia. E você, caro leitor, aceita?

Rio de Janeiro, 12/10/16.

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