Arquivos de julho, 2014

28, julho 2014 7:27
Por admin

As autoridades israelenses perderam o senso ético…
Arnaldo Mourthé*
É triste assistir pela mídia o massacre dos palestinos da Faixa de Gaza. Pior só a tragédia que eles vivem. Por que será que isso está acontecendo? Não tenho a resposta completa. Fogem-me os pormenores, mas penso compreender a questão de fundo de tudo isso. Vamos ao assunto.
A Faixa de Gaza é um território palestino na costa do Mediterrâneo, fazendo fronteira com Israel e Egito (Sinai). Com população de um milhão e oitocentos mil habitantes, ocupa um território de 360 quilômetros quadrados, um terço do município do Rio de Janeiro. Sua dimensão e sua população equivalem às de um município. Sua condição atual é de território sitiado, por muros, patrulha naval e o sexto mais poderoso exército do mundo, submetida a uma agressão militar genocida. A Autoridade Palestina é reconhecida pela ONU, mas não o é como Estado Nacional por todos os seus membros.
O conflito atual é um desdobramento de vários outros conflitos que ocorreram de forma intermitente desde a criação do Estado de Israel, em 1948. Em relação a ele, os diversos observadores, diplomáticos, jornalistas ou historiadores, têm opinião variada, segundo o aspecto abordado e sua própria posição política ou ideológica. Essa é uma longa história, que precisamos sintetizar.
O retorno à terra de Sion, antigo nome de Jerusalém, sempre foi um sonho dos judeus. Em 1897, sob inspiração de Theodor Herzl, judeu húngaro e escritor, foi realizado em Basel, na Suiça, o congresso constitutivo da Organização Sionista Mundial, que nasce com o objetivo principal de fundar o Foyer national juif – um asilo para o povo judeu, garantido por lei pública, como a ele se referia Herzl. Em 1903 os ingleses ofereceram aos judeus o território de Uganda, o que não foi aceito. Em 1917, em plena Primeira Guerra Mundial, o governo inglês se manifesta, por carta ao lorde e banqueiro Leonel Walter Rothschild, ser favorável ao estabelecimento do Foyer national juif na Palestina, com representação política em outros países. A partir daí os judeus ajudaram o Império Britânico no desmantelamento do Império Otomano, e no estabelecimento do mandato britânico na Palestina.
Esses fatos históricos, e seus desdobramentos, todos vinculados à exploração e posse do petróleo, criam para as autoridades diplomáticas dificuldades no trato dessa questão. Mas sem eles não há como encontrar um ponto de equilíbrio entre o radicalismo, que há muito tempo já abandonou a racionalidade, e as expectativas dos povos do mundo no estabelecimento da convivência pacífica entre os dois grupos.
O complicador maior é que a questão palestina ou a questão israelense, dependendo do ângulo de visão do analista, está colocada sobre bases falsas desde a criação do Estado de Israel, em 1948. Não se trata apenas de questões culturais ou históricas entre árabes e judeus. Essas existem, mas são irrelevantes para explicar o estado belicoso que caracteriza a região. A questão de fundo é a geopolítica, que tem como objetivo o
controle do petróleo, agora também do gás, da região detentora de dois terços das reservas mundiais de petróleo, cerca de 700 bilhões de barris.
Tanto a diplomacia quanto a imprensa mundiais têm como tabu a questão geopolítica quando se trata de Israel. Melhor para eles é ficar com a dicotomia cultural ou religiosa que esconde as questões de fundo, a econômica, e a militar que sustenta a política do petróleo no Oriente Médio, praticada pela Inglaterra desde a Primeira Guerra Mundial, hoje sobre a batuta estadunidense.
O agravamento dos conflitos nos últimos anos, “primavera árabe” abrangendo Tunísia, Líbia, Egito, Síria, assim como a questão ucraniana, se deve ao derrame financeiro, que busca a hegemonia política e cultural em todo o mundo, pelas grandes corporações internacionais, ancoradas nos países anglo-saxônicos, enquanto esses visam o controle do petróleo e do gás. A crise de 2008 mostrou a debilidade do sistema financeiro internacional, construído artificialmente sobre o dólar sem lastro e sob a ficção patrimonial. Nele todo tipo de papel é contabilizado como riqueza, inclusive os títulos das dívidas públicas impagáveis por serem simples artifícios monetários com os objetivos de dar rentabilidade ao dinheiro sem lastro e submeter os governos periféricos pela pressão financeira.
Sem considerarmos essa nova realidade não é possível discutir objetiva e racionalmente a questão árabe-israelense, nem o caos dos países europeus em crise, ou as pressões estapafúrdias sobre os países latino-americanos, como ocorre atualmente com a Argentina.
A hipótese mais provável para a despropositada violência israelense é de uma grande provocação, numa terceira tentativa, depois da guerra civil na Síria e dos conflitos da Ucrânia, visando gerar um grande conflito na região envolvendo a União Europeia e a Rússia, com dois objetivos. O primeiro é cortar o fornecimento do gás russo para a União Europeia, tornando esta dependente do gás americano. O segundo é a tentativa de protelar o colapso inevitável do sistema financeiro internacional, queimando estoques e abrindo novos mercados.
A postura cínica dos dirigentes israelitas não é recente, sempre atendendo seus fundadores e protetores. Desta feita a demanda é dupla, do protetor Tio Sam e de um dos pais fundadores do Estado de Israel, o capital financeiro, empurrando as autoridades israelenses a ações muito além do tolerável. Elas perderam o senso ético, ao praticar o genocídio, e a compostura, com declarações estapafúrdias e indecorosas que revelam sua condição de desespero. Enquanto isso a imprensa vendida tenta esconder suas práticas perversas.
*Ex-secretário de relações internacionais do PDT

13, julho 2014 2:40
Por admin

Um reino muito engraçado

Arnaldo Mourthé

Há pouco mais de cinco séculos os homens não sabiam que a forma da Terra é esférica. Temiam investir sobre o mar e perderem-se, ou precipitarem-se sobre o nada. Mas isso mudou, e alguns audaciosos partiram com suas naus na busca da fortuna. Nessa época uma expedição encontrou uma terra distante que maravilhou os que lá chegaram. O relato do escriba oficial bem mostra sua impressão do que viram e presenciaram.

Sobre as pessoas que lá viviam e a terra ele disse: “Traziam arcos nas mãos e suas setas. Nicolau Coelho lhes fez sinal para que pousassem os arcos. E eles os depuseram. (…) E misturaram-se tanto conosco que uns nos ajudavam a acarretar lenha e metê-las nos batéis. (…) seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não podem ser mais! (…) E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. (…) a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-douro-e-Minho. (…) Águas são muitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!”

O reino do outro lado do mar, que encontrou aquela terra generosa e rica, e seus belos, amáveis e saudáveis habitantes, não tardou em enviar para lá levas de migrantes que encontraram logo meios de extrair dali suas riquezas. Mas os povos nativos se recusaram à escravidão e se revoltaram. Outros povos foram levados como escravos para realizar os trabalhos da extração de riquezas, do cultivo da terra e de outros afazeres. A terra encantada tornou-se uma terra de escravidão e conflitos, além de ser ambicionada por outros reinos que para lá enviaram suas esquadras, ocuparam terras e promoveram guerras. E assim foi-se formando uma nova nação com muitos povos que ali chegaram, como escravos ou migrantes, dentre os quais apenados e aventureiros.

Aquela terra tornou-se um reino rico contando com sua natureza generosa e um povo alegre e trabalhador. Mas ali se formou também dinastias de mandatários e senhores de terras e oficinas muito ambiciosos. O reino cresceu, e com ele seus problemas. Sua riqueza foi-se concentrando nas mãos dessas dinastias que se tornavam cada vez mais poderosas. Mas elas não tinham muita consciência do que era a independência da nação. Preferiam cultivar seus associados de outros reinos a atender às necessidades do povo do reino. A escravidão continuou a existir. Vez por outra o povo se revoltava e conquistava direitos. Por sua vez os escravos fugiam e criavam suas comunidades, às quais deram o nome de quilombos.

Em dado momento as dinastias formadas no reino se rebelaram contra aquela originada na metrópole.  Foi criada outra forma de reino, na qual as dinastias locais se alternavam no poder. Essa alternância era uma questão só delas. O povo não era levado em consideração. Os votos nas eleições eram para poucos, os das dinastias e de seus acólitos. Não havia cédulas. O voto era escrito em livro pelo mesário, nomeado pelo chefe político local. Assim o resultado era aquele que interessava ao mandatário. Os problemas sociais persistiam, o povo se inquietava e muitas vezes ocorreram pequenas revoltas. Algumas conquistas foram alcançadas, mas os problemas sociais não eram tratados com o diálogo, mas com a repressão. As dinastias consideravam os problemas sociais como casos de polícia e não como questão política. As tensões foram crescendo, e com elas as revoltas, culminando em uma revolução.

A partir daí foram muitas as conquistas populares. O voto foi concedido a todos os alfabetizados, que não eram tantos assim, e também às mulheres. Foi feito um grande esforço de alfabetização através de uma vasta rede de escolas públicas. Conquistou-se uma legislação que regulava as relações de trabalho com garantias de direitos aos trabalhadores. Foi desenvolvido um sistema de previdência social, com contribuição do empregado, do empregador e do Estado. Esse sistema também financiava a construção de habitação para o trabalhador. A saúde pública recebeu maior atenção e verbas do Estado e foi criada uma ampla rede de hospitais e ambulatórios. Com o desenvolvimento dos serviços públicos, os funcionários ganharam importância e melhores salários. Houve um grande esforço de industrialização. As relações internacionais eram respeitosas e a soberania nacional defendida. O reino ia muito bem, se comparado com os outros pelo mundo afora, mas as dinastias se sentiam prejudicadas, apesar dos seus privilégios que permitiram seu enriquecimento em uma economia vigorosa.

Incomodadas com o poder do povo e instigadas por dinastias de outros reinos, as elites sociais do reino conspiravam. Estabeleceu-se entre as dinastias interna e externa uma aliança para a derrubada do governo popular. A imprensa manipulou informações, mentiu de forma sistemática, acusou sem provas, denegriu imagens de pessoas dignas e criou um inimigo invisível, que seria instrumento de um reino distante. Nesse quadro foi possível dar um golpe de Estado, e entregar o poder aos militares. Mas a ditadura criou mais problemas que soluções. A resistência dos indignados e o tempo a desgastaram. Os militares já não serviam para o projeto das dinastias e o governo militar acabou.

Os mandatários ficaram preocupados com a volta do povo ao poder e criaram uma democracia que parecia devolver o poder ao povo, mas não foi bem assim. As eleições foram sendo dominadas pelo poder da mídia e do dinheiro. A corrupção maculou a Constituição com reformas para favorecer a aliança das dinastias conspiradoras. Os poderes da República foram cartelizados para impor e manter um modelo econômico espoliador. O reino foi submetido a uma sangria sem precedentes. Seu patrimônio foi alienado em grande parte, principalmente no setor industrial que passou a ser dominado pelas dinastias do exterior. A riqueza foi-se concentrando nas mãos de poucos, enquanto o Estado se endivida para ampliar o ganho dos investidores de dinheiro, a tal ponto que as corporações financeiras passaram a dominar quase tudo.

Para esconder todas essas mazelas, o dinheiro da publicidade, privado e oficial, submeteu a mídia transformando-a em instrumento de alienação permanente. A tirania do dinheiro domina o Reino. Para acalmar as corporações foram criados programas com verbas governamentais distribuídas prodigamente para centrais sindicais e ONGs de toda natureza. As isenções de tributos para grandes indústria tornou-se uma prática indecorosa, que retiram recursos dos serviços públicos de atendimento à população, e distorcem de forma viciosa a economia do país. Mas como isso pôde acontecer?

A abertura das fronteiras do reino ao capital estrangeiro degradou sua indústria e agravou a ação daninha dos especuladores. As atividades econômicas foram sendo pouco a pouco transferidas para o capital estrangeiro.  A moeda estrangeira que compra o patrimônio do reino é em parte retida pelo governo, que resgata dívida externa ou a transforma em reserva cambial. Para isso o Estado emite títulos ampliando a dívida pública, que vem crescendo como uma bola de neve a ponto de tornar-se impagável. Outra parte dessas moedas conversíveis volta à sua origem através da exportação de lucros e juros pagos ao capital estrangeiro.

Havia muita fome no reino. Para amenizar o sofrimento dos mais pobres foi criada a bolsa-pão. Para acalmar a grande massa da população foi criada a bolsa-circo, numa cópia grotesca do ocorrido no Império Romano, como se o reino que descrevemos fosse também um império, quando seu modelo está mais para colônia. Como não há mais arenas para gladiadores, construíram belíssimos estádios esportivos, que receberiam o maior circo da Terra, a Copa do Mundo de futebol. Seria a oportunidade para o governo da dinastia de plantão provar ao povo a grandeza do reino, vencendo a Copa. Afinal, apesar das mazelas do reino, ele era ou não o melhor do mundo no futebol?

Mas o povo, vendo que o reino tinha dinheiro para construir e patrocinar essa grande festa de seus sócios externos, foi para a rua reclamar os serviços públicos de que necessita. Ele queria transporte melhor e mais barato para deslocar-se para a escola e para o trabalho. Queria também melhores escolas, onde as crianças pudessem aprender, e assistência médica para milhões de pessoas condenadas à doença ou à morte por falta de tratamento. Os governantes de plantão e os próceres das diversas dinastias ficaram em pânico. Não sabiam como responder a questões tão diretas e tão pertinentes. Se havia dinheiro para o circo, como não havia para o transporte digno, a saúde, a educação? Em vez do diálogo, ocorreu a truculência policial. A questão social voltou a ser caso de polícia. As manifestações cresceram impulsionadas pela solidariedade e pela indignação. A queda de braço foi dura. A forte repressão, a manipulação da informação, as vãs promessas e o cansaço, acomodaram os ânimos. Mas os problemas ficaram.

Enquanto isso o tempo passou. Chegou o ano eleitoral, o mesmo da Copa, o grande circo mundial, enquanto os problemas do reino ficavam cada vez mais graves. Acelerou-se a venda do patrimônio nacional para sustentar o circo e a sangria cada vez maior de suas riquezas. Afinal, era preciso manter a aliança das dinastias com as outras dos outros reinos, criada para afastar o povo do poder. A indignação dos setores mais conscientes da população aumentou. Enquanto isso a Copa era preparada e as diversas dinastias internas associavam-se para as eleições. Muito estranhas elas eram. Na visão dos candidatos elas eram da “coberta curta”, pela falta de recursos para fazer face aos compromissos. Para os eleitores eram da “perplexidade”, pela incerteza do que virá e pela inconsistência das candidaturas, todas envergonhadas por seu silêncio a respeito das reais dificuldades do país, sua dívida pública impagável e crescente, e as concessões absurdas contra os interesses do reino e sua soberania.

A participação do reino na Copa do Mundo foi um fiasco. Para muitos um fracasso monumental, uma vergonha. O dinheiro para manter o pão e circo está cada vez mais curto. Sustentar a mentira sobre a real situação do reino ficou muito difícil. Os candidatos aos postos mais importantes do reino ficam sem rumo, de saia justa na linguagem popular. Há um grande temor dos partidários de uma ou outra dinastia de qualquer opinião que seja emitida sobre a situação do reino, pois ela pode atingir os interesses de sua corrente política. Sendo assim, o autor deste texto resolveu tomar emprestado de um personagem conhecido da história, o conde de Mirabeau, o que ele escreveu sobre um reino de sua época, há mais de duzentos anos, que ele bem conhecia, pois foi ministro do seu governo. Duas de suas reflexões se prestam muito bem para o reino que descrevemos, que para o leitor pode ser fictício, ou não.

“O governo se fez para a comodidade ou o prazer dos que governam”.

“O futuro tem muitos nomes: para os fracos, é o Intangível; para os temerosos, é o Desconhecido; para os fortes, é a Oportunidade.”

De qualquer maneira há uma coisa certa: só a divulgação da verdade poderá salvar o reino. Que os reinóis pensem nisso e façam sua parte.

Rio, 12/07/2014

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