Os novos barões do café (VII) – O governo Vargas e a Segunda Guerra Mundial


O governo Vargas e a Segunda Guerra Mundial

Arnaldo Mourthé

Em 1930, quando Getúlio assumiu o poder, a população do Brasil era estimada em 35 milhões de pessoas. O censo de 1940 indicou seu crescimento para 41 milhões, sendo 31% urbana e 69% rural. Nós éramos ainda um país rural, com uma sociedade dominada pelos proprietários de terras, onde a hegemonia ideológica era dos grandes proprietários, com grande destaque para os barões do café. Estes perderam o poder político federal, mas dominavam a economia e a política interiorana e em São Paulo. Um indicador claro disso foi a contra revolução de 1932.

A indústria no Brasil era muito limitada. O setor principal ainda era o têxtil, que prosperava, mas todos os seus equipamentos eram importados. A indústria siderúrgica era minúscula e dominada pelo capital estrangeiro. A tentativa de alguns engenheiros de montar uma indústria em Sabará, junto a Belo Horizonte, entre 1917 e 1920, não pode prosperar pela concorrência estrangeira e falta de equipamentos. Seus fundadores foram forçados a vender seu empreendimento para um grupo belga, que fez dele o embrião da conceituada Cia. Siderúrgica Belgo Mineira.

Quando Getúlio foi a Belo Horizonte para agradecer aos mineiros por seu apoio à sua  candidatura e à Revolução de 30, ele aproveitou a oportunidade para definir uma das prioridades de seu governo, a siderurgia. Em 1919, Farquar, cujos negócios já vinham degringolando desde sua aventura no Contestado, perdeu o controle da Sorocabana Railway Company, encapada pelo Estado de São Paulo. Ele então comprou a Itabira Iron Ore Company, à qual estava incorporada a Ferrovia Vitória Minas. O contrato original, assinado em 1920, que autorizava a empresa de Farquar a explorar e exportar minérios, o obrigava a construir uma siderurgia, o que não ocorreu. Getúlio não tocou diretamente na questão do contrato, mas definiu sua posição sobre a questão da siderurgia, que ele considerou como problema máximo que condicionava nosso progresso. E afirmou que o governo mobilizaria a totalidade dos recursos disponíveis para resolvê-lo. Definiu assim sua política desenvolvimentista que o nortearia na implantação das indústrias de base nos setores siderúrgico e energético.

A intenção era correta, e realmente foi executada mais tarde, mas a realidade política não era propícia para uma unidade nacional capaz de sustentar uma posição firme do governo diante de poderosos interesses estrangeiros. As condições sociais do país eram muito difíceis para todos, enquanto a esperança era grande em relação à reabilitação dos princípios republicanos, que já vinham sendo postos em práticas pelas medidas sociais do governo e da conquista de direitos políticos, com a nova Constituição de 1934, quando Getúlio foi eleito presidente. Mas faltava um suporte social para o avanço das conquistas sociais, políticas e econômicas. Não havia uma classe operária significativa. A maior representação dos trabalhadores era dos ferroviários, já que no Brasil as ferrovias se anteciparam à industrialização, enquanto na Europa fora o contrário.

Mas as necessidades falam mais alto e a ilusão de força política alimentou um grupo de intelectuais e tenentistas, empolgados com seus movimentos entre 1922 e 1924. Esses grupos buscaram organizarem-se em movimentos, inspirados nas conquistas sociais europeias e na vitoriosa Revolução de Outubro. Eles temiam o avanço do neofascismo no Brasil, representado pelo movimento integralista, inspirado no fascismo italiano. No seu ímpeto de defender o Brasil de uma ameaça alemã, eles fundaram a Aliança Nacional Libertadora em março de 1935. Em janeiro já havia sido divulgado um manifesto que foi lido na Câmara de Deputados em janeiro. Na sua plataforma estavam, dentre outras, as reivindicações de: suspensão do pagamento da dívida externa; nacionalização das empresas estrangeiras; reforma agrária; e instituição de um governo popular. Todavia não se referiram à forma ou aos meios de alcançar seus objetivos. O objetivo de um governo popular, dadas as realidades políticas e sociais do país, era puro idealismo. Não havia porque o governo preocupar-se com ele, não fosse a situação conflituosa entre os partidários da ALN e os integralistas, que agitaram as grandes cidades do país.

Getúlio reagiu, por bem ou por mal, decretando o fechamento da ALN, que se desmantelou por falta de condições de mobilizar seus adeptos, que não eram poucos, pois seu programa calara fundo nas áreas populares.

O vácuo do movimento ostensivo criou a oportunidade dos comunistas assumiram o comando do movimento. Prestes, que havia se refugiado na Rússia, voltou ao Brasil clandestinamente com sua mulher alemã, Olga Benário. Ele assumiu o comando dos comunistas que se haviam juntado à ALN. Por seus feitos na liderança do movimento “Coluna Prestes”, ele havia sido eleito Presidente de Honra da ALN. Sob sua liderança ocorreu uma rebelião de militares, que começou em Natal, em novembro de 1935, quando a cidade foi ocupada por quatro dias. Houve também levantes em Pernambuco e no Rio de Janeiro

Exprimido de um lado por forças de esquerda, nas quais se destacavam os comunistas, e do outro pelos integralistas que defendiam o fascismo, o governo de Getúlio caminhou para o autoritarismo. Em 10 de novembro de 1937 ele fecha o Congresso e cancela as eleições. Começou o período que ficou conhecido como Estado Novo, em alusão ao que Salazar havia  feito em Portugal em 1933. A diferença é que Salazar abraçou a tendência fascista, enquanto Getúlio continuou com seu objetivo republicano. O que parecia um movimento retrógrado, talvez fosse uma manobra defensiva, face às contingências nacionais, e às internacionais que conduziriam à Segunda Guerra Mundial.

A polêmica sobre a tendência de Getúlio para o fascismo se desfez por sua prática no governo. Na verdade havia no Brasil uma tradição de compras de equipamentos alemães, que incluíam armamentos. Mas isso era muito anterior ao nazismo e se dava pela melhor tecnologia alemã na mecânica de nos motores a explosão, invenções alemãs. Também ocorreu uma forte migração de alemães para o sul do Brasil, onde eles constituíram importantes comunidades, que até hoje são reverenciadas por todos. Mas também é verdade que os nazistas atuaram fortemente na América do Sul, especialmente na Argentina e no sul do Brasil. Getúlio não teve dúvidas em relação a essa infiltração nazista. Para dificultá-la, ele tomou uma medida radical.

Pelo Decreto Federal número 406, de 04 de maio de 1938, Getúlio impõe a obrigatoriedade do uso da língua portuguesa nas escolas. E mais, ficou estabelecido que os professores e diretores das escolas chamadas étnicas, onde se ensinava em língua estrangeira, fossem brasileiros. E proibiu também a circulação de jornais e revistas em línguas estrangeiras. Em outubro o embaixador alemão Karl Ritter foi expulso do Brasil por criticar o governo pela medida, alegando que a militância nazista era inerente à condição da origem alemã das pessoas. Muitos consideraram o decreto um retrocesso, mas ele era pertinente, o que foi demonstrado pelas descobertas posteriores sobre as tentativas de infiltração nazista.

Por coincidência ou não, na mesma época ocorreram ações armadas dos integralistas contra o governo. Em 15 de março de 1938 eles produziram agitações na Marinha e ocuparam a rádio Mayrink Veiga. Em 11 de maio eles atacaram o Palácio Guanabara, residência oficial do Presidente, na tentativa de depô-lo. Foram ações aventureiras, rapidamente contidas, mas que definiam como objetivo o poder. O que evidencia a inconsistência do movimento está no fato de Plínio Salgado, líder integralista, na onda do Decreto do Estado Novo, ter reivindicado o Ministério da Educação, com o qual pretendia difundir sua ideologia.

No próximo artigo abordaremos as razões que levaram o Brasil a participar da Segunda Guerra Mundial.

Rio de Janeiro, 12/11/2016

 

Comente você também

Name (necessário)

Email (não será exibido) (necessário)




05, maio 2022 11:36

Bienal do Livro Rio 2021

13, novembro 2021 12:56

Mini Primavera dos Livros 2021

09, agosto 2021 12:10

Editora Mourthé na FLI BH 2021 - 4a Edição