Os novos barões do café (II) – Os barões do café no Império


II – Os barões do café no Império

Arnaldo Mourthé

Vimos no artigo anterior que a economia brasileira desenvolveu-se tendo como prioridade política as atividades voltadas para os interesses de fora do país. Em dois ciclos, açúcar e ouro, no Brasil colônia e o do café no Império. Toda essa economia voltada principalmente para a exportação era sustentada por trabalho escravo. Estima-se que ingressaram no Brasil cerca de quatro milhões de escravos, do início de século XVI até a Lei Eusébio de Queirós, de 4 de setembro de 1850, que proibiu seu tráfico. Somente no final do Império veio a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, que os libertou. Foram 350 anos de escravidão que marcaram profundamente, não apenas a economia, mas toda a sociedade brasileira. Nesse período formou-se no Brasil uma casta social que se caracterizava pela soberba, pelo preconceito, e pelo desprezo ao trabalho manual e à cultura brasileira Esta casta serviu-se da população, desconsiderando-a no seu exercício de poder. Sua dependência do mercado externo a fez mais voltada para seus interesses e propriedades que pelo sentimento de nacionalidade.

Formou-se no Brasil uma sociedade cheia de contradições que foram reveladas numa série de revoltas e rebeliões. De 1830 a 1850 houve oito revoltas ou insurreições dignas de nota. Foram elas, as de Santa Rita (1831), do Ano da Fumaça (1833), dos Cabanos (1832/34), da Cabanagem (18835/40), da Sabinada ((1837/38), a Guerra dos Farrapos (1835/45), e a Praieira (1948/50). Essas insurreições mostram que o Brasil vivia uma tensão social acentuada. Os escravos se rebelavam e fugiam do cativeiro, para formar suas comunidades, os Quilombos. Para esclarecer melhor essa situação analisemos a formação da população brasileira.

As estatísticas mostram o número de habitantes do país nas várias etapas de seu processo histórico. A população indígena foi a mais desconsiderada pelas estatísticas oficiais, pois vieram a participar delas apenas no censo de 1991. Naquele ano o IBGE encontrou 294.131 mil indígenas. No ano 2000, seu número subiu para 734.127, e no ano 2010 para 817.063, ou 0,4% da população. A grande diferença entre os dois últimos censos, que mostram um pequeno crescimento vegetativo, com o de 1991, se deve à mudança de metodologia. O que nos cabe registrar é que a população indígena, estimada em 4 milhões de pessoas em 1500 – enquanto a população de Portugal era apenas de 1,2 milhões – foi praticamente absorvida pela sociedade brasileira sob a forma de mestiçagem. Isso Mostra o quanto foi importante sua participação na formação do DNA de nosso povo, assim como na nossa cultura.

Quanto à população africana, ela foi introduzida no Brasil no século XVI, sob a condição de escravos, para executar as tarefas necessárias à produção de açúcar para a exportação. Essa atividade gerou recursos para o reino e enriqueceu uma casta de privilegiados que exploravam nosso território. Estima-se que em 1850, quando foi proibido o tráfico de escravos no Brasil, eles eram dois milhões. Mas o primeiro censo que fez o levantamento dessa população, que ocorreu em 1872, por iniciativa de D. Pedro II, encontrou uma população total de 9.939.478 pessoas, das quais 1.510.806 escravas, ou 15% da população, o que indica sua diminuição vegetativa. O censo da população escrava permitiu ao governo o controle de sua evolução. Ele foi feito depois da publicação da Lei do Ventre Livre de 1871, talvez como forma de controle da obediência à Lei editada. A tendência passou a ser sua diminuição, o que foi acentuada pela Lei do Sexagenário, em 1884. Naquele ano ela era de 1.240.806 escravos e, em 1887, de 723.419.  Em 1888 veio a Lei Áurea que terminou com a escravidão no Brasil. Somente a partir do censo de 1872 pode-se conhecer mais precisamente a população escrava e sua localização no território nacional. Os dados anteriores a ele foram estimados.

Esse censo revela que houve no Brasil dois processos principais em sua formação como nação. Uma era destinado à exportação, e utilizava o trabalho escravo. 15% da população em1872, mais um pequeno número de proprietários, de terras e de escravos, e seus serviçais não escravos, não identificados no censo como tais. Outra parte da população, mais de 80%, exercia uma série de atividades voltadas para seu sustento e o desenvolvimento do país. Essa dicotomia formou, na verdade, duas nações dentro do Brasil, que até agora sustentam duas visões sobre o nosso país e sobre si mesmas. A visão do patriciado, com destaque para os proprietários, que identificamos para efeito de nossa análise de “barões do café”, era, e continua sendo, a de dar prioridade para seus próprios negócios. Eles desconsideravam o desenvolvimento da nação como um todo. O segundo grupo, majoritário, não tinha definições muito precisas de seus interesses além da sua sobrevivência, mas eram tocados pelas ideias liberais, que tinham uma representação minoritária nos centros de poder. Vejamos como esse processo se desenrolou, através de alguns eventos históricos localizados, dentro do processo civilizatório do país.

Com o crescimento da cafeicultura ocorreu uma migração acentuada da população escrava que indica a movimentação do cultivo dos principais produtos de exportação: do café, em ampla expansão; do açúcar que cedia posições ao café; e do ouro que se tornou uma atividade menor, depois do esgotamento dos seus depósitos aluviais. Estima-se que em 1864 as maiores concentrações de escravos eram, na província do Rio de Janeiro, 300.000: em Pernambuco, 260.000: em Minas Gerais, 250.000; na Corte (cidade do Rio de Janeiro), 100.000; e em São Paulo, 80.000. Em 1884, a população escrava cresceu em Minas Gerais para 321.125, e a de São Paulo para 167.493. Já no Rio de Janeiro ela caiu ligeiramente, para 258.238. Em Pernambuco ela despencou de 260.000 para 72.709. O mesmo se dá na Corte, que de 100.000 passa para 32.103. É bom observar que os números de 1864 são estimados, enquanto os de 1884 provêm do censo demográfico. Essas migrações indicam o crescimento do plantio de café, especialmente em São Paulo, e a redução da atividade canavieira em Pernambuco e Rio de Janeiro, onde também cresce o plantio de café, além da redução do número de escravos domésticos na Corte, devido ao custo elevado dos escravos depois da proibição de seu tráfico e às pressões do movimento abolicionista.

Nos últimos anos do Império os barões do café já dominava a política do país, devido seu poder econômico e como principal arrecadador de moedas estrangeiras. Eles estabeleceram fortes ligações internacionais, principalmente com a Inglaterra, naquela época, e depois com os Estados Unidos, grande importador de café. Sem a escravidão, o Império já não servia aos interesses do baronato, que aderiu ao movimento republicano, assumindo o poder logo depois dos militares deporem o Imperador. Esse poder político durou até 1930, período conhecido como a República Velha, ou do Café com Leite, esse nome originário de um acordo político para alternância no poder de presidentes paulistas e mineiros, sendo todos cafeicultores.

A República Velha teve uma política voltada exclusivamente para os interesses dos barões do café e dos seus aliados do patriciado. No final do Império já existia no Brasil uma burguesia industrial nascente, que junto com uma pequena burguesia comercial, artesãos e populares formavam o Partido Liberal. Mas o domínio da política era do Partido Conservador, do patriciado, formado por proprietários de terras e de escravos, exportadores, importadores, banqueiros, altos funcionários e advogados, e uma casta de antigos e de novos nobres. No próximo artigo falaremos sobre a República Velha.

Rio de Janeiro, 27/10/2016

Comente você também

Name (necessário)

Email (não será exibido) (necessário)




05, maio 2022 11:36

Bienal do Livro Rio 2021

13, novembro 2021 12:56

Mini Primavera dos Livros 2021

09, agosto 2021 12:10

Editora Mourthé na FLI BH 2021 - 4a Edição