Arquivos de janeiro, 2017

31, janeiro 2017 12:22
Por admin

Neoliberalismo, a rota do suicídio.

 

Arnaldo Mourthé

             Em 1947 o teórico Friedrich Hayek reuniu os mais notáveis inimigos do New Deal e do Estado de bem-estar social, na pequena e aprazível localidade de Mont Pèlerin, à margem norte do lago Leman, na Suíça. Ali se formou uma sociedade ideológica para trabalhar pelos ideais do liberalismo, fundamentado sobre a mais absoluta liberdade do uso e da circulação do capital, em detrimento da liberdade do homem e de seus direitos duramente conquistados ao longo dos milênios (124). A cada dois anos os membros dessa sociedade reuniam-se para analisar a conjuntura mundial e formular sua teoria do deus-moeda, que a partir de 1990 ficou conhecida como pensamento único.

Até 1973, quando ocorreu a guerra do Yom Kippur, a sociedade de Mont Pèlerin apenas conspirava contra o avanço do humanismo, como uma dedicada irmandade de inconformados contra as conquistas sociais dos trabalhadores. Naquele momento eles ganharam uma notoriedade inesperada. A Opep aumentou o preço do barril de petróleo de 2,90 para 11,65 dólares, ou quatro vezes (121). O impacto sobre a economia mundial foi brutal, agora chamado de crise de 1974/75. As empresas acostumadas à energia farta e barata tiveram que rever seus parâmetros operacionais. Foram estabelecidos novos conceitos de planejamento e organização empresarial, com uma visão estratégica de um mundo em mutação, à semelhança do planejamento militar, descrito por Karl von Clausewitz em seu livro Da guerra. Foram adotadas novas tecnologias mais adequadas aos novos tempos, reduzindo-se o consumo de combustíveis. As descobertas científicas e inventos engavetados, à espera do desgaste das plantas industriais em operação, vieram à tona. Foi uma revolução nos campos dos novos materiais, da informática e das comunicações.

Nesse quadro, a sociedade de Mont Pèlerin introduziu suas teses, de forma meticulosa, nas instituições financeiras e grandes corporações, nos organismos internacionais, nas universidades e centros de pesquisa, em especial na pós-graduação de economistas, e na grande mídia. A partir daí, passaram aos governos da Inglaterra, de Thatcher, e dos EUA, de Reagan. Em cada uma dessas instituições, seu ultraliberalismo foi inoculado, para desenvolver o modus faciendi e as tecnologias necessárias para implantar a nova doutrina da supremacia do dinheiro sobre tudo o mais, inclusive sobre a ética e os valores morais e religiosos, em especial sobre o trabalho e a dignidade do trabalhador. Em outras palavras, a sociedade de Mont Pèlerin reciclou a ideologia liberal, retornando à sua origem, à liberdade irresponsável do capitalista, inspirada em Mandeville e sugerida por Adam Smith, em detrimento de tudo o mais.

No interesse dos grandes capitalistas, o pensamento único foi inoculado também nos governos dos países menos capitalizados, por eles apelidados de em desenvolvimento, como se o capital fosse o único parâmetro de avaliação dos povos; ou de emergentes, como se esses países emergissem do submundo. Para essa inoculação usaram a corrupção, as influências políticas e culturais dos países mais capitalizados e a força de suas armas. A coação e a corrupção foram os meios para o convencimento da “necessidade” de reformas nas suas leis. Retiraram-se direitos dos trabalhadores e cidadãos em geral, reduziu-se o aparelho de Estado, abriram-se as fronteiras ao capital estrangeiro e a suas mercadorias, e foi manietado o poder do Estado no controle da economia, em especial sobre as finanças privadas. Para isso era preciso grandes mudanças políticas. A propaganda insidiosa se encarregou de difundir seus sofismas para a população, num processo de alienação sem precedentes.

As ditaduras militares, tão úteis aos interesses do capital estrangeiro internado nos países periféricos, já não atendiam à liberdade do capital, seja pelo descrédito delas junto à população, seja por haver em muitos militares o sentimento de patriotismo e o respeito à soberania nacional. Era preciso substituí-las pela ditadura do capital financeiro. Instituiu-se uma democracia de fachada, que dá ao dinheiro a supremacia no processo eleitoral. A corrupção sistemática nos centros de poder garantiu a submissão de autoridades. O controle da mídia pelas verbas de publicidade orientou seu uso para a desinformação da população e a imposição do pensamento único, como se a ele não houvesse alternativa. “There is no alternative”, dizia Margareth Thatcher (31). Instituiu-se a falsidade como norma de comunicação, nos termos da propaganda repetitiva de Goebbels: uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Os dogmas do capital financeiro tornaram-se “verdades”. As mentes foram cobertas pelo véu da obscuridade, uma alienação que só a realidade da crise capitalista começa a desfazer. Foi possível, assim, quebrar a soberania dos países e a autoconfiança dos povos.

A luta do povo brasileiro, que conquistou a democracia e a Constituição cidadã, como a chamou Ulysses Guimarães, esbarrou nos interesses do capital financeiro que manipula o poder. A publicidade enganosa e a corrupção presidiram as reformas da Constituição, degradando as instituições e os serviços públicos, e reduzindo direitos dos cidadãos. Como consequência da política neoliberal, temos no país um desastre social. A corrupção generalizou-se, o aparelho de Estado enfraqueceu, pioraram os serviços públicos, com escolas e hospitais abaixo da crítica, a infraestrutura de transporte foi degradada e, em parte, privatizada. O Estado endividou-se sob a alegação do combate à inflação, passando a pagar juros altíssimos, manipulados pelos próprios banqueiros.

No ano de 2010 eles foram de 195 bilhões de reais. A participação do capital estrangeiro na indústria saltou de 25% para 70% em apenas duas décadas. Esta situação se agrava rapidamente. O orçamento da União  para 2017 prevê uma despesa e 339,1 bilhões de reais com juros e encargos da dívida pública, enquanto para o pessoal ativo e passivo são destinados 284 bilhões. Como então pagar a dívida com economia nas despesas com o funcionalismo, se o total da folha de pessoal não é suficiente nem para pagar os juros anuais? Alem disso a arrecadação não é suficiente para a despesa com os juros, obrigando o orçamento a prever um déficit de 139 bilhões de reais, que será coberto por emissão de mais títulos públicos, aumentando a dívida e os juros a pagar. A intenção é alienar o patrimônio nacional para continuar a pagar os juros, entregando definitivamente a nação o controle da nação aos vampiros do capital financeiro internacional.

Os problemas ambientais tornaram-se mais graves. Aumentaram a concentração de riqueza e a violência. A solidariedade e a cooperação no trabalho cederam lugar à competição desleal e às animosidades. É nesse quadro que vicejam as conspirações contra os direitos do cidadão à escola e à medicina gratuitas, ao salário digno e à organização sindical independente para defender os trabalhadores. Os partidos políticos perdem suas doutrinas, bandeiras e programas, para tornarem-se associações de interesses particulares dos seus dirigentes e atender governos dóceis aos grandes investidores.

Esse processo se dá em quase todo o mundo, numa operação gigantesca de dominação dos países. Os grandes capitalistas entregaram-se à prática de negócios escusos, tráfico de influência, corrupção e especulação, que vieram à tona na grave crise de 2008, que até hoje desmantela países, mesmo europeus, como Islândia, Grécia, Espanha, Itália e Portugal. A Islândia foi à bancarrota, mas saiu da crise intervindo nos bancos e prendendo banqueiros. Os outros patinam no impasse das dívidas impagáveis. Não há mais como esconder o desastre que esse processo neoliberal está sendo para a humanidade. Sua política do dinheiro sem lastro, como paradigma de valor, é uma brutal subversão da verdade econômica e atinge os princípios humanistas dos direitos do homem e do cidadão.

O mais incrível é a passividade com que as pessoas veem esse quadro de ignomínias. A gravidade da situação gerada nos convence de que é preciso resistir. Até os governantes europeus se vergam aos interesses dos investidores em títulos públicos. Poucos são os homens lúcidos no meio de tanta perplexidade e desorientação. Um desses é o ex-presidente português Mário Soares. Ele fez uma feliz e precisa afirmação em entrevista ao jornal O Globo, publicada em 4 de novembro de 2011:

 

O que é extraordinário é que os dirigentes políticos atuais, aqueles que mandam ou julgam que mandam, como é o caso da senhora Merkel e do senhor Sarkozy, não mandam. Quem efetivamente manda hoje são os mercados, e não os Estados.

Rio de Janeiro, 23/12/2016.

 

 

12:17
Por admin

Plano Real, inflação e neoliberalismo

Arnaldo Mourthé

Assumiu o governo o vice-presidente Itamar Franco, que buscou encontrar fórmulas para conciliar os ânimos e frear a inflação. Para isso valeu-se de sua capacidade de negociação e esforçou-se para elaborar um plano de estabilização monetária. No seu primeiro ano de governo, 1993, a inflação subiu para 2.708%. Caso ela não fosse detida, seu governo teria um fim trágico como o anterior. Ele mobilizou uma equipe de economistas que montou um processo engenhoso de manter duas moedas, o cruzeiro real, de circulação corrente, que se desvalorizava a cada dia e outra estável, a Unidade Real de Valor (URV), amarrada ao dólar americano, moeda bastante estável na época. Tornou-se obrigatória a menção das duas moedas em todas as transações econômicas. Essa experiência começou em 1º./2/1994. Nos cinco meses que se seguiram, enquanto o cruzeiro real se desvalorizava a taxas mensais superiores a 40%, a URV permanecia estável. Em 1° de julho de 1994, foi lançado o real (R$), que substituiu a URV, eliminando-se o cruzeiro real (CR$), que foi convertido pela relação CR$2.750,00 = R$1,00. O Plano Real alcançou seu objetivo. A inflação caiu para 5,47% em julho, 3,34% em agosto, 1,55% em setembro, mantendo-se baixa. As taxas anuais foram de 909% em 1994, de 14,7% em 1995 e de 9,3% em 1996 (133).

Vencido o grande desafio da inflação, Itamar Franco aumentou seu prestígio, o que lhe permitiu escolher e eleger seu candidato a presidente, Fernando Henrique Cardoso. Este havia sido ministro da Fazenda no lançamento do Plano Real. Mas o novo presidente iria tomar medidas que lhe foram impostas por pressão externa, no quadro da nova política econômica mundial do capital financeiro, conhecida por globalização, mas que é de fato um projeto liberal de dominação do mundo pelos grandes conglomerados financeiros. Revelada sua face intervencionista e dominadora, essa política ganhou o nome de neoliberalismo.

            Fernando Henrique privatizou empresas estatais, serviços públicos e bancos pertencentes aos estados; fez uma abertura comercial ao capital estrangeiro sem precedentes; coagiu as administrações estaduais e municipais a reduzir o funcionalismo, através da Lei de Responsabilidade Fiscal. Favoreceu assim a privatização dos serviços, ou sua terceirização; transferiu, para o Tesouro Nacional, as dívidas em moeda estrangeira dos estados e municípios, tornando a União a grande credora dessas administrações, aumentando seu poder coercitivo sobre elas; investiu contra a Previdência Social e tentou alterações da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, gerando uma queda de braço com os sindicatos e organizações civis. Sua política econômica amarrou o Brasil às finanças internacionais e favoreceu a desnacionalização da nossa economia, especialmente da nossa indústria, que hoje é controlada em mais de 70% pelo capital estrangeiro, contra 25%, do tempo da ditadura militar. Para fazer todo esse estrago, travou uma grande batalha no Congresso, que deu margem a graves denúncias de compra de votos de parlamentares para suas reformas constitucionais.

Houve de parte da elite econômica brasileira, representada pelo presidente da República, uma renúncia a um projeto nacional de desenvolvimento, que vem a ser o mesmo que renunciar a continuar a construir a história do Brasil. Podemos afirmar que, com FHC, começou o tempo da não história para as elites brasileiras, ou da anti-história. Tudo que se construiu em matéria de história a partir dele deve-se aos núcleos de resistência à sua política econômica. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, seguiu o mesmo caminho seu nessa matéria, aprofundando nossa dependência e renunciando também a fazer a grande história. Satisfez-se com políticas compensatórias das injustiças sociais, estas mantidas por sua política econômica. Diante desse quadro, não faz sentido continuar nossa análise da história do Brasil. As consequências dessa capitulação do governo brasileiro diante do capital internacional serão analisadas à luz de informações mais abrangentes e mais precisas sobre a história, a metamorfose do capitalismo e as leis que a regem.

A política econômica de FHC foi totalmente inspirada nos conceitos neoliberais, chamados por uma corrente de economistas como o tripé: estabilização, desregulação e privatização (31), a política do Estado mínimo, o desrespeito aos princípios republicanos, especialmente à cidadania. Essa questão será tratada nos últimos capítulos deste livro. Podemos dizer que passamos a viver, a partir de FHC, um tempo de letargia submissa do governo brasileiro. O que levou as autoridades a essa política, só mesmo elas, ou seus mentores e auxiliares, poderão explicar. Mas dificilmente o farão. Entretanto, todos eles devem ao povo brasileiro essa informação.

Rio de Janeiro, 22/12/2016

25, janeiro 2017 12:46
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A nova Constituição e o fiasco de Collor

Arnaldo Mourthé

 Em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição, que Ulysses Guimarães chamou de Constituição cidadã, uma onda de esperança varre o país. Mas a Constituição seria sabotada, seja pela protelação da aprovação das leis complementares necessárias à sua aplicação, seja por reformas. Houve uma dilaceração da Constituição no que diz respeito à regulação do capital. Por iniciativa de Fernando Henrique Cardoso, em alguns aspectos, o capital passou a ter mais liberdade no Brasil que o ser humano. Mas antes passemos os olhos pelos fatos que nos levaram até esse ponto.

Em 1989 teríamos as tão reclamadas eleições diretas para a Presidência da República. Os principais partidos lançaram seus candidatos esperançosos. Mas haveria uma zebra no seu caminho, Fernando Collor de Mello, candidato do recém-criado e inexpressivo PJ – Partido da Juventude. Como esse jovem, com sua natural arrogância oligarca, pôde empolgar o eleitorado brasileiro? Collor era governador de Alagoas, filho de família aristocrata, tendo sido seu avô materno ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Mas não foi nada disso que fez dele um candidato forte. Na eleição municipal de 1988, as pesquisas de intenção de voto para presidente, que ajudariam a analisar as tendências do eleitorado, já apontavam uma preferência para ele de 6% a 8% do eleitorado do Rio, que não o conhecia. O descalabro do governo Sarney havia gerado a desesperança na população. Foi nesse quadro que prosperou o moralismo de Collor. Ele fora dirigente das Organizações Arnon de Mello, um conglomerado de empresas de comunicação fundado por seu pai e propriedade de sua família, que contava com uma emissora de televisão afiliada da Rede Globo. Usando esse instrumento, ele lançou uma campanha nacional em torno de seu nome, a partir de um mote, o caçador de marajás, aquele que perseguia os funcionários que ganhavam salários acima do padrão. Além da ligação corporativa com as Organizações Globo, seu pai, Arnon de Mello, fora amigo de Roberto Marinho. Este viu em Collor um trunfo eleitoral.

Havia dois candidatos a abater naquelas eleições, nos critérios da elite econômica brasileira e seus acólitos, Brizola e Lula. Este por ser líder sindical, presidente do PT, uma incógnita perigosa. Ele fora eleito deputado por São Paulo com mais de 500 mil votos. Brizola era ainda mais temido, por suas conhecidas posições políticas republicanas, nacionalistas e getulistas, e por ser fortemente vinculado às classes trabalhadoras, tudo o que a elite, especializada no arrocho salarial, não queria ver na Presidência. Os magos da mídia não tiveram mais dúvidas. Era preciso encontrar um vilão responsável pelos descalabros dos governos militares e civis, fossem federais, estaduais ou municipais. O vilão escolhido foi a figura escalafobética criada por Collor para alcançar o poder, o marajá. Uma maquinação para travestir em vilão o funcionário público formal e competente vindo dos tempos de Getúlio Vargas. Essa imagem foi colada no funcionalismo como um todo, minando a defesa do trabalho e do trabalhador, que seriam os motes de campanha dos candidatos populares, ou de esquerda, Brizola e Lula. Parecia que os problemas do Brasil se resumiam aos marajás, um grupo de serviçais e cúmplices das oligarquias políticas, cuja imagem foi transferida diabolicamente para o servidor público.

A estratégia funcionou com uma campanha maciça da mídia, com recursos das elites financeiras e empresariais e do capital estrangeiro. Collor foi eleito, não sem contestação em relação à lisura da apuração no primeiro turno, especialmente na computação dos votos de Minas Gerais. Mas foi o mais votado no primeiro turno, e no segundo venceu Lula, que havia obtido apenas 400 mil votos a mais que Brizola. O governo de Collor foi mais escalafobético que a figura do marajá saída da mesma cepa. Ele demitiu mais de 300 mil funcionários, alguns imprescindíveis, inviabilizando serviços essenciais, como a previsão do tempo, e lançou um plano econômico mirabolante, o Plano Collor.

Esse plano congelou por dezoito meses os depósitos bancários, em contas correntes, cadernetas de poupança e overnight, que excediam a cinquenta mil cruzados novos; trocou a moeda para Cruzeiro; criou o IOF, Imposto sobre Operações Financeiras; congelou preços e salários; eliminou vários incentivos fiscais; liberou o câmbio e incentivou a abertura da economia para o capital estrangeiro; órgãos do governo foram extintos, alguns indispensáveis.

Com a brutal redução da moeda em circulação, os preços caíram. A taxa de inflação, que em março foi de 81,32%, caiu para 11,33% em abril e 9,07% em maio, estabilizando-se por poucos meses, mas voltando a crescer. Sua evolução foi de 1.782%, em 1989, para 1.476%, em 1990, 480%, em 1991, 1.157%, em 1992. Collor havia fracassado na sua tentativa de debelar a inflação. Mas, para ele, o pior foi a perda do apoio da classe média, que teve suas economias minguadas a partir de sua aventura monetarista. O confisco dos depósitos bancários gerou grande indignação na população. Muitos tiveram grandes prejuízos, pela paralisação de operações de compra e venda, especialmente de imóveis. Quem vendeu na véspera do confisco para comprar algo logo depois, ficou sem meio para fazê-lo. Os prejuízos e desfazimentos de contratos atingiram pessoas físicas e jurídicas. Havia uma grande mágoa contra ele na população formadora de opinião, contida pelas circunstâncias.

Mas um conflito comercial entre Pedro Collor e Paulo César Farias, o PC, o primeiro irmão do presidente, o segundo seu amigo e tesoureiro de campanha, tornou Collor vulnerável e a mágoa aflorou. Pedro acusou PC de desvio de dinheiro da campanha eleitoral para fins pessoais. Se a acusação era verdadeira ou não pouco importou. Quando Collor convocou a população para sair às ruas para apoiá-lo na sua alegação de conspiração, a reposta foi uma explosão de manifestações. Em vez de defendê-lo, pedia-se seu impeachment, procedimento que foi aprovado pela Câmara de Deputados em 29/9/1992. Collor foi afastado da Presidência em 2/10/1992 e renunciou ao cargo em 29/12/1992, tentando evitar seu julgamento, que mesmo assim ocorreu, produzindo a cassação de seu mandato e suspensão de direitos políticos. O caçador de marajás acabou cassado.

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

23, janeiro 2017 9:52
Por admin

O retorno à política do conchavo e da manipulação

Arnaldo Mourthé

             Tancredo certamente tinha um plano capaz de fazer aquilo que prometeu nos seus comícios e confirmou no discurso de posse, lido por Sarney: restaurar a República e não pagar a dívida externa com a fome do povo. Sarney não era um republicano na sua essência. Era um quadro de primeira linha do staff político da ditadura militar. Ele trabalhara por muitos anos sob a tutela militar, fazendo suas vontades e viabilizando no Congresso uma estabilidade que servia ao governo. Não iria formular uma política de restauração republicana e de justiça social. No primeiro ano ele foi um simples administrador, voltado para os interesses políticos eleitorais, sua especialidade. A crise de 1981, que fez cair o PIB, havia passado. O PIB voltara a crescer em 5,7% no ano de 1984 e no ano seguinte mais 8,3%. Nesse aspecto Sarney sentiu-se confortável, mas nenhuma medida havia sido tomada para atender à expectativa de mudanças.

A inflação continuava corroendo os salários e dificultando a vida das pessoas sem que o governo se ocupasse com ela. Em 1984 ela acumulou 224%, em 1985 subiu para 235%. A população estava insatisfeita e o governo se desgastava. O ano de 1986 começou com um salto na inflação, de 13,2% em dezembro para 17,8% em janeiro. O alarme político soou no Planalto, pois os planos de Sarney de aumentar seu mandato em um ano e de levar o PMDB à vitória eleitoral naquele ano estavam ameaçados. O presidente mobilizou uma equipe de economistas para encontrarem uma saída. O resultado foi o Plano Sarney. A motivação maior deste ficou evidente com a observação do jornalista Carlos Castelo Branco na coluna diária no Jornal do Brasil de 28/2/86:

 

A partir de hoje, o tamanho do mandato do presidente Sarney estará definitivamente atado aos efeitos que produzirá o pacote de medidas econômicas a ser desembrulhado em cadeia de rádio e de televisão.

 

Ele se referia ao decreto-lei n. 2.283 (Plano Sarney), de 28/2/86, que:

 

– criava uma nova moeda: o Cruzado.

– congelava preços e salários (os preços de 28/2/86 e os salários pela “média real” dos últimos seis meses, com um pequeno acréscimo chamado abono);

– transformava as ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional) em OTNs, congeladas por um ano;

– congelava as taxas de câmbio, passando o dólar a ser vendido a Cz$ 13,84;

– desindexava parcialmente a economia (as cadernetas de poupança continuavam a ser corrigidas pela inflação (IPC), não mais mensalmente, mas trimestralmente) (84).

 

Não faltaram aplausos ao plano. Houve até choro de uma famosa professora de economia, e louvações contundentes da grande imprensa. A torcida para que o plano desse certo foi enorme. Afinal a Nova República precisava dizer a que veio, para evitar um novo período de manifestações como as pela anistia e pelas Diretas Já!. Mas houve também as palavras de bom-senso de alguns economistas, jornalistas e políticos, como: Franklin de Oliveira, na revista Senhor de 11/3/86; Aloysio Biondi, em O Globo de 23/3/86; Roberto Mangabeira, no Jornal do Brasil de 16/3/86. Eu mesmo me aventurei na crítica ao plano, no meu artigo “Um engodo e duas velhacarias do decreto-lei”, no semanário O País – Nas Bancas, em 13/3/86. As sínteses desses artigos podem ser encontradas no meu livro Um desafio chamado Brasil (84).

No curto prazo, o Plano Cruzado teve êxito. A inflação que fora de 17,8% em janeiro e 14,9% em fevereiro, caiu para 5,52% em março e -0,58% em abril, seguindo-se baixa até dezembro, quando subiu para 7,56%. No plano político eleitoral, 1986 foi um ano magnífico para o governo. O PMDB fez a maioria dos governadores e suas bancadas cresceram no Congresso Nacional. O único político de expressão nacional que questionou o plano foi Brizola, então governador do Rio de Janeiro. Pagou o preço de ver o candidato à sua sucessão, Darcy Ribeiro, perder o governo para a euforia irresponsável. Mas o quadro mudaria rapidamente. O governo fizera um plano demagógico, com o objetivo de ganhar as eleições de 1986 e dar a Sarney mais um ano de governo, quando Tancredo havia prometido solenemente um governo de quatro anos.

O endividamento do país para investir em projetos megalomaníacos, causa da crise, não foi considerado. As divisas internadas eram compradas pelo governo com moeda nacional e reexportadas como pagamento de juros da dívida e transferência de lucros das multinacionais. Essa operação de compra pelo governo engrossava a massa monetária em circulação, gerando inflação. Esse processo ainda continua, com a entrada de capitais para comprar patrimônios no Brasil e especular no mercado financeiro.

A tentativa de conter os preços por decreto não considerou que os preços agrícolas flutuam com a sazonalidade, nem a eventualidade de eles serem promocionais. Além disso, foi uma solução impositiva, sem qualquer diálogo. As primeiras reações da indústria e do comércio foram respondidas por Sarney com um apelo à população para fiscalizá-los, denunciando-os como praticantes de “abusos”. Os conflitos multiplicaram-se. A reação dos produtores foi reduzir o peso do produto, ou sua qualidade, para manter o preço da embalagem. A qualidade das refeições servidas nos restaurantes caiu de forma escandalosa. Foi o caos. A realidade social desmoralizou os atos do governo.

Em 1987 a inflação foi crescente, começando com 12% em janeiro e chegando a 27,6% em maio. Já em abril, Sarney muda o ministro da Fazenda, entrando Bresser Pereira. Este encontrou uma inflação acumulada nos últimos doze meses de 366%. Em 16/6/87 ele lança o Plano Bresser, de natureza monetarista, mudou o nome da moeda para Cruzado Novo. Ele buscou a redução do consumo via redução do salário, e fez a inflação cair para 9,3% em julho, 4,5% em agosto, mas que voltou a crescer. O ano de 1987 fechou com uma inflação de 415,8%. O sonho da Nova República esgotou-se com seu primeiro governo.

Bresser Pereira procurou tirar um coelho da cartola com a política dos desesperados, de vender patrimônio para pagar dívidas, assunto que voltou à pauta do governo com o fracasso do Plano Cruzado. Essa questão já havia sido mencionada pelo Jornal do Brasil de 25/6/83, em declaração do ministro Camilo Penna, referindo-se a pressões do FMI, que poderiam levar o governo a vender algumas de suas estatais, como forma de obter recursos para saldar sua dívida externa (84). O risco tornou-se maior em um governo que não tinha respaldo civil ou militar. No governo Sarney o assunto tornou-se recorrente. Diversas matérias com esse tema foram publicadas nos principais jornais do país. Na Gazeta Mercantil, em 25/9/86 e em 25/3/87; no Jornal do Brasil, em 29/5/87, 2/6/87 e 3/6/87; no O Globo, em 3/6/87 e 23/8/87. A questão toma um aspecto perigoso quando Jorge Murad, genro de Sarney, leva a público uma proposta sobre a questão, através do Jornal do Brasil de 9 de julho de 1987. Vejamos uma síntese dessa matéria, escrita por mim no mesmo ano.

 

O genro e secretário particular do Presidente, Sr. Jorge Murad, apresentou à imprensa um documento intitulado “Estratégia para o Desenvolvimento”, cuja aplicação corresponderia à submissão do Brasil aos banqueiros internacionais. Ele propõe entre outras coisas:

“- Estabelecimento de liberdade para instalação de qualquer empreendimento no país, não necessitando de licenças ou autorização do governo federal, exceto quando tais investimentos demandarem incentivos ou subsídios federais.

– Não há restrição de crédito de organismos financeiros nacionais a qualquer empreendimento que tivesse metade do controle em mãos de residentes no país.

– Liberação da dívida externa para conversão em capital de risco, estimulando suas aplicações em investimentos considerados básicos.

– Criação de um conselho no âmbito da Presidência da República que garanta o fiel cumprimento das regras explicitadas, com membros do setor.” (84)

 

Conscientemente ou não, Sarney estava ensaiando a política econômica de interesse do capitalismo internacional, no Brasil e alhures, cuja consequência seria a desnacionalização da nossa economia, como veremos em análise sobre o neoliberalismo. Mas a tentativa sobre o patrocínio do Sr. Murad fracassou. Apesar de o Congresso estar empenhado na elaboração da nova Constituição, a manifestação contrária e firme de um grupo de parlamentares, através de Projeto de Resolução, matou a iniciativa na sua origem. Na verdade, a Nova República foi uma transição entre a ditadura e a fase dos governos submetidos à política do capital financeiro internacional, que vigorariam a partir de 1995. Voltaremos a essa questão mais adiante e nos últimos capítulos deste livro.

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

11:24
Por admin

A tragédia se abate sobre a Nação

Arnaldo Mourthé

O jogo de bastidores retomou forças em um quadro político de diálogo e negociação. Os governadores do PMDB, à frente Montoro e Richa, mais Brizola, do PDT, apoiaram imediatamente a candidatura de Tancredo Neves, o nome mais adequado para ocupar a Presidência naquele momento. Por sua honestidade, por seus princípios republicanos, por sua capacidade de conciliação, sem tergiversar no essencial. A votação da Emenda mostrou que a oposição dispunha de maioria e poderia, unida, vencer a eleição.

Os governistas viram isso com maior clareza que alguns oposicionistas. Enquanto o PT tomava posição contra a candidatura de Tancredo, José Sarney, que fora presidente da Arena e do PDS, duvidou da viabilidade da candidatura de Paulo Maluf. Sem ter poderes para impedi-la, ele aderiu a uma dissidência, a Frente Liberal, sob a liderança de Aureliano Chaves, Marcos Maciel e Jorge Bornhausen. Esse grupo negociou seu apoio a Tancredo em troca da indicação de Sarney, como vice-presidente. Isso feito, Sarney se filia ao PMDB. O PDS, braço civil da ditadura militar, perderia a eleição. Porém se manteria no poder através de um grande grupo liderado por Sarney.

Tancredo era um homem capaz de buscar a democratização do país e a restauração dos princípios republicanos. Era firme e sereno na adversidade, sem perder o equilíbrio e sem fazer concessões. Mesmo assim o PT decidiu não apoiá-lo. No grande comício das Diretas Já em Belo Horizonte, um grande grupo de militantes do PT ocupou o espaço imediatamente em frente ao palanque. Quando Tancredo foi chamado para seu pronunciamento, esse grupo puxou uma vaia. Tancredo, tranquilo, ficou calado por um momento, com o microfone na mão, como um caçador aguardando o momento oportuno para a ação. Ela foi simples e incisiva. Reunindo toda a força de sua voz ele disse:

– Minas!…

Fez uma longa pausa, à espera da reação do público. Enquanto a vaia se arrefecia, ele voltou a dizer:

– Minas!…

Outra pausa.

– Minas!…

A ovação da massa ecoou no concreto armado dos prédios da avenida Afonso Pena e espalhou-se pela cidade. Seguiu-se um grande silêncio. Tancredo retomou a palavra e disse o que tinha a dizer, tendo abaixo de si, em estado de perplexidade, o grupo que ali estava para vaiá-lo, desconhecendo a diferença entre uma causa nacional, de união de todos, e seus projetos partidários menores. Tancredo foi eleito presidente da República, em 15 de janeiro de 1985, com 480 votos, contra 180 dados a Maluf. Vinte e seis deputados se abstiveram, muitos deles do PT, que, entretanto, teve três deputados que votaram em Tancredo, Beth Mendes, Airton Soares e José Eudes. Estes tiveram que deixar o PT sob ameaça de expulsão.

No dia 14 de março de 1985, véspera da sua posse, Tancredo foi hospitalizado em estado crítico. Ele não pôde comparecer à posse, mas Sarney o fez, leu o discurso que Tancredo havia escrito para a ocasião e ficou como presidente interino. Tancredo morreu no dia 21 de abril de 1985, sem tomar posse. Sarney, ex-presidente dos partidos da ditadura, Arena e PDS, tornou-se presidente da República. Mas, de qualquer maneira, a situação era outra, e a batalha política de princípios continuaria. A Assembleia Nacional Constituinte de 1986 seria o fórum que definiria que sociedade os brasileiros queriam. Mas antes dela ser eleita, Sarney e sua equipe fariam algumas proezas. Felizmente havia um Congresso mais independente.

 

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

19, janeiro 2017 3:52
Por admin

O governo dos banqueiros fracassou

Arnaldo Mourthé

            O caos está explicito nos noticiários da mídia e dos jornais. Nem mesmo se consegue manter a ordem nos presídios, local onde o Estado deveria manter os criminosos ou suspeitos de crimes sob sua custódia. Mas não é isso que está acontecendo. Há revoltas, fugas e mortes por toda parte. Grandes contingentes policiais foram mobilizados, incluindo a guarda nacional para restabelecer a ordem. Até as forças armadas são cogitadas a ajudar a polícia nas ações de inteligência e desarmamento das prisões. Isso mesmo, as facções criminosas armaram seus “soldados do tráfico”, para afrontar suas rivais. As drogas, aparelhos eletrônicos e toda sorte de parafernália, existem ali em profusão. De lá, os líderes comandam seus seguidores para a realização de operações criminosas, inclusive assassinatos. Autoridades são corrompidas para obtenção de privilégios, mesmo a prisão domiciliar, obtida por laudos falsos. Todo o processo alimentado pela corrupção com o dinheiro do tráfico de drogas e de armas.

O mais escandaloso é constatarmos uma mobilização maciça de policiais para atender à crise dos presídios superlotados e mal administrados, inclusive por concessão a empresas privadas, enquanto em vários estados assistimos à paralisação da polícia, em greve por ter seus salários atrasados. De outro lado, encontram-se os mais de 12 milhões de desempregados, sem esperança de outro emprego a curto prazo, enquanto os jovens ansiosos por entrarem no mercado de trabalho se frustram, matando em muitos deles a esperança.

Escolas são fechadas ou funcionam precariamente por falta de verbas. Doentes morrem nas filas dos hospitais, os serviços públicos em geral se degradam. Muitas estradas estão em condições deploráveis, até mesmo aquelas fundamentais para o transporte de alimentos para as cidades ou para a exportação. Entidades públicas são fechadas, especialmente nas áreas de cultura, assistência social e proteção ambiental. Nem mesmo o combate aos mosquitos transmissores de doenças escapa à má sorte da degradação do serviço público. Além das ameaças da dengue, da zika e da chicungunha, agora retorna a febre amarela, que horroriza os habitantes do vale do Jequitinhonha e da Zona da Mata, em Minas Gerais. Paramos por aqui, porque não faltam mazelas e tragédias a serem contadas.

O pior é que tudo isso não é uma condição transitória, pois não há perspectiva de dias melhores tão cedo, a partir das supostas soluções que o governo e seus apoiadores anunciam. A perplexidade se generaliza e, mais que isso, se transforma em ansiedade e bole com os nervos das pessoas. Há registros de aumento dos surtos psicóticos e de suicídios, que atingem as pessoas mais sensíveis ou com predisposição para esses fenômenos. Mas como isso pôde acontecer?

Nós temos insistido na inviabilidade da política econômica do governo, de sacrificar a sociedade em benefício dos banqueiros e dos grandes investidores, principalmente internacionais. Não há possibilidade de despender 45% do orçamento da União com juros da dívida pública. Nós somos um país pobre, onde existe uma “elite” que posa de rica, à custa da miséria da população, mas isso é um assunto que não cansamos de enfocar nas nossas manifestações por escritas ou verbais. Vamos ao concreto.

O orçamento da União para 2017, elaborado já no meio do caos mencionado acima, prevê para pagamentos de juros da dívida pública a bagatela de 339,1 bilhões de reais. Mas a arrecadação prevista não é suficiente para isso. Assim foi previsto um déficit de 139 bilhões de reais. Mas como cobrir esse déficit? Emitindo novos títulos da dívida pública, ampliando a própria dívida. Mas para isso é preciso que alguém compre os títulos. Quem o fará? Em que condições o fará?

A resposta foi dada pelo próprio ministro da Fazenda, Henrique Meireles,, em entrevista esta semana para a Rede Globo, diretamente da Davos, onde se reúnem os homens mais ricos do mundo, em sua reunião mundial para se porem de acordo de como continuar sua espoliação do mundo. A própria repórter mostrou a imagem de Bill Gates, com o comentário que os oito homens mais ricos do mundo, dentre os quais ele se encontra, têm uma fortuna igual à da metade da população mais pobre do planeta. Alguém poderá dizer: mas como esses são fenomenais! Mas esse deve ter esquecido os 3,5 bilhões de seres humanos mergulhados na miséria para que eles possam exibir tamanha fortuna. Pois são eles, os bilionários, os principais beneficiários dos 339,1 bilhões de reais que o governo dos senhores Meireles e Michel Temer lhes oferece de bandeja. Meireles assegurou à repórter que o entrevistou que os participantes da reunião, Bill Gates et caterva, aceitaram muito bem as explicações dele, Meireles, do programa de governo “para sair da crise”, nas suas palavras. Ele mostrou na sua entrevista, de que lado está. Não é certamente do lado do sofrido povo brasileiro.

Vivemos em um país sem governo, pelo menos no conceito que temos de governo, aquele órgão composto de cidadãos que representam outros cidadãos para defender seus interesses e buscar soluções justas nas divergências internas entre cidadãos ou setores da sociedade. Esse governo não existe no Brasil. O que temos aí é um governo dos banqueiros e dos bilionários investidos internacionais, aos quais o senhor Meireles serve.  Outra coisa não se poderia esperar do aluno exemplar do BankBoston, ao qual ele serviu a vida inteira. Ele foi a Davos prestar contas do serviço que ele desenvolve no Brasil para submeter no país ao capital financeiro internacional. Vamos permitir que isso aconteça? Ou divulgar esses fatos e criar uma consciência nacional para barrar essa traição que estão cometendo contra nossa PÁTRIA.

Rio de Janeiro, 15/01/2017

16, janeiro 2017 11:56
Por admin

O retorno à democracia burguesa dependente

                                                                                                                                                                                                                         Arnaldo Mourthé

O retorno à democracia foi uma grande conquista. Depois da volta dos exilados criou-se um clima de otimismo no país, que a recessão econômica, de 1981 a 1983, e a continuidade teimosa e nociva da política econômica da ditadura não arrefeceram. A edição da nova lei eleitoral, que permitia o pluripartidarismo e retomava a eleição direta para governadores foi o suficiente para mobilizar a vontade política de mudanças. Eleitos os novos governadores, em 1982, quase toda a atenção da oposição voltou-se para a administração dos estados e prefeituras. O clima de liberdade ampliou-se. Com as autoridades eleitas, algumas delas ex exilados, cresceram os sonhos mais generosos daqueles que esperaram 20 anos por seus direitos políticos e viver como cidadão no seu país. Mas isso era, e continua sendo, em parte, utopia. Vejamos por que, voltando à história.

O governo estadual que despertou maior interesse naqueles dias foi o de Brizola. Ele apresentou ideias renovadoras e grande entusiasmo na busca de soluções objetivas para atender às necessidades da população. A grande ênfase foi dada à educação, com o Programa Especial de Educação dirigido por Darcy Ribeiro. Ele criou o Ciep, uma escola inspirada na Escola Parque, de Anísio Teixeira, porém mais completa, porque anexou atividades extracurriculares à escola convencional, com grande ênfase na reciclagem de professores, para a assimilação do conceito mais amplo de uma escola voltada para a formação de cidadãos. Mas o governo fez muito mais. Buscou soluções inovadoras para melhorar a administração e atender às necessidades básicas da população. As obras de drenagem, de esgoto e de captação e fornecimento d’água cresceram expressivamente, e a decisão do que fazer levou em conta as aspirações dominantes nas comunidades.

Esse esforço alcançou as favelas que passavam a contar com distribuição de água a domicílio, esgoto sanitário e coleta de lixo regular. Programas de reflorestamento foram desenvolvidos para recuperar a floresta da Tijuca e o entorno das favelas. Foram criadas inúmeras áreas de preservação ambiental e reservas biológicas. Foi implantado o primeiro programa de Educação Ambiental na Escola. Em um só mandato, a Administração do município do Rio de Janeiro fez tantas obras de contenção de encostas quantas todas já construídas até então.

A merenda escolar foi multiplicada por dois, em quantidade, com o mesmo dinheiro, enquanto a qualidade melhorou. Aproveitou-se esse programa para desenvolver a pecuária leiteira do estado, comprando grande parte da sua produção. E não podemos nos esquecer do Sambódromo, uma obra que saiu da prancheta de Oscar Niemeyer, como o Ciep, que deu ao samba sua dignidade merecida, ao preço das montagens e desmontagens de arquibancadas em apenas três carnavais, outra contribuição do genial Darcy Ribeiro. Na sua segunda administração, Brizola construiu a Linha Vermelha e equacionou a dívida do Metrô, convencendo a União a converter seus créditos na empresa em participação acionária, o mesmo fazendo o Estado, o que permitiu a retomada das obras do metrô e sua expansão. Além de tudo isso, houve outras iniciativas que ultrapassam o objetivo deste livro.

 

* * *

            Embora a eleição para governadores tivesse sido pelo voto direto, a para a Presidência continuava a ser pelo Colégio Eleitoral. O general presidente da República, que geralmente escolhia o candidato oficial, ouvidos seus pares militares, transferiu essa responsabilidade ao partido do governo, o PDS. Logo depois da posse dos governadores, começou a luta política pela indicação do candidato oficial. A oposição também iniciou um processo de consultas internas, animada pela disputa interna do PDS.

Mas havia uma forte corrente que defendia a eleição direta para a Presidência. O deputado Dante de Oliveira, logo que tomou posse em janeiro de 1983, iniciou a coleta de assinaturas para uma Emenda Constitucional (PEC n. 5), instituindo a eleição direta, e que foi apresentada à Mesa da Câmara em 2 de março. Já no dia 31 de março, era feito no recém-emancipado município de Abreu Lima, em Pernambuco, um comício em defesa da eleição direta, organizado pelo PMDB, com divulgação restrita ao estado. A partir de junho ocorreram vários comícios e passeatas pelo Brasil, a começar pelas capitais, espalhando-se pelas principais cidades do interior. A motivação estava expressa nas palavras Diretas Já! O primeiro grande comício foi em 5 de janeiro de 1984, em Curitiba, com o comparecimento de cerca de 40 mil pessoas. Dezenas de outros foram realizados, mas os de maior destaque foram: em 25 de janeiro, na praça da Sé, em São Paulo, com 300 mil pessoas; em 16 de fevereiro, uma passeata na avenida Rio Branco, entre a avenida Presidente Vargas e a Cinelândia, no Rio, mobilizou 60 mil pessoas; em 24 de fevereiro, na avenida Afonso Pena, junto à Rodoviária, em Belo Horizonte, realizou-se um comício com a presença de expressivas lideranças nacionais, com 400 mil pessoas.

Estava programada para o Rio a próxima manifestação nacional do movimento. O teste de mobilização foi uma passeata, também na avenida Rio Branco, no dia 21 de março com o comparecimento de cerca de 200 mil pessoas. O comício da Candelária, convocado para o dia 10 de abril, mobilizou fortemente a cidade. Com a presença de toda a grande liderança nacional do movimento, ele mobilizou cerca de um milhão de pessoas. O grito de liberdade, engasgado desde 1964, ecoou forte pelo Brasil e pelo mundo. Logo a seguir, no dia 16 de abril, o vale do Anhangabaú, São Paulo, acolheria a maior concentração de todos os tempos na cidade, com cerca de um milhão e meio de pessoas. Parecia decretado o fim da eleição indireta pelo Colégio Eleitoral.

Entretanto, logo depois, no dia 25 de abril de 1984, o povo brasileiro assistia pela TV, e por telões nos grandes centros urbanos, ao resultado da votação pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira. Trezentos e vinte votos eram necessários à sua aprovação, mas ela só obteve 298. Faltaram 22 votos. O governo militar ainda dispunha de poder no Congresso Nacional. Sessenta e cinco deputados votaram contra, três se abstiveram e 112 não compareceram à votação. A eleição direta não interessava às elites do país. Muitas batalhas viriam pela frente para restaurar as liberdades e os direitos que o povo brasileiro havia perdido.

 

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

14, janeiro 2017 4:34
Por admin

Anistia, a única saída honrosa para a ditadura

 

Arnaldo Mourthé

 

Em 1978 surgiram indícios da proximidade da anistia e de nossa volta ao Brasil. Eram eles: a mobilização da oposição no Brasil, o apoio dado à anistia por inúmeros partidos e veículos de comunicação europeus e o esgotamento político e do modelo econômico do governo militar. Em consulta ao meu advogado, Oswaldo Mendonça, através de familiares, ficou esclarecido que minha condenação pela 1ª Auditoria da Marinha havia prescrito. Mas era necessário requerer o pronunciamento do Superior Tribunal Militar para minha volta segura antes da Lei da Anistia. Enquanto esperava a decisão do Tribunal, iniciei minha volta. Viajei de Maputo para Roma, no primeiro dia de 1979, onde aguardaria o desfecho do processo.

Quando ocorreu, em 1979, o Encontro dos Parlamentos Europeus e Americanos, no qual havia uma delegação brasileira, Marília e eu ainda estávamos em Roma. Assistimos a uma das sessões desse Encontro, acompanhados do nosso amigo e jornalista Araújo Neto, do Jornal do Brasil, na época decano dos correspondentes estrangeiros em Roma. Ali fomos convidados para uma reunião reservada de parlamentares italianos e brasileiros que ocorreria à noite no Hotel Colonna Palace. Os italianos queriam a presença de exilados, que nós representaríamos. Nessa reunião, o senador Franco Montoro fez uma exposição sobre a questão política da anistia, na qual insistiu sobre a rigidez dos militares para que os líderes políticos Leonel Brizola, Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes não fossem anistiados. Ficou claro que os militares não queriam os líderes das correntes políticas que representavam os trabalhadores, o trabalhismo, o socialismo e o comunismo. Eles queriam uma anistia de faz de conta, sem lideranças populares fortes, para que continuassem a mandar as mesmas forças políticas, entreguistas e antidemocráticas. Os grandes líderes ficariam de fora, enquanto os que rasgaram a Constituição, os exterminadores e os torturadores seriam beneficiados. O pior é que ficou também claro que os parlamentares pensavam em aceitar essa hipótese, sempre em nome de um “êxito”.

Eu observava com preocupação o rumo da conversa, quando Marília voltou-se para Montoro e lhe perguntou:

– Vocês estão pensando que nós passamos o que passamos, inclusive quase dez anos no exílio para aceitar essa vergonha? Ou a anistia é para todos ou para ninguém!…

A intervenção foi como uma bomba. Nas entrelinhas todos entenderam. Se fosse preciso, nós passaríamos mais dez anos no exílio. O difícil seria os militares sustentarem-se no poder. Sem a anistia, como eles iriam responder por tantos desmandos e tantos crimes? A senadora socialista presente, da qual não me lembro mais o nome, pediu a palavra, dizendo que os parlamentares italianos estavam apoiando a anistia ampla, geral e irrestrita, a pedido de exilados, e que eles haviam refletido muito sobre isso. Mas se o apoio deles fosse inconveniente para os parlamentares brasileiros, eles se afastariam da questão. O clima ficou mais tenso. Os parlamentares brasileiros presentes, Montoro e Fernando Coelho, tomaram a palavra para dizer que não haviam sido bem interpretados. Aquela seria a posição dos militares, que pressionavam o Congresso a aceitar suas restrições. Apesar da hipótese de imprecisão de linguagem, por terem usado uma língua estrangeira, eles não convenceram. Mas havia uma certeza para eles, seria melhor enfrentar os militares.

 

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A Lei da Anistia de 1979 inicia oficialmente o processo de transição da ditadura para um regime democrático. Mas estávamos longe de conseguir recuperar o que fora destruído pela ditadura. As mentiras e a repressão alienaram a população. Sua memória política foi-se apagando, com a censura e a escamoteação da verdadeira história do Brasil. Havia a considerar também que aquela vitória era do povo brasileiro, mas sua liberdade seria ainda limitada. O imperialismo financeiro também era interessado na queda da ditadura. Seria mais fácil manipular um governo civil dócil, para difundir novos conceitos, quebrar resistências à desregulação do mercado e fazer vistas grossas à perda da soberania nacional, medidas necessárias à nova etapa de sua aventura da conquista do mundo. É importante observar que esse foi um fenômeno não apenas brasileiro, mas mundial.

Apesar de vinte anos de sofrimento e frustrações, sob o tacão da ditadura e do capital estrangeiro, nós, os anistiados e a maioria do povo brasileiro, tínhamos esperanças. Acreditávamos na retomada do projeto de desenvolvimento do Brasil com soberania e justiça social. Mas as elites e seus acólitos ainda dispunham de um coelho na cartola, o neoliberalismo. Poucas pessoas sabiam do significado dessa palavra no Brasil na década de 1980. As que sabiam ficaram caladas, pois, quando escrevi meu livro O capitalismo enlouqueceu, em 1998, não encontrei quase nada publicado no Brasil sobre esse assunto. O pouco que existia era incipiente. Não fossem os documentos obtidos por participantes da Semana Internacional de Iniciativas e Ações contra o AMI, Acordo Multilateral de Investimentos, ocorrida em Paris de 21 a 28 de setembro de 1998, meu livro seria muito mais pobre, por absoluta falta de informações. Mas no governo Sarney, em 1987, tentou-se aplicar medidas com base nessa política completamente desconhecida dos nossos ilustres intelectuais. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

 

Rio de Janeiro, 21/12/2016

 

12, janeiro 2017 12:19
Por admin

Ditadura IV, a verdade vem à tona

 

Arnaldo Mourthé

 

Os casos escabrosos de violência gratuita chegaram à população, através da imprensa, em alguns casos que se tornaram clamorosos. Em 25 de outubro de 1975, Wladimir Herzog, jornalista, professor e dramaturgo, diretor do departamento de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, foi convocado para um depoimento na polícia política. Ele era suspeito de ter relações com o Partido Comunista. No dia seguinte foi encontrado morto, enforcado com sua própria gravata, na cela onde estivera preso. A imprensa analisou os fatos e concluiu que ele fora assassinado, provavelmente durante a tortura a que fora submetido. O fato gerou uma enorme indignação na opinião pública. Em 16 de janeiro de 1976, o operário da empresa Metal Arte de São Paulo, Manoel Fiel Filho, preso por distribuir o jornal Folha Operária, foi morto sob tortura. Defender interesses trabalhistas era risco de vida naquele período negro da nossa história.

A Arquidiocese de São Paulo passou a atuar junto às autoridades governamentais pedindo aplicação das leis de defesa da pessoa, e dando apoio às famílias de prisioneiros e de cidadãos mortos pela repressão governamental. Naquele mesmo ano, Dom Eugênio Sales, arcebispo do Rio de Janeiro e cardeal, começou a receber e dar auxílio a refugiados dos países vizinhos, que procuravam a sobrevivência no Brasil, fugindo da Operação Condor. Ele conseguiu enviar muitos deles para fora do país, na condição de refugiados, com cobertura das Nações Unidas e até do governo dos Estados Unidos. A matéria publicada pelo jornal O Globo, de 2/3/2008, com uma longa entrevista do arcebispo, refere-se a milhares de pessoas atendidas pela Cáritas, pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Eles eram argentinos, chilenos, uruguaios e paraguaios fugitivos de ditaduras em seus países, vitimados por golpes de Estado, na Bolívia em 1964, no Uruguai e no Chile, em 1973, e na Argentina, em 1976. A do Paraguai surgira bem antes, em 1954, iniciando o reinado de 35 anos de Stroessner.

A Operação Condor foi um acordo entre as ditaduras do Cone Sul, com participação do Brasil, para coordenar suas ações repressivas contra seus opositores. Ela mostraria sua face no Brasil em 1978, quando do sequestro de Universindo Rodríguez Díaz, sua esposa Lilian Celiberti e seus dois filhos, em Porto Alegre. A operação foi descoberta por jornalistas da sucursal da revista Veja no Rio Grande do Sul que, ao chegarem ao apartamento do casal para entrevistá-lo, encontraram os dois presos por agentes. As crianças já haviam sido levadas para o Uruguai. O casal ficou preso no Brasil por cinco anos, tendo sofrido torturas na prisão. Há também a grave suspeita de que o ex-presidente João Goulart fora morto por troca de medicamentos pelos serviços secretos argentinos, em 1976. Da mesma forma há suspeição que o “acidente” que matou Juscelino Kubitschek fora provocado, assim como a morte de Carlos Lacerda não fora natural. Esses três homens públicos, apesar das divergências dos dois primeiros com Lacerda, estavam discutindo uma forma de unir forças, a Frente Ampla, para substituir a ditadura por um regime democrático.

A Operação Condor produziu uma grande chacina nos países do Cone Sul, comparável a uma guerra de porte entre nações. Por ordem crescente, foram centenas de mortes no Uruguai e no Brasil, milhares no Paraguai, no Chile e na Argentina. Nesta última, há registros de cerca de 30.000 mortes, muito mais que os números de mortes produzidas pelos terroristas atuais, que serviram de justificativa para longas e dolorosas guerras. Mas para as elites dos países onde se instalaram essas ditaduras, os latino-americanos não contam tanto quanto os europeus ou americanos do norte.

Outro fato clamoroso foi a morte da estilista Zuzu Angel Jones, em 14 de abril de 1976, em “acidente” também provocado, o que foi provado em perícia técnica e reconhecida pela Justiça brasileira. Zuzu era mãe do militante Stuart Angel Jones, preso em 14 de junho de 1971, e dado como desaparecido. Zuzu, mãe zelosa, mulher de princípios, de fibra e corajosa, buscou saber sobre o ocorrido, descobrindo que seu filho fora preso e assassinado pelos serviços de segurança do governo. Ela exigiu o corpo do filho, que os militares negavam conhecer. Estilista de talento e original, Zuzu havia conquistado muitos admiradores nos Estados Unidos, pátria de seu ex-marido, Norman Jones. Entre eles havia personalidades da política e do cinema. Ela tinha a figura de um anjo como símbolo das suas criações. Como sinal de protesto contra a violência do governo militar, seu anjo passou a ser estampado acorrentado e amordaçado. Em um desfile no consulado brasileiro de Nova York, ela usou estamparia com motivos violentos, manchas vermelhas, pássaros engaiolados e guerra. Em uma visita de Henry Kissinger ao Brasil, ela conseguiu furar a segurança e entregar a ele uma carta com informações sobre a morte de seu filho. A reação do regime militar foi mandar matá-la. O corpo de Stuart jamais foi encontrado. A vida de Zuzu foi motivo do filme Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, de extraordinária beleza e sensibilidade.

Os horrores da ditadura eram ocultados pela mordaça à imprensa, mas havia formas de comunicação entre pessoas de confiança e organizações civis, que as divulgavam. Os fatos não chegavam a ser conhecidos por grande maioria da população. Mas as pessoas mais esclarecidas sabiam o que ocorria, embora não fizessem alarde delas. Todas temiam as consequências de enfrentar o monstro que ocupava o poder. Mas isso mudou, na medida da maior conscientização das pessoas. A opinião pública internacional, as posições da Igreja Católica, e principalmente o destemor das mães dos prisioneiros e desaparecidos, induziram as pessoas mais destemidas a tomar posição. Famílias de vítimas da ditadura criaram a organização Tortura Nunca Mais, que fez história. Em 1976, um grupo de mulheres de São Paulo, lideradas por Terezinha Zerbini, advogada e mulher do general Euryale de Jesus Zerbini, publicou um manifesto a favor da anistia ampla e geral, que foi distribuído em São Paulo e enviado a pessoas de confiança em outros estados. Logo depois elas registraram em cartório o Movimento Feminino pela Anistia, que floresceu em vários estados. Sua repercussão maior foi no Rio Grande do Sul, onde a corrente republicana era vanguarda no Brasil. Em 1978 o movimento pela anistia alcançava a quase totalidade da sociedade brasileira, invadia a universidade, que se mobilizou, o mesmo ocorrendo com os sindicatos e organizações profissionais. Em fevereiro daquele ano, ele recebeu um grande impulso, a criação do Comitê Brasileiro pela Anistia, fundado por advogados de presos políticos, com apoio da OAB. Mas a reação de setores militares era ainda muito forte, enquanto muitos parlamentares vacilavam entre o poder de pressão da sociedade civil e a força física do governo.

 

Rio de janeiro, 21/12/2016

 

 

10, janeiro 2017 1:26
Por admin

Ditadura III, reprimir para gerar reação e justificar o golpe

Arnaldo Mourthé

Vimos que a ditadura não passou no teste da política econômica e na sua prática social. Mas sua ação política foi mais desastrosa ainda. Ela criou uma ruptura na nossa história, cerceando a liberdade e bloqueando o processo de formação da nossa consciência de nacionalidade. O período anterior à ditadura foi demonizado, pintado com as cores preconceituosas da ideologia engendrada para justificar a guerra fria. A repressão foi o instrumento mais usado para alcançar seus objetivos, quando não faltaram, a coação, a violência desnecessária, a tortura, a chantagem e o assassinato político. Nós vimos que a repressão dos primeiros dias da ditadura fora desproporcional à resistência ao novo regime. A população não estava satisfeita, mas os militares obtiveram um confortável apoio das camadas mais ricas da sociedade, e dos partidos que representavam os interesses dos empresários e dos proprietários de terras. A Igreja, através de seus setores mais reacionários, havia apoiado o golpe, na sua visão mesquinha do combate ao comunismo satanizado. Esses setores da sociedade levaram consigo parte significativa das classes médias no apoio à ditadura, que a imprensa alardeava ser uma revolução redentora.

As ações contra a ditadura, nos seus primeiros anos, foram praticadas por setores mais radicais da juventude e por militares punidos e perseguidos. Apesar de algumas ações armadas, esses grupos não ofereciam perigo para o poder. A mais importante dessas ações talvez tenha sido a do capitão Carlos Lamarca, ao retirar do quartel onde servia um caminhão de armas leves. Os revoltosos não tinham poder de fogo para enfrentar as forças armadas e não conseguiram o apoio necessário da população para ações mais eficazes. O crescimento da economia estava levando grande parte da classe média que se opôs ao golpe de Estado a acomodar-se, por seus bons salários e para evitar complicações com inimigo tão poderoso. Isso reduziu o espaço dos grupos de resistência nas cidades, o que os levou a agir a partir do campo. Entretanto, grupos poderosos dos quartéis e do governo viam, ou fingiam ver, inimigos por toda parte. Afinal, era preciso justificar tão brutal repressão.

Em março de 1968, militares radicais invadiram o restaurante estudantil do Calabouço para reprimir uma manifestação contra o aumento das refeições. O aspirante Aloísio Raposo, que comandava a tropa, disparou sua arma à queima-roupa contra o estudante Edson Luís de Lima Souto, de 17 anos, matando-o. No dia 2 de abril foi celebrada a missa de 7° dia em intenção a Edson Luís, na Candelária. A cavalaria da polícia investiu contra os que saíam da igreja, estudantes, populares, padres e jornalistas. Os movimentos de protesto se espalharam, tendo Edson Luís como bandeira. Numa assembleia estudantil na UFRJ foram presos 300 estudantes. A revolta ampliou-se. Para tentar contê-la as autoridades permitiram uma manifestação de estudantes na Cinelândia. Foram às ruas dezenas de milhares de pessoas, representando os setores mais dinâmicos da sociedade, estudantes, intelectuais, artistas, políticos. O ato de protesto ficou conhecido como a Marcha dos Cem Mil. A palavra de ordem abaixo a ditadura ecoou pelo centro do Rio e repercutiu por todo o país.

O ano de 1968 foi pródigo em manifestações em várias nações do mundo. Nos Estados Unidos Martin Luther King foi assassinado e grandes multidões se reuniram para protestar contra a guerra do Vietnã. Na França, manifestações estudantis multiplicaram-se contra a política repressiva do governo. A Universidade de Nanterre foi fechada depois de grandes conflitos entre estudantes e policiais. Elas ocorreram também na Espanha, Polônia, Bélgica, Itália, Alemanha ocidental. Na América Latina houve agitações no Uruguai, Argentina, Venezuela, México e Colômbia. Era um sinal do fim do Estado de Bem-Estar Social, e do agravamento da guerra fria. A euforia do pós-guerra dava lugar a uma dura luta pelo domínio econômico do mundo e de concorrência entre países, que se desdobraria no projeto neoliberal de dominação do mundo pelo capital financeiro internacional.

No Brasil, o Congresso foi contaminado pela agitação social. Pronunciamentos dos deputados Maurílio Ferreira Lima, Márcio Moreira Alves e Hermano Alves irritaram sobremodo os militares. Em 13 de dezembro de 1968, foi editado o Ato Institucional nº 5, que decretou a recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Os três deputados citados foram cassados imediatamente e a eles se seguiram mais de uma centena de outros deputados federais e ainda maior número de deputados estaduais e vereadores em diversos estados da Federação.

O AI-5 foi a ruptura dos militares com a sociedade civil. A partir daí a repressão seria muito mais dura, assim como a resistência da população contra a ditadura. A frente política, representada pelos parlamentares, envolvia um grande leque da sociedade. A ditadura que se dizia defensora da democracia e da liberdade havia deixado cair sua última máscara com o fechamento das casas legislativas. Os grupos de resistência clandestina à ditadura, impiedosamente reprimidos pela simples razão de negarem sua legitimidade e pedirem a restauração do regime democrático e de direitos sociais, foram colocados diante de um impasse. Acomodar-se a uma clandestinidade passiva ou reagir. Alguns, os mais jovens e mais radicais, optaram pela ação de guerrilha, alguns no campo, outros na cidade. Eles eram formados na sua grande maioria por estudantes, funcionários e operários, com seu natural vigor e destemor juvenil.

A gênese desses movimentos de ação armada está magistralmente relatada no livro Uma tempestade como a sua memória, a história de Maria do Carmo Brito, contada por ela mesma e pela escritora Martha Vianna (120). O livro é uma epopeia sobre os jovens colocados diante da iniquidade e submetidos aos mais brutais constrangimentos. Seus dramas, suas dúvidas, seu sentimento de responsabilidade social, sua dignidade, os levam a reagir, da forma que lhes foi possível, buscando a superação para salvar os princípios e defender os direitos nos quais acreditam. Do grupo de Maria do Carmo foram mortos seu marido, Juarez Brito, Carlos Alberto Soares e muitos outros. Os relatos recentes, publicados sobre as torturas e a tentativa de assassinato de Inês Etienne Romeu, que denunciou o médico Amílcar Lobo e a Casa da Morte de Petrópolis, mantida pela repressão militar, onde teria sido morto Carlos Alberto Soares (Beto), mostram o lado macabro da ditadura (19). Carlos Alberto mereceu uma menção especial da presidente Dilma Rousseff no seu discurso de posse.

Além do aumento da resistência política, os grupos de ação armada tornaram-se audaciosos e praticaram atos de ampla repercussão. As guerrilhas, do vale da Ribeira, em São Paulo, e do Araguaia, são exemplos dessas ações no campo. Nas cidades os atos de maior repercussão foram os sequestros de embaixadores. Do americano, em setembro de 1969, do alemão, em junho de 1970, e do suíço, entre dezembro de 1970 e janeiro de 1971. Os sequestros dos embaixadores tiveram um duplo objetivo para seus autores: liberar seus companheiros presos e divulgar a resistência interna no Brasil à ditadura. Eu assisti ao desembarque, em Argel, dos 40 presos políticos libertados em troca do embaixador alemão. Apenas as autoridades argelinas, das Nações Unidas, diplomatas brasileiros e imprensa, tiveram acesso a eles no aeroporto. A mídia internacional estava representada ali através de dezenas de enviados. Os franceses, especialmente, tinham um objetivo bem definido, seu herói da Resistência contra a ocupação nazista, Apolônio de Carvalho, elevado ao posto de coronel do Exército francês. No dia seguinte, grande parte do mundo podia conhecer a outra face do governo brasileiro de então, uma ditadura sanguinária.

Cumprido o protocolo de exames médicos e assistência psicológica, pudemos visitar os ex-prisioneiros. Eu tinha um objetivo especial, saudar minha amiga Maria do Carmo Brito. Na oportunidade conheci muitos deles. Alguns vieram a ser amigos diletos, como o capitão Altair Luchesi Campos, Fernando Gabeira, Apolônio de Carvalho e Ângelo Pezzuti. Este perderia a vida em um acidente de moto em Paris. Muitos daquele grupo viriam a ser figuras proeminentes da política e do jornalismo no Brasil, por méritos próprios e ajudados pela grande projeção internacional que tiveram a partir daquele evento. A luta armada não prosperou, nem foi decisiva no desenvolvimento do processo, mas mostrou para o mundo a natureza repressiva da ditadura e seu desgaste junto à população brasileira. A repressão tornou-se mais cruel e mais sanguinária, demonstrando a incapacidade política para buscar o diálogo com a sociedade civil e para dirigir o país. A partir do AI-5, o Brasil ainda viveria uma década de impasses e de agravamento do conflito político interno, até que o desgaste irremediável do governo e o medo de uma revanche levaram os militares mais lúcidos a buscar o caminho da anistia.

O AI-5, além de incentivar a ação de grupos armados, também ampliou a denúncia dos desmandos e da violência da ditadura. O jornalista e deputado cassado Márcio Moreira Alves foi para o Chile. Lá ele criou um boletim de notícias sobre o Brasil com o nome de Frente Brasileira de Informação. Necessitando ir para a França, país de sua esposa, ele teve a colaboração de Miguel Arraes para manter a edição do boletim a partir de Argel. Com o nome francês Front Brésilien d’Information, essa publicação ganhou corpo e era enviada regularmente a mais de novecentas personalidades formadoras de opinião de países da Europa, das Américas e de outros continentes. Ela ganhou credibilidade pela seriedade e qualidade das matérias publicadas, e passou a incomodar o governo brasileiro. Muitas de suas matérias foram publicadas em vários jornais de diversos países, com destaque para o jornal Le Monde, de Paris. O governo militar dizia haver um grupo de exilados denegrindo a imagem do Brasil no exterior. Entretanto, a questão era outra. Para a imprensa e políticos da Europa, os exilados representavam melhor o Brasil que seu governo ditatorial. A queda de braço da ditadura com a sociedade civil abrira diversas frentes de luta que minariam as forças do governo militar.

 

Rio de Janeiro, 21/12/2016.

 

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