Os novos barões do café (VI) – A crise de 1929 e a Revolução de 30


A crise de 1929 e a Revolução de 30

Arnaldo Mourthé

A crise de 1929 repercutiu por toda parte, especialmente na Europa e na América Latina. Afinal, a economia americana já era a primeira do mundo há mais de duas décadas, e coube a ela uma grande participação na reconstrução da Europa. Os efeitos da crise não foram apenas econômicos, mas também sociais e políticos. Foram acentuadas grandes contradições internas do continente, seja da sua economia, seja das relações entre as nações, que vinham tensas desde o acordo que produziu a partilha da África, na Conferência de Berlim, entre 1884 e 1885. Nesse acordo a Inglaterra e a França foram privilegiadas, em detrimento de outros países, especialmente da Alemanha e da Itália.

A situação crítica na qual se encontrava a Europa permitiu o acirramento das disputas políticas e a centralização do poder. Em 1933 ocorreu o Estado Novo em Portugal, quando Salazar tomou o poder. Em 1934 foi a vez de Hitler iniciar o processo de implantação do nazismo na Alemanha. Em 1936 iniciou a Guerra da Espanha, que só terminou em 1939, derrubando o governo Republicano, Franco contou com apoio militar do governo nazista alemão, de Hitler, e do fascista italiano, de Mussolini, no poder a partir de 1925, e de suprimentos do governo de Salazar.

O impacto da crise sobre o Brasil encontrou uma sociedade em ebulição como descrevemos no artigo anterior. Havia uma grande oposição ao sistema da República Velha, mas não uma força política organizada para enfrentá-lo. A solução do impasse ocorreu através dos governos dos Estados conduzidos pelos republicanos mais progressistas. Os setores mais avançados da população apoiaram as ações de Vargas e Antonio Carlos. Os revolucionários tiveram um enorme apoio, como acontecera na proclamação da República. A Revolução foi anunciada em 3 de outubro no Rio grande do Sul. No dia 10 de outubro Getúlio Vargas lançou seu manifesto e tomou o trem com suas tropas na direção do Rio de Janeiro. Para evitar um confronto armado, que não teria suporte social, os militares criaram uma junta governativa que depôs Washington Luís. Ela foi formada pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e pelo almirante Isaías de Noronha. Em 3 de novembro o poder foi transmitido a Getúlio Vargas, candidato derrotado e chefe da Revolução.

O governo revolucionário de Getúlio Vargas, inspirado nos princípios republicanos, concentrou-se sobre duas questões cruciais para a sociedade brasileira e seu desenvolvimento econômico, o trabalho e a educação A primeira lei trabalhista, a Lei dos Dois Terços, que protegia o trabalhador nacional contra a concorrência do estrangeiro, foi promulgada em 12 de dezembro de 1930. Logo depois, em 26 de dezembro, o governo provisório criou, por decreto, o Ministério do Trabalho. Em 19 de março de 1931 promulgou a lei dos sindicatos. Em seguida veio a Previdência Social. Os recursos do pecúlio da Previdência foram usados prioritariamente para financiar habitações para os associados, resolvendo o problema da moradia, sem os riscos da aplicação financeira e sem intermediários. A jornada de trabalho foi reduzida para oito horas em 1932. Uma emenda introduzida por empresários permitiu estender essa jornada, mas sob condições, entre as quais o pagamento de hora extra. No mesmo ano foi aprovado o Código Eleitoral que estabeleceu o voto secreto, o voto da mulher e a criação da Justiça Eleitoral. Sob a nova legislação foi feita a eleição da Assembleia Nacional Constituinte de 3 de maio de 1933.

Quanto à política de educação, Getúlio Vargas impôs aos interventores a alocação de 10% da receita dos estados na educação e exigiu dos municípios outros 15% das suas receitas próprias. Da parte do governo federal ele destinou, nos orçamento de 1931 e 1932, 5,14% ao Ministério da Educação, quase o dobro das verbas do Ministério da Agricultura, 2,84%. Em dez anos o número de escolas primárias cresceu 30%; o número de estudantes por mil habitantes, 60%; as matrículas nas escolas primárias, 75%: o total de alunos na escola primária, 150%.

A história nos mostra que Getúlio priorizou as conquistas sociais sob as quais edificaria seu projeto nacional de desenvolvimento. Ele foi precursor do Estado de bem estar social que seria adotada pelos países europeus depois da Segunda Guerra Mundial.

É interessante observar que logo depois da Revolução de 30, em 1933, Roosevelt assumiu a presidência dos Estados Unidos, em meio à catástrofe econômica da crise de 1929. Ele ficou na história por seu projeto de recuperação da economia de seu país conhecido como New Deal. O fez, inspirado pelo economista e financista inglês Maynard Keynes, que já entendia que a crise econômica, que se apresenta como retração de consumo, era produto da acumulação capitalista. Ele verificou que a única forma de contorná-la seria o investimento em não mercadorias, ou seja, em produtos que não fossem destinados ao mercado, mas que geravam mercado para comprar os produtos encalhados nas fábricas. Ele descobriu também que a forma mais eficaz de resolver esse problema é a guerra. Esta, além de criar um grande mercado de trabalho, na fabricação de produtos bélicos, que destroem outros equipamentos e a si próprios, mobilizam enormes contingentes de homens nas tropas, retirando-os do mercado de trabalho.

Para evitar a guerra, Keynes recomendava investimentos em infraestrutura, que geram emprego e não concorrem com as mercadorias. Foi o que Roosevelt fez. Mas todo o esforço de Roosevelt não foi suficiente para superar a crise. A economia americana só voltou ao seu dinamismo anterior depois que os Estados Unidos entraram na guerra. Esta chegou a consumir 36% do PNB americano. Como consequência, formou-se uma dívida pública crescente que, nos nossos dias, já ultrapassa o PIB anual dos Estados Unidos.

Getúlio foi além de Roosevelt. Ele investiu também na saúde e na educação, no desenvolvimento do ser humano. Mas sua política não agradou aos barões do café, uma elite empedernida para a qual a questão social não importava. Eles só pensavam no dinheiro e no lucro da sua aplicação, em mais dinheiro, que lhes dava conforto e poder. “O poder pelo poder”, era seu lema não revelado, afinal, dinheiro é poder. A nova política de Getúlio mostrava outra visão de mundo, a do desenvolvimento humano, em contraposição à da concentração da riqueza e de poder em uma casta social. Essa é uma questão que ainda divide a humanidade.

Inconformados com a política do governo revolucionário os barões do café conspiravam contra ele. Prepararam-se para uma contra revolução, com agitações sistemáticas, sob a alegação de que era necessária uma assembleia constituinte para elaborar uma nova constituição. Seu movimento adotou o nome de Constitucionalista. Getúlio era um político sensível e compreendeu que já era hora de criar uma nova constituição. O governo provisório já havia cumprido sua missão com sua política social, e definido um novo quadro institucional com ampliação da cidadania, a começar pelo voto secreto e seu exercício também pelas mulheres.

Em 24 de fevereiro de 1932 foi publicado o Código Eleitoral. Em maio de 1932 ele marcou a data da eleição para um ano depois. Atendeu ao reclamo dos paulistas contra os interventores nascidos em outros estados e nomeou um paulista interventor, Pedro de Toledo. Os sinais de trégua de Getúlio não foram ouvidos. Criou-se a Frente Única Paulista (FUP) para as ações de agitação. Os conspiradores chegaram a encomendar armas dos Estados Unidos, mas seu navio foi interceptado pela Marinha. A morte de quatro estudantes paulistas em confronto com a polícia, em um de seus atos de protestos, fez deles os mártires da causa dos conspiradores. Foi criada uma associação secreta com as iniciais de seus nomes, MMDC. Por São Paulo passou uma onda de agitações que mobilizou amplos setores da sociedade, inclusive participantes da Revolução de 30. Os promotores dos acontecimentos esconderam-se atrás do apoio popular. Para muitos, aquilo era mesmo um movimento revolucionário pela democracia, tendo como reivindicação central a Constituinte.

Os insurretos tinham a ilusão de que haviam convencido com seus argumentos os governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, o que não ocorreu. São Paulo, apesar de toda sua mobilização, ficou só. Ainda mais grave era sua situação. Tiveram que enfrentar as Força Pública de Minas Gerais, em batalhas que não lhes foram favoráveis. O movimento gorou, mas o projeto dos barões do café de voltar ao poder continuou, e alimenta até hoje nossa luta política. Essa questão continua sob nossa análise nos próximos artigos.

Rio de Janeira, 10/11/16

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