Os novos barões do café (XXI) – Anistia, a única saída honrosa para a ditadura


Anistia, a única saída honrosa para a ditadura

 

Arnaldo Mourthé

 

Em 1978 surgiram indícios da proximidade da anistia e de nossa volta ao Brasil. Eram eles: a mobilização da oposição no Brasil, o apoio dado à anistia por inúmeros partidos e veículos de comunicação europeus e o esgotamento político e do modelo econômico do governo militar. Em consulta ao meu advogado, Oswaldo Mendonça, através de familiares, ficou esclarecido que minha condenação pela 1ª Auditoria da Marinha havia prescrito. Mas era necessário requerer o pronunciamento do Superior Tribunal Militar para minha volta segura antes da Lei da Anistia. Enquanto esperava a decisão do Tribunal, iniciei minha volta. Viajei de Maputo para Roma, no primeiro dia de 1979, onde aguardaria o desfecho do processo.

Quando ocorreu, em 1979, o Encontro dos Parlamentos Europeus e Americanos, no qual havia uma delegação brasileira, Marília e eu ainda estávamos em Roma. Assistimos a uma das sessões desse Encontro, acompanhados do nosso amigo e jornalista Araújo Neto, do Jornal do Brasil, na época decano dos correspondentes estrangeiros em Roma. Ali fomos convidados para uma reunião reservada de parlamentares italianos e brasileiros que ocorreria à noite no Hotel Colonna Palace. Os italianos queriam a presença de exilados, que nós representaríamos. Nessa reunião, o senador Franco Montoro fez uma exposição sobre a questão política da anistia, na qual insistiu sobre a rigidez dos militares para que os líderes políticos Leonel Brizola, Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes não fossem anistiados. Ficou claro que os militares não queriam os líderes das correntes políticas que representavam os trabalhadores, o trabalhismo, o socialismo e o comunismo. Eles queriam uma anistia de faz de conta, sem lideranças populares fortes, para que continuassem a mandar as mesmas forças políticas, entreguistas e antidemocráticas. Os grandes líderes ficariam de fora, enquanto os que rasgaram a Constituição, os exterminadores e os torturadores seriam beneficiados. O pior é que ficou também claro que os parlamentares pensavam em aceitar essa hipótese, sempre em nome de um “êxito”.

Eu observava com preocupação o rumo da conversa, quando Marília voltou-se para Montoro e lhe perguntou:

– Vocês estão pensando que nós passamos o que passamos, inclusive quase dez anos no exílio para aceitar essa vergonha? Ou a anistia é para todos ou para ninguém!…

A intervenção foi como uma bomba. Nas entrelinhas todos entenderam. Se fosse preciso, nós passaríamos mais dez anos no exílio. O difícil seria os militares sustentarem-se no poder. Sem a anistia, como eles iriam responder por tantos desmandos e tantos crimes? A senadora socialista presente, da qual não me lembro mais o nome, pediu a palavra, dizendo que os parlamentares italianos estavam apoiando a anistia ampla, geral e irrestrita, a pedido de exilados, e que eles haviam refletido muito sobre isso. Mas se o apoio deles fosse inconveniente para os parlamentares brasileiros, eles se afastariam da questão. O clima ficou mais tenso. Os parlamentares brasileiros presentes, Montoro e Fernando Coelho, tomaram a palavra para dizer que não haviam sido bem interpretados. Aquela seria a posição dos militares, que pressionavam o Congresso a aceitar suas restrições. Apesar da hipótese de imprecisão de linguagem, por terem usado uma língua estrangeira, eles não convenceram. Mas havia uma certeza para eles, seria melhor enfrentar os militares.

 

* * *

 

A Lei da Anistia de 1979 inicia oficialmente o processo de transição da ditadura para um regime democrático. Mas estávamos longe de conseguir recuperar o que fora destruído pela ditadura. As mentiras e a repressão alienaram a população. Sua memória política foi-se apagando, com a censura e a escamoteação da verdadeira história do Brasil. Havia a considerar também que aquela vitória era do povo brasileiro, mas sua liberdade seria ainda limitada. O imperialismo financeiro também era interessado na queda da ditadura. Seria mais fácil manipular um governo civil dócil, para difundir novos conceitos, quebrar resistências à desregulação do mercado e fazer vistas grossas à perda da soberania nacional, medidas necessárias à nova etapa de sua aventura da conquista do mundo. É importante observar que esse foi um fenômeno não apenas brasileiro, mas mundial.

Apesar de vinte anos de sofrimento e frustrações, sob o tacão da ditadura e do capital estrangeiro, nós, os anistiados e a maioria do povo brasileiro, tínhamos esperanças. Acreditávamos na retomada do projeto de desenvolvimento do Brasil com soberania e justiça social. Mas as elites e seus acólitos ainda dispunham de um coelho na cartola, o neoliberalismo. Poucas pessoas sabiam do significado dessa palavra no Brasil na década de 1980. As que sabiam ficaram caladas, pois, quando escrevi meu livro O capitalismo enlouqueceu, em 1998, não encontrei quase nada publicado no Brasil sobre esse assunto. O pouco que existia era incipiente. Não fossem os documentos obtidos por participantes da Semana Internacional de Iniciativas e Ações contra o AMI, Acordo Multilateral de Investimentos, ocorrida em Paris de 21 a 28 de setembro de 1998, meu livro seria muito mais pobre, por absoluta falta de informações. Mas no governo Sarney, em 1987, tentou-se aplicar medidas com base nessa política completamente desconhecida dos nossos ilustres intelectuais. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

 

Rio de Janeiro, 21/12/2016

 

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