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19, janeiro 2017 3:52
Por admin

O governo dos banqueiros fracassou

Arnaldo Mourthé

            O caos está explicito nos noticiários da mídia e dos jornais. Nem mesmo se consegue manter a ordem nos presídios, local onde o Estado deveria manter os criminosos ou suspeitos de crimes sob sua custódia. Mas não é isso que está acontecendo. Há revoltas, fugas e mortes por toda parte. Grandes contingentes policiais foram mobilizados, incluindo a guarda nacional para restabelecer a ordem. Até as forças armadas são cogitadas a ajudar a polícia nas ações de inteligência e desarmamento das prisões. Isso mesmo, as facções criminosas armaram seus “soldados do tráfico”, para afrontar suas rivais. As drogas, aparelhos eletrônicos e toda sorte de parafernália, existem ali em profusão. De lá, os líderes comandam seus seguidores para a realização de operações criminosas, inclusive assassinatos. Autoridades são corrompidas para obtenção de privilégios, mesmo a prisão domiciliar, obtida por laudos falsos. Todo o processo alimentado pela corrupção com o dinheiro do tráfico de drogas e de armas.

O mais escandaloso é constatarmos uma mobilização maciça de policiais para atender à crise dos presídios superlotados e mal administrados, inclusive por concessão a empresas privadas, enquanto em vários estados assistimos à paralisação da polícia, em greve por ter seus salários atrasados. De outro lado, encontram-se os mais de 12 milhões de desempregados, sem esperança de outro emprego a curto prazo, enquanto os jovens ansiosos por entrarem no mercado de trabalho se frustram, matando em muitos deles a esperança.

Escolas são fechadas ou funcionam precariamente por falta de verbas. Doentes morrem nas filas dos hospitais, os serviços públicos em geral se degradam. Muitas estradas estão em condições deploráveis, até mesmo aquelas fundamentais para o transporte de alimentos para as cidades ou para a exportação. Entidades públicas são fechadas, especialmente nas áreas de cultura, assistência social e proteção ambiental. Nem mesmo o combate aos mosquitos transmissores de doenças escapa à má sorte da degradação do serviço público. Além das ameaças da dengue, da zika e da chicungunha, agora retorna a febre amarela, que horroriza os habitantes do vale do Jequitinhonha e da Zona da Mata, em Minas Gerais. Paramos por aqui, porque não faltam mazelas e tragédias a serem contadas.

O pior é que tudo isso não é uma condição transitória, pois não há perspectiva de dias melhores tão cedo, a partir das supostas soluções que o governo e seus apoiadores anunciam. A perplexidade se generaliza e, mais que isso, se transforma em ansiedade e bole com os nervos das pessoas. Há registros de aumento dos surtos psicóticos e de suicídios, que atingem as pessoas mais sensíveis ou com predisposição para esses fenômenos. Mas como isso pôde acontecer?

Nós temos insistido na inviabilidade da política econômica do governo, de sacrificar a sociedade em benefício dos banqueiros e dos grandes investidores, principalmente internacionais. Não há possibilidade de despender 45% do orçamento da União com juros da dívida pública. Nós somos um país pobre, onde existe uma “elite” que posa de rica, à custa da miséria da população, mas isso é um assunto que não cansamos de enfocar nas nossas manifestações por escritas ou verbais. Vamos ao concreto.

O orçamento da União para 2017, elaborado já no meio do caos mencionado acima, prevê para pagamentos de juros da dívida pública a bagatela de 339,1 bilhões de reais. Mas a arrecadação prevista não é suficiente para isso. Assim foi previsto um déficit de 139 bilhões de reais. Mas como cobrir esse déficit? Emitindo novos títulos da dívida pública, ampliando a própria dívida. Mas para isso é preciso que alguém compre os títulos. Quem o fará? Em que condições o fará?

A resposta foi dada pelo próprio ministro da Fazenda, Henrique Meireles,, em entrevista esta semana para a Rede Globo, diretamente da Davos, onde se reúnem os homens mais ricos do mundo, em sua reunião mundial para se porem de acordo de como continuar sua espoliação do mundo. A própria repórter mostrou a imagem de Bill Gates, com o comentário que os oito homens mais ricos do mundo, dentre os quais ele se encontra, têm uma fortuna igual à da metade da população mais pobre do planeta. Alguém poderá dizer: mas como esses são fenomenais! Mas esse deve ter esquecido os 3,5 bilhões de seres humanos mergulhados na miséria para que eles possam exibir tamanha fortuna. Pois são eles, os bilionários, os principais beneficiários dos 339,1 bilhões de reais que o governo dos senhores Meireles e Michel Temer lhes oferece de bandeja. Meireles assegurou à repórter que o entrevistou que os participantes da reunião, Bill Gates et caterva, aceitaram muito bem as explicações dele, Meireles, do programa de governo “para sair da crise”, nas suas palavras. Ele mostrou na sua entrevista, de que lado está. Não é certamente do lado do sofrido povo brasileiro.

Vivemos em um país sem governo, pelo menos no conceito que temos de governo, aquele órgão composto de cidadãos que representam outros cidadãos para defender seus interesses e buscar soluções justas nas divergências internas entre cidadãos ou setores da sociedade. Esse governo não existe no Brasil. O que temos aí é um governo dos banqueiros e dos bilionários investidos internacionais, aos quais o senhor Meireles serve.  Outra coisa não se poderia esperar do aluno exemplar do BankBoston, ao qual ele serviu a vida inteira. Ele foi a Davos prestar contas do serviço que ele desenvolve no Brasil para submeter no país ao capital financeiro internacional. Vamos permitir que isso aconteça? Ou divulgar esses fatos e criar uma consciência nacional para barrar essa traição que estão cometendo contra nossa PÁTRIA.

Rio de Janeiro, 15/01/2017

16, janeiro 2017 11:56
Por admin

O retorno à democracia burguesa dependente

                                                                                                                                                                                                                         Arnaldo Mourthé

O retorno à democracia foi uma grande conquista. Depois da volta dos exilados criou-se um clima de otimismo no país, que a recessão econômica, de 1981 a 1983, e a continuidade teimosa e nociva da política econômica da ditadura não arrefeceram. A edição da nova lei eleitoral, que permitia o pluripartidarismo e retomava a eleição direta para governadores foi o suficiente para mobilizar a vontade política de mudanças. Eleitos os novos governadores, em 1982, quase toda a atenção da oposição voltou-se para a administração dos estados e prefeituras. O clima de liberdade ampliou-se. Com as autoridades eleitas, algumas delas ex exilados, cresceram os sonhos mais generosos daqueles que esperaram 20 anos por seus direitos políticos e viver como cidadão no seu país. Mas isso era, e continua sendo, em parte, utopia. Vejamos por que, voltando à história.

O governo estadual que despertou maior interesse naqueles dias foi o de Brizola. Ele apresentou ideias renovadoras e grande entusiasmo na busca de soluções objetivas para atender às necessidades da população. A grande ênfase foi dada à educação, com o Programa Especial de Educação dirigido por Darcy Ribeiro. Ele criou o Ciep, uma escola inspirada na Escola Parque, de Anísio Teixeira, porém mais completa, porque anexou atividades extracurriculares à escola convencional, com grande ênfase na reciclagem de professores, para a assimilação do conceito mais amplo de uma escola voltada para a formação de cidadãos. Mas o governo fez muito mais. Buscou soluções inovadoras para melhorar a administração e atender às necessidades básicas da população. As obras de drenagem, de esgoto e de captação e fornecimento d’água cresceram expressivamente, e a decisão do que fazer levou em conta as aspirações dominantes nas comunidades.

Esse esforço alcançou as favelas que passavam a contar com distribuição de água a domicílio, esgoto sanitário e coleta de lixo regular. Programas de reflorestamento foram desenvolvidos para recuperar a floresta da Tijuca e o entorno das favelas. Foram criadas inúmeras áreas de preservação ambiental e reservas biológicas. Foi implantado o primeiro programa de Educação Ambiental na Escola. Em um só mandato, a Administração do município do Rio de Janeiro fez tantas obras de contenção de encostas quantas todas já construídas até então.

A merenda escolar foi multiplicada por dois, em quantidade, com o mesmo dinheiro, enquanto a qualidade melhorou. Aproveitou-se esse programa para desenvolver a pecuária leiteira do estado, comprando grande parte da sua produção. E não podemos nos esquecer do Sambódromo, uma obra que saiu da prancheta de Oscar Niemeyer, como o Ciep, que deu ao samba sua dignidade merecida, ao preço das montagens e desmontagens de arquibancadas em apenas três carnavais, outra contribuição do genial Darcy Ribeiro. Na sua segunda administração, Brizola construiu a Linha Vermelha e equacionou a dívida do Metrô, convencendo a União a converter seus créditos na empresa em participação acionária, o mesmo fazendo o Estado, o que permitiu a retomada das obras do metrô e sua expansão. Além de tudo isso, houve outras iniciativas que ultrapassam o objetivo deste livro.

 

* * *

            Embora a eleição para governadores tivesse sido pelo voto direto, a para a Presidência continuava a ser pelo Colégio Eleitoral. O general presidente da República, que geralmente escolhia o candidato oficial, ouvidos seus pares militares, transferiu essa responsabilidade ao partido do governo, o PDS. Logo depois da posse dos governadores, começou a luta política pela indicação do candidato oficial. A oposição também iniciou um processo de consultas internas, animada pela disputa interna do PDS.

Mas havia uma forte corrente que defendia a eleição direta para a Presidência. O deputado Dante de Oliveira, logo que tomou posse em janeiro de 1983, iniciou a coleta de assinaturas para uma Emenda Constitucional (PEC n. 5), instituindo a eleição direta, e que foi apresentada à Mesa da Câmara em 2 de março. Já no dia 31 de março, era feito no recém-emancipado município de Abreu Lima, em Pernambuco, um comício em defesa da eleição direta, organizado pelo PMDB, com divulgação restrita ao estado. A partir de junho ocorreram vários comícios e passeatas pelo Brasil, a começar pelas capitais, espalhando-se pelas principais cidades do interior. A motivação estava expressa nas palavras Diretas Já! O primeiro grande comício foi em 5 de janeiro de 1984, em Curitiba, com o comparecimento de cerca de 40 mil pessoas. Dezenas de outros foram realizados, mas os de maior destaque foram: em 25 de janeiro, na praça da Sé, em São Paulo, com 300 mil pessoas; em 16 de fevereiro, uma passeata na avenida Rio Branco, entre a avenida Presidente Vargas e a Cinelândia, no Rio, mobilizou 60 mil pessoas; em 24 de fevereiro, na avenida Afonso Pena, junto à Rodoviária, em Belo Horizonte, realizou-se um comício com a presença de expressivas lideranças nacionais, com 400 mil pessoas.

Estava programada para o Rio a próxima manifestação nacional do movimento. O teste de mobilização foi uma passeata, também na avenida Rio Branco, no dia 21 de março com o comparecimento de cerca de 200 mil pessoas. O comício da Candelária, convocado para o dia 10 de abril, mobilizou fortemente a cidade. Com a presença de toda a grande liderança nacional do movimento, ele mobilizou cerca de um milhão de pessoas. O grito de liberdade, engasgado desde 1964, ecoou forte pelo Brasil e pelo mundo. Logo a seguir, no dia 16 de abril, o vale do Anhangabaú, São Paulo, acolheria a maior concentração de todos os tempos na cidade, com cerca de um milhão e meio de pessoas. Parecia decretado o fim da eleição indireta pelo Colégio Eleitoral.

Entretanto, logo depois, no dia 25 de abril de 1984, o povo brasileiro assistia pela TV, e por telões nos grandes centros urbanos, ao resultado da votação pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira. Trezentos e vinte votos eram necessários à sua aprovação, mas ela só obteve 298. Faltaram 22 votos. O governo militar ainda dispunha de poder no Congresso Nacional. Sessenta e cinco deputados votaram contra, três se abstiveram e 112 não compareceram à votação. A eleição direta não interessava às elites do país. Muitas batalhas viriam pela frente para restaurar as liberdades e os direitos que o povo brasileiro havia perdido.

 

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

14, janeiro 2017 4:34
Por admin

Anistia, a única saída honrosa para a ditadura

 

Arnaldo Mourthé

 

Em 1978 surgiram indícios da proximidade da anistia e de nossa volta ao Brasil. Eram eles: a mobilização da oposição no Brasil, o apoio dado à anistia por inúmeros partidos e veículos de comunicação europeus e o esgotamento político e do modelo econômico do governo militar. Em consulta ao meu advogado, Oswaldo Mendonça, através de familiares, ficou esclarecido que minha condenação pela 1ª Auditoria da Marinha havia prescrito. Mas era necessário requerer o pronunciamento do Superior Tribunal Militar para minha volta segura antes da Lei da Anistia. Enquanto esperava a decisão do Tribunal, iniciei minha volta. Viajei de Maputo para Roma, no primeiro dia de 1979, onde aguardaria o desfecho do processo.

Quando ocorreu, em 1979, o Encontro dos Parlamentos Europeus e Americanos, no qual havia uma delegação brasileira, Marília e eu ainda estávamos em Roma. Assistimos a uma das sessões desse Encontro, acompanhados do nosso amigo e jornalista Araújo Neto, do Jornal do Brasil, na época decano dos correspondentes estrangeiros em Roma. Ali fomos convidados para uma reunião reservada de parlamentares italianos e brasileiros que ocorreria à noite no Hotel Colonna Palace. Os italianos queriam a presença de exilados, que nós representaríamos. Nessa reunião, o senador Franco Montoro fez uma exposição sobre a questão política da anistia, na qual insistiu sobre a rigidez dos militares para que os líderes políticos Leonel Brizola, Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes não fossem anistiados. Ficou claro que os militares não queriam os líderes das correntes políticas que representavam os trabalhadores, o trabalhismo, o socialismo e o comunismo. Eles queriam uma anistia de faz de conta, sem lideranças populares fortes, para que continuassem a mandar as mesmas forças políticas, entreguistas e antidemocráticas. Os grandes líderes ficariam de fora, enquanto os que rasgaram a Constituição, os exterminadores e os torturadores seriam beneficiados. O pior é que ficou também claro que os parlamentares pensavam em aceitar essa hipótese, sempre em nome de um “êxito”.

Eu observava com preocupação o rumo da conversa, quando Marília voltou-se para Montoro e lhe perguntou:

– Vocês estão pensando que nós passamos o que passamos, inclusive quase dez anos no exílio para aceitar essa vergonha? Ou a anistia é para todos ou para ninguém!…

A intervenção foi como uma bomba. Nas entrelinhas todos entenderam. Se fosse preciso, nós passaríamos mais dez anos no exílio. O difícil seria os militares sustentarem-se no poder. Sem a anistia, como eles iriam responder por tantos desmandos e tantos crimes? A senadora socialista presente, da qual não me lembro mais o nome, pediu a palavra, dizendo que os parlamentares italianos estavam apoiando a anistia ampla, geral e irrestrita, a pedido de exilados, e que eles haviam refletido muito sobre isso. Mas se o apoio deles fosse inconveniente para os parlamentares brasileiros, eles se afastariam da questão. O clima ficou mais tenso. Os parlamentares brasileiros presentes, Montoro e Fernando Coelho, tomaram a palavra para dizer que não haviam sido bem interpretados. Aquela seria a posição dos militares, que pressionavam o Congresso a aceitar suas restrições. Apesar da hipótese de imprecisão de linguagem, por terem usado uma língua estrangeira, eles não convenceram. Mas havia uma certeza para eles, seria melhor enfrentar os militares.

 

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A Lei da Anistia de 1979 inicia oficialmente o processo de transição da ditadura para um regime democrático. Mas estávamos longe de conseguir recuperar o que fora destruído pela ditadura. As mentiras e a repressão alienaram a população. Sua memória política foi-se apagando, com a censura e a escamoteação da verdadeira história do Brasil. Havia a considerar também que aquela vitória era do povo brasileiro, mas sua liberdade seria ainda limitada. O imperialismo financeiro também era interessado na queda da ditadura. Seria mais fácil manipular um governo civil dócil, para difundir novos conceitos, quebrar resistências à desregulação do mercado e fazer vistas grossas à perda da soberania nacional, medidas necessárias à nova etapa de sua aventura da conquista do mundo. É importante observar que esse foi um fenômeno não apenas brasileiro, mas mundial.

Apesar de vinte anos de sofrimento e frustrações, sob o tacão da ditadura e do capital estrangeiro, nós, os anistiados e a maioria do povo brasileiro, tínhamos esperanças. Acreditávamos na retomada do projeto de desenvolvimento do Brasil com soberania e justiça social. Mas as elites e seus acólitos ainda dispunham de um coelho na cartola, o neoliberalismo. Poucas pessoas sabiam do significado dessa palavra no Brasil na década de 1980. As que sabiam ficaram caladas, pois, quando escrevi meu livro O capitalismo enlouqueceu, em 1998, não encontrei quase nada publicado no Brasil sobre esse assunto. O pouco que existia era incipiente. Não fossem os documentos obtidos por participantes da Semana Internacional de Iniciativas e Ações contra o AMI, Acordo Multilateral de Investimentos, ocorrida em Paris de 21 a 28 de setembro de 1998, meu livro seria muito mais pobre, por absoluta falta de informações. Mas no governo Sarney, em 1987, tentou-se aplicar medidas com base nessa política completamente desconhecida dos nossos ilustres intelectuais. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

 

Rio de Janeiro, 21/12/2016

 

12, janeiro 2017 12:19
Por admin

Ditadura IV, a verdade vem à tona

 

Arnaldo Mourthé

 

Os casos escabrosos de violência gratuita chegaram à população, através da imprensa, em alguns casos que se tornaram clamorosos. Em 25 de outubro de 1975, Wladimir Herzog, jornalista, professor e dramaturgo, diretor do departamento de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, foi convocado para um depoimento na polícia política. Ele era suspeito de ter relações com o Partido Comunista. No dia seguinte foi encontrado morto, enforcado com sua própria gravata, na cela onde estivera preso. A imprensa analisou os fatos e concluiu que ele fora assassinado, provavelmente durante a tortura a que fora submetido. O fato gerou uma enorme indignação na opinião pública. Em 16 de janeiro de 1976, o operário da empresa Metal Arte de São Paulo, Manoel Fiel Filho, preso por distribuir o jornal Folha Operária, foi morto sob tortura. Defender interesses trabalhistas era risco de vida naquele período negro da nossa história.

A Arquidiocese de São Paulo passou a atuar junto às autoridades governamentais pedindo aplicação das leis de defesa da pessoa, e dando apoio às famílias de prisioneiros e de cidadãos mortos pela repressão governamental. Naquele mesmo ano, Dom Eugênio Sales, arcebispo do Rio de Janeiro e cardeal, começou a receber e dar auxílio a refugiados dos países vizinhos, que procuravam a sobrevivência no Brasil, fugindo da Operação Condor. Ele conseguiu enviar muitos deles para fora do país, na condição de refugiados, com cobertura das Nações Unidas e até do governo dos Estados Unidos. A matéria publicada pelo jornal O Globo, de 2/3/2008, com uma longa entrevista do arcebispo, refere-se a milhares de pessoas atendidas pela Cáritas, pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Eles eram argentinos, chilenos, uruguaios e paraguaios fugitivos de ditaduras em seus países, vitimados por golpes de Estado, na Bolívia em 1964, no Uruguai e no Chile, em 1973, e na Argentina, em 1976. A do Paraguai surgira bem antes, em 1954, iniciando o reinado de 35 anos de Stroessner.

A Operação Condor foi um acordo entre as ditaduras do Cone Sul, com participação do Brasil, para coordenar suas ações repressivas contra seus opositores. Ela mostraria sua face no Brasil em 1978, quando do sequestro de Universindo Rodríguez Díaz, sua esposa Lilian Celiberti e seus dois filhos, em Porto Alegre. A operação foi descoberta por jornalistas da sucursal da revista Veja no Rio Grande do Sul que, ao chegarem ao apartamento do casal para entrevistá-lo, encontraram os dois presos por agentes. As crianças já haviam sido levadas para o Uruguai. O casal ficou preso no Brasil por cinco anos, tendo sofrido torturas na prisão. Há também a grave suspeita de que o ex-presidente João Goulart fora morto por troca de medicamentos pelos serviços secretos argentinos, em 1976. Da mesma forma há suspeição que o “acidente” que matou Juscelino Kubitschek fora provocado, assim como a morte de Carlos Lacerda não fora natural. Esses três homens públicos, apesar das divergências dos dois primeiros com Lacerda, estavam discutindo uma forma de unir forças, a Frente Ampla, para substituir a ditadura por um regime democrático.

A Operação Condor produziu uma grande chacina nos países do Cone Sul, comparável a uma guerra de porte entre nações. Por ordem crescente, foram centenas de mortes no Uruguai e no Brasil, milhares no Paraguai, no Chile e na Argentina. Nesta última, há registros de cerca de 30.000 mortes, muito mais que os números de mortes produzidas pelos terroristas atuais, que serviram de justificativa para longas e dolorosas guerras. Mas para as elites dos países onde se instalaram essas ditaduras, os latino-americanos não contam tanto quanto os europeus ou americanos do norte.

Outro fato clamoroso foi a morte da estilista Zuzu Angel Jones, em 14 de abril de 1976, em “acidente” também provocado, o que foi provado em perícia técnica e reconhecida pela Justiça brasileira. Zuzu era mãe do militante Stuart Angel Jones, preso em 14 de junho de 1971, e dado como desaparecido. Zuzu, mãe zelosa, mulher de princípios, de fibra e corajosa, buscou saber sobre o ocorrido, descobrindo que seu filho fora preso e assassinado pelos serviços de segurança do governo. Ela exigiu o corpo do filho, que os militares negavam conhecer. Estilista de talento e original, Zuzu havia conquistado muitos admiradores nos Estados Unidos, pátria de seu ex-marido, Norman Jones. Entre eles havia personalidades da política e do cinema. Ela tinha a figura de um anjo como símbolo das suas criações. Como sinal de protesto contra a violência do governo militar, seu anjo passou a ser estampado acorrentado e amordaçado. Em um desfile no consulado brasileiro de Nova York, ela usou estamparia com motivos violentos, manchas vermelhas, pássaros engaiolados e guerra. Em uma visita de Henry Kissinger ao Brasil, ela conseguiu furar a segurança e entregar a ele uma carta com informações sobre a morte de seu filho. A reação do regime militar foi mandar matá-la. O corpo de Stuart jamais foi encontrado. A vida de Zuzu foi motivo do filme Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, de extraordinária beleza e sensibilidade.

Os horrores da ditadura eram ocultados pela mordaça à imprensa, mas havia formas de comunicação entre pessoas de confiança e organizações civis, que as divulgavam. Os fatos não chegavam a ser conhecidos por grande maioria da população. Mas as pessoas mais esclarecidas sabiam o que ocorria, embora não fizessem alarde delas. Todas temiam as consequências de enfrentar o monstro que ocupava o poder. Mas isso mudou, na medida da maior conscientização das pessoas. A opinião pública internacional, as posições da Igreja Católica, e principalmente o destemor das mães dos prisioneiros e desaparecidos, induziram as pessoas mais destemidas a tomar posição. Famílias de vítimas da ditadura criaram a organização Tortura Nunca Mais, que fez história. Em 1976, um grupo de mulheres de São Paulo, lideradas por Terezinha Zerbini, advogada e mulher do general Euryale de Jesus Zerbini, publicou um manifesto a favor da anistia ampla e geral, que foi distribuído em São Paulo e enviado a pessoas de confiança em outros estados. Logo depois elas registraram em cartório o Movimento Feminino pela Anistia, que floresceu em vários estados. Sua repercussão maior foi no Rio Grande do Sul, onde a corrente republicana era vanguarda no Brasil. Em 1978 o movimento pela anistia alcançava a quase totalidade da sociedade brasileira, invadia a universidade, que se mobilizou, o mesmo ocorrendo com os sindicatos e organizações profissionais. Em fevereiro daquele ano, ele recebeu um grande impulso, a criação do Comitê Brasileiro pela Anistia, fundado por advogados de presos políticos, com apoio da OAB. Mas a reação de setores militares era ainda muito forte, enquanto muitos parlamentares vacilavam entre o poder de pressão da sociedade civil e a força física do governo.

 

Rio de janeiro, 21/12/2016

 

 

10, janeiro 2017 1:26
Por admin

Ditadura III, reprimir para gerar reação e justificar o golpe

Arnaldo Mourthé

Vimos que a ditadura não passou no teste da política econômica e na sua prática social. Mas sua ação política foi mais desastrosa ainda. Ela criou uma ruptura na nossa história, cerceando a liberdade e bloqueando o processo de formação da nossa consciência de nacionalidade. O período anterior à ditadura foi demonizado, pintado com as cores preconceituosas da ideologia engendrada para justificar a guerra fria. A repressão foi o instrumento mais usado para alcançar seus objetivos, quando não faltaram, a coação, a violência desnecessária, a tortura, a chantagem e o assassinato político. Nós vimos que a repressão dos primeiros dias da ditadura fora desproporcional à resistência ao novo regime. A população não estava satisfeita, mas os militares obtiveram um confortável apoio das camadas mais ricas da sociedade, e dos partidos que representavam os interesses dos empresários e dos proprietários de terras. A Igreja, através de seus setores mais reacionários, havia apoiado o golpe, na sua visão mesquinha do combate ao comunismo satanizado. Esses setores da sociedade levaram consigo parte significativa das classes médias no apoio à ditadura, que a imprensa alardeava ser uma revolução redentora.

As ações contra a ditadura, nos seus primeiros anos, foram praticadas por setores mais radicais da juventude e por militares punidos e perseguidos. Apesar de algumas ações armadas, esses grupos não ofereciam perigo para o poder. A mais importante dessas ações talvez tenha sido a do capitão Carlos Lamarca, ao retirar do quartel onde servia um caminhão de armas leves. Os revoltosos não tinham poder de fogo para enfrentar as forças armadas e não conseguiram o apoio necessário da população para ações mais eficazes. O crescimento da economia estava levando grande parte da classe média que se opôs ao golpe de Estado a acomodar-se, por seus bons salários e para evitar complicações com inimigo tão poderoso. Isso reduziu o espaço dos grupos de resistência nas cidades, o que os levou a agir a partir do campo. Entretanto, grupos poderosos dos quartéis e do governo viam, ou fingiam ver, inimigos por toda parte. Afinal, era preciso justificar tão brutal repressão.

Em março de 1968, militares radicais invadiram o restaurante estudantil do Calabouço para reprimir uma manifestação contra o aumento das refeições. O aspirante Aloísio Raposo, que comandava a tropa, disparou sua arma à queima-roupa contra o estudante Edson Luís de Lima Souto, de 17 anos, matando-o. No dia 2 de abril foi celebrada a missa de 7° dia em intenção a Edson Luís, na Candelária. A cavalaria da polícia investiu contra os que saíam da igreja, estudantes, populares, padres e jornalistas. Os movimentos de protesto se espalharam, tendo Edson Luís como bandeira. Numa assembleia estudantil na UFRJ foram presos 300 estudantes. A revolta ampliou-se. Para tentar contê-la as autoridades permitiram uma manifestação de estudantes na Cinelândia. Foram às ruas dezenas de milhares de pessoas, representando os setores mais dinâmicos da sociedade, estudantes, intelectuais, artistas, políticos. O ato de protesto ficou conhecido como a Marcha dos Cem Mil. A palavra de ordem abaixo a ditadura ecoou pelo centro do Rio e repercutiu por todo o país.

O ano de 1968 foi pródigo em manifestações em várias nações do mundo. Nos Estados Unidos Martin Luther King foi assassinado e grandes multidões se reuniram para protestar contra a guerra do Vietnã. Na França, manifestações estudantis multiplicaram-se contra a política repressiva do governo. A Universidade de Nanterre foi fechada depois de grandes conflitos entre estudantes e policiais. Elas ocorreram também na Espanha, Polônia, Bélgica, Itália, Alemanha ocidental. Na América Latina houve agitações no Uruguai, Argentina, Venezuela, México e Colômbia. Era um sinal do fim do Estado de Bem-Estar Social, e do agravamento da guerra fria. A euforia do pós-guerra dava lugar a uma dura luta pelo domínio econômico do mundo e de concorrência entre países, que se desdobraria no projeto neoliberal de dominação do mundo pelo capital financeiro internacional.

No Brasil, o Congresso foi contaminado pela agitação social. Pronunciamentos dos deputados Maurílio Ferreira Lima, Márcio Moreira Alves e Hermano Alves irritaram sobremodo os militares. Em 13 de dezembro de 1968, foi editado o Ato Institucional nº 5, que decretou a recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Os três deputados citados foram cassados imediatamente e a eles se seguiram mais de uma centena de outros deputados federais e ainda maior número de deputados estaduais e vereadores em diversos estados da Federação.

O AI-5 foi a ruptura dos militares com a sociedade civil. A partir daí a repressão seria muito mais dura, assim como a resistência da população contra a ditadura. A frente política, representada pelos parlamentares, envolvia um grande leque da sociedade. A ditadura que se dizia defensora da democracia e da liberdade havia deixado cair sua última máscara com o fechamento das casas legislativas. Os grupos de resistência clandestina à ditadura, impiedosamente reprimidos pela simples razão de negarem sua legitimidade e pedirem a restauração do regime democrático e de direitos sociais, foram colocados diante de um impasse. Acomodar-se a uma clandestinidade passiva ou reagir. Alguns, os mais jovens e mais radicais, optaram pela ação de guerrilha, alguns no campo, outros na cidade. Eles eram formados na sua grande maioria por estudantes, funcionários e operários, com seu natural vigor e destemor juvenil.

A gênese desses movimentos de ação armada está magistralmente relatada no livro Uma tempestade como a sua memória, a história de Maria do Carmo Brito, contada por ela mesma e pela escritora Martha Vianna (120). O livro é uma epopeia sobre os jovens colocados diante da iniquidade e submetidos aos mais brutais constrangimentos. Seus dramas, suas dúvidas, seu sentimento de responsabilidade social, sua dignidade, os levam a reagir, da forma que lhes foi possível, buscando a superação para salvar os princípios e defender os direitos nos quais acreditam. Do grupo de Maria do Carmo foram mortos seu marido, Juarez Brito, Carlos Alberto Soares e muitos outros. Os relatos recentes, publicados sobre as torturas e a tentativa de assassinato de Inês Etienne Romeu, que denunciou o médico Amílcar Lobo e a Casa da Morte de Petrópolis, mantida pela repressão militar, onde teria sido morto Carlos Alberto Soares (Beto), mostram o lado macabro da ditadura (19). Carlos Alberto mereceu uma menção especial da presidente Dilma Rousseff no seu discurso de posse.

Além do aumento da resistência política, os grupos de ação armada tornaram-se audaciosos e praticaram atos de ampla repercussão. As guerrilhas, do vale da Ribeira, em São Paulo, e do Araguaia, são exemplos dessas ações no campo. Nas cidades os atos de maior repercussão foram os sequestros de embaixadores. Do americano, em setembro de 1969, do alemão, em junho de 1970, e do suíço, entre dezembro de 1970 e janeiro de 1971. Os sequestros dos embaixadores tiveram um duplo objetivo para seus autores: liberar seus companheiros presos e divulgar a resistência interna no Brasil à ditadura. Eu assisti ao desembarque, em Argel, dos 40 presos políticos libertados em troca do embaixador alemão. Apenas as autoridades argelinas, das Nações Unidas, diplomatas brasileiros e imprensa, tiveram acesso a eles no aeroporto. A mídia internacional estava representada ali através de dezenas de enviados. Os franceses, especialmente, tinham um objetivo bem definido, seu herói da Resistência contra a ocupação nazista, Apolônio de Carvalho, elevado ao posto de coronel do Exército francês. No dia seguinte, grande parte do mundo podia conhecer a outra face do governo brasileiro de então, uma ditadura sanguinária.

Cumprido o protocolo de exames médicos e assistência psicológica, pudemos visitar os ex-prisioneiros. Eu tinha um objetivo especial, saudar minha amiga Maria do Carmo Brito. Na oportunidade conheci muitos deles. Alguns vieram a ser amigos diletos, como o capitão Altair Luchesi Campos, Fernando Gabeira, Apolônio de Carvalho e Ângelo Pezzuti. Este perderia a vida em um acidente de moto em Paris. Muitos daquele grupo viriam a ser figuras proeminentes da política e do jornalismo no Brasil, por méritos próprios e ajudados pela grande projeção internacional que tiveram a partir daquele evento. A luta armada não prosperou, nem foi decisiva no desenvolvimento do processo, mas mostrou para o mundo a natureza repressiva da ditadura e seu desgaste junto à população brasileira. A repressão tornou-se mais cruel e mais sanguinária, demonstrando a incapacidade política para buscar o diálogo com a sociedade civil e para dirigir o país. A partir do AI-5, o Brasil ainda viveria uma década de impasses e de agravamento do conflito político interno, até que o desgaste irremediável do governo e o medo de uma revanche levaram os militares mais lúcidos a buscar o caminho da anistia.

O AI-5, além de incentivar a ação de grupos armados, também ampliou a denúncia dos desmandos e da violência da ditadura. O jornalista e deputado cassado Márcio Moreira Alves foi para o Chile. Lá ele criou um boletim de notícias sobre o Brasil com o nome de Frente Brasileira de Informação. Necessitando ir para a França, país de sua esposa, ele teve a colaboração de Miguel Arraes para manter a edição do boletim a partir de Argel. Com o nome francês Front Brésilien d’Information, essa publicação ganhou corpo e era enviada regularmente a mais de novecentas personalidades formadoras de opinião de países da Europa, das Américas e de outros continentes. Ela ganhou credibilidade pela seriedade e qualidade das matérias publicadas, e passou a incomodar o governo brasileiro. Muitas de suas matérias foram publicadas em vários jornais de diversos países, com destaque para o jornal Le Monde, de Paris. O governo militar dizia haver um grupo de exilados denegrindo a imagem do Brasil no exterior. Entretanto, a questão era outra. Para a imprensa e políticos da Europa, os exilados representavam melhor o Brasil que seu governo ditatorial. A queda de braço da ditadura com a sociedade civil abrira diversas frentes de luta que minariam as forças do governo militar.

 

Rio de Janeiro, 21/12/2016.

 

06, janeiro 2017 1:02
Por admin

Ditadura II, a tirania instituida

Arnaldo Mourthé

 O Ato Institucional n. 2, editado em 27 de outubro de 1965, desbaratou os partidos políticos, abrindo caminho para a criação do sistema bipartidário, com a Arena e o MDB, popularmente apelidados de “partido do sim” e “partido do sim senhor!”. Os sindicatos estavam sob intervenção; o movimento estudantil entregue aos asseclas dos golpistas; a maior parte dos líderes políticos mais expressivos presos, exilados ou na clandestinidade. Abriu-se assim o caminho para a política econômica entreguista dos golpistas udenistas.

O ministro do Planejamento, Roberto Campos, conhecido defensor do capital estrangeiro, coordenou o projeto da reforma econômica. Suas principais medidas foram:

 

a) Eliminar a estabilidade do trabalhador e criar o FGTS.

b) Limitar o reajuste dos salários dos trabalhadores a 50% da taxa de inflação.

c) Incentivar o mercado de capitais com a aplicação plena da correção monetária no cálculo de rendimento das Letras de Câmbio.

d) Criar para o contribuinte do imposto de renda a opção de investir parte desse tributo devido, 10% para pessoa física e 5% para pessoa jurídica, recolhidos ao fundo 157, para aplicação em ações de “empresa de capital aberto”, nova figura jurídica também criada pela ditadura.

e) Criar o Banco Central, para centralizar o controle do sistema bancário, e fazê-lo operar de acordo com a política econômica oficial.

f) Criar o Banco Nacional de Habitação, para gerir os recursos do FGTS e, posteriormente, da caderneta de poupança.

g) Permitir às empresas, nacionais e estrangeiras a captação no exterior de empréstimos em moedas conversíveis (84).

 

Vejamos os resultados dessas medidas, através das estatísticas do IBGE, da FGV e do Bacen.

– A concentração de renda aumentou. Em 1960, a metade mais pobre da população detinha 17,4 % da renda nacional. Em 1980 essa participação caiu para 12,6%. Um por cento da população mais rica ficou com 11,9% da renda nacional em 1960, que aumentou para 16,9% em 1980.

– A dívida externa líquida brasileira, que era de 2,5 bilhões de dólares em 1964, passou para 85,4 bilhões em 1985.

– O fluxo do capital estrangeiro para o Brasil, que vinha crescente com as vantagens oferecidas pelo governo, alcançou 1.794,7 milhões de dólares em 1981. Com a crise cambial que se iniciou naquele ano, ele foi caindo até chegar a 793,9 milhões em 1985. As remessas de capitais cresceram de 369,6 para 1.051,3 milhões de dólares, no mesmo período. Em 1981 o saldo do fluxo de capital foi positivo, de 1.425,1 milhões de dólares. Já em 1985 ele foi negativo, de -257,4 milhões de dólares.

– A Renda Líquida Enviada ao Exterior (serviços da dívida, lucros de empresas estrangeiras, etc.) passou de 1% do PIB em 1974 para 6,3% em 1983.

– A inflação medida pelo IGP acelerou de 41,2% em 1976 para 225,5% em 1985.

– Segundo o Dieese, o salário mínimo real caiu 38,9% entre 1964 e 1976.

A partir dessas estatísticas, e de outros dados não reproduzidos aqui, eu já havia chegado a algumas conclusões na década de 1980, que reproduzo a seguir.

 

Dessas medidas, resultou a mobilização da poupança privada, produzindo a concentração de capitais nas sociedades de capital aberto, dinamizando os investimentos industriais. O consumo cresceu com o crédito fácil. As construções, financiadas pelo BNH, se expandiram, atuando como principal motor da economia.

Dessa forma, o país saía da crise iniciada em 1959, com o esgotamento do modelo de substituição das importações, com maior concentração e centralização de capitais, com distribuição de renda mais injusta, com fluxo crescente de capital estrangeiro buscando os favores governamentais e a mão de obra cada vez mais barata. Deu-se início assim ao período do chamado “milagre brasileiro”, nascido no biênio 1967-68.

 

A crise de crescimento da economia foi superada, mas se manteve o latifúndio improdutivo, a miséria agravou-se no campo expulsando o camponês, que veio inchar as cidades; surgia a figura do “boia-fria”; a exportação de lucros das empresas estrangeiras aumentou; a devastação das matas acelerou-se; a poluição grassou; a qualidade de vida nas cidades maiores deteriorou-se; a dependência do petróleo importado aumentou com a industrialização acelerada; o trabalhador empobreceu com a redução de seu salário real, passando a viver do salário familiar, ajudado pela mulher e os filhos; as crianças e jovens abandonados vieram engrossar a delinquência juvenil e fornecer mão de obra para o crime organizado.

Rio de Janeiro, 21/12/2016.

04, janeiro 2017 11:34
Por admin

O golpe militar

Arnaldo Mourthé

            No seu discurso do dia 13 de março, Jango fala de coração aberto. Ele sabia das suas dificuldades para manter-se no poder. Por isso deixou sua mensagem para a história. Ela servirá de lição para as futuras gerações de brasileiros, responsáveis pela defesa do legado de nosso povo, da sua luta, das suas glórias e desilusões, e dos seus sacrifícios e exemplos de honestidade e coragem. Depois das saudações de praxe, Jango ataca a semântica ideológica do patriciado e dos entreguistas.

A democracia, trabalhadores, que eles desejam impingir-nos, é a democracia de antipovo, da antirreforma, do antissindicato, aquela que favorece os interesses dos grupos que representam. A democracia que eles pretendem é a dos privilégios, da intolerância, do ódio, para liquidar com a Petrobrás. A democracia dos monopólios nacionais e internacionais, a democracia que levou Getúlio Vargas ao extremo sacrifício (43).

Em seguida defende a reforma agrária:

[…] Reforma Agrária, que será o complemento da abolição do cativeiro de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em condições miseráveis. […] O povo tem que sentir a democracia que ponha fim aos privilégios de uma minoria proprietária de terras. Quer participar da vida política do país através do voto, poder votar e ser votado. É preciso que nos pleitos eleitorais sejam representadas todas as correntes políticas sem discriminação ideológica. Todos têm o direito à liberdade de opinião e a manifestar o seu pensamento. Este é um princípio fundamental dos direitos do homem, contido na própria carta das Nações Unidas.

O tema seguinte é sua visão cristã da política:

Da minha parte, à frente do Executivo, tudo farei para que o processo democrático siga o caminho pacífico para derrubar os obstáculos que impedem a liberdade do povo brasileiro. Juntos, governo e povo, operários, camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, seguiremos a caminhada da emancipação econômica e social do País. O nosso lema, trabalhadores, é progresso com justiça e desenvolvimento com igualdade.

Mais adiante ele trata das reformas de base.

Já sabemos que não é mais possível progredir sem reformas. Que não é possível acomodar-se e admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional. Para milhares de brasileiros, o caminho das reformas é o do progresso e da paz social. Reforma, trabalhadores, é solucionar pacificamente contradições de uma ordem jurídica superada pela realidade em que vivemos.

Acabei de assinar o Decreto da Supra. Assinei, meus patrícios, com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior da Pátria. É necessário que se diga que não é ainda a Reforma Agrária pela qual lutamos […]

O decreto considera de interesse social, para efeito de desapropriação, as terras que ladeiam os eixos rodoviários, os açudes públicos federais e terras que podem tornar produtivas áreas inexploradas, ainda submetidas a um comércio intolerável e odioso. Não é justo, trabalhador brasileiro, que o benefício de uma estrada construída com dinheiro do povo venha a beneficiar apenas as minorias privilegiadas do País.

[…]

Mas, trabalhadores, Reforma Agrária com pagamento prévio em dinheiro não é Reforma Agrária; como consagra a Constituição, é negócio agrário que interessa apenas ao latifundiário. Sem reforma constitucional não poderá haver Reforma Agrária autêntica, que atenda aos reclamos do povo brasileiro.

Para tornar mais claro seu pensamento sobre essa questão, ele cita exemplos de outros países.

Em todos os países civilizados foi suprimido da Constituição o pagamento prévio em dinheiro. No Japão, há mais de 20 anos que já se fez a Reforma Agrária, pagando-se em títulos com prazos de 20 anos e juros de 2%. Quem promoveu a Reforma Agrária não podia ser chamado de comunista. Foi o General MacArthur, general americano, que não podia ser acusado de estar a serviço de interesses internacionais. Na Itália, na Calábria, há mais de 15 anos que a reforma foi realizada. A produção multiplicou-se e os camponeses passaram a ter seus pedaços de terra própria.

O México há doze anos vem concretizando a sua Reforma Agrária, empregando mais de 30 milhões de hectares de terra trabalhada, entregando-a aos camponeses mexicanos, realizando pagamentos de 25 anos, com juros nunca superiores a cinco por cento. Na própria Índia já se fez a Reforma Agrária de mais de metade da área cultivável daquele país. Não existe argumento capaz de afirmar que no Brasil, uma Nação jovem e que se projeta para o futuro, o povo não possa fazer a reforma constitucional que lhe permita uma Reforma Agrária autêntica.

E justifica a necessidade de aumentar a renda dos trabalhadores do campo.

Nas fábricas e indústrias há tecidos e sapatos sobrando. Enquanto isso, o povo brasileiro vive nu no interior da Pátria. Suas crianças sem calçado, porque não têm poder aquisitivo para comprar esses produtos.

Jango encerrou seu discurso com as seguintes palavras:

Hoje, com o alto testemunho da Nação reunida na praça que ao povo pertence, o Governo, que é também do povo e ao povo pertence, reafirma seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pelas reformas tributária, eleitoral, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e, ao lado do povo, pelo Progresso do Brasil. (43)

Jango era assim como se mostrou no comício do dia 13 de março de 1964. Em nenhuma parte de seu discurso, ou do seu programa de reformas, encontramos quaisquer manifestações contra a ordem, a justiça, a democracia, ou as instituições. Ele era um homem aberto, sem mágoas ou rancores, amigos dos amigos e justo para com todos. Era um estancieiro. Criava gado e plantava suas terras. Bom administrador, que cuidou das fazendas de Getúlio enquanto foi preciso. Pai zeloso e amoroso, e homem caseiro, apesar de político militante, e sempre presente nas suas obrigações. Não tem nada nele que possa identificá-lo como vilão.

Seria comunista? Não era. Mas se fosse, seria crime ser comunista? Seria crime pensar a favor do operário, ou querer uma sociedade onde o lucro não seja o maior dos princípios morais? Nem pecado seria, porque os ensinamentos de Cristo são de tolerância e de amor ao próximo. Seriam então vilões os sindicalistas que defendiam os trabalhadores? Jango era nacionalista, pois defendia os interesses do Brasil. Seria o nacionalista um vilão? Francamente não dá para encontrar na nossa investigação qualquer fato ou comportamento que pudesse justificar a queda de João Goulart da Presidência. Muito menos por um golpe de Estado, essa excrescência que enodoa a história da nação e envergonha a todos.

Eu conheci Jango pessoalmente. Quando ele era vice-presidente, no governo JK, seu gabinete era no prédio do Ministério do Trabalho, no Rio de Janeiro. No final das tardes, ele recebia ali seus amigos, correligionários, intelectuais, sindicalistas e estudantes. Eu participei, quando estava na UNE em 1959/60, de alguns bate-papos informais ali. Jango era um homem aberto ao diálogo. Tinha suas opiniões, mas não as impunha a ninguém. Era um cavalheiro, tolerante e cortês. Muito tempo depois, eu e meu irmão Dirceu, encontramo-nos com Jango em sua fazenda no Uruguai, em Taquarembó. Nós acabávamos de sair do Brasil, fugidos da perseguição da ditadura, e tínhamos uma mensagem para ele, enviada por José Gomes Talarico, seu grande amigo. Na sua intimidade, longe do poder, com semblante triste, mas convencido de estar cumprindo com seu dever, ele nos brindou com uma longa conversa. Falamos das desventuras dos companheiros, mas principalmente sobre a política no Brasil e no mundo, e as perspectivas de superar tudo aquilo, que não eram nada boas. Mais tarde voltamos a encontrá-lo. Sempre o mesmo homem afável, prestativo, senhor de si, mas sem qualquer sombra de soberba.

Para os leitores que se interessam por essa questão, recomendo o livro da jornalista Teresa Cesário Alvim O golpe de 64: a imprensa disse não (17). Nele estão presentes nomes consagrados, como Antônio Callado, Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Edmundo Moniz, Otto Lara Rezende, Alceu Amoroso Lima, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto), Moacir Werneck de Castro, Joel Silveira, e outros. A revista Carta n° 11, de Darcy Ribeiro, contém extratos desse livro. Para os leitores interessados vale a pena conhecer esses depoimentos feitos no calor dos acontecimentos.

Descontados os arautos do anticomunismo e da “democracia” sem povo, a que se referia João Goulart, as cabeças pensantes do Brasil não encontraram razão palpável para o golpe de Estado de 1964, que não fosse a defesa de privilégios do patriciado nacional, ou dos interesses do capital estrangeiro. Se analisarmos o golpe no cenário internacional, ele se torna mais transparente, já que foi planejado e desfechado como parte da estratégia do capitalismo internacional, objetivando o controle dos mercados e o bloqueio ao avanço do socialismo pelo mundo. Mas como, e por que, essa operação fantástica no conjunto dos países? É disso que trataremos no capítulo que se segue.

Rio de Janeiro, 20/12/2016.

 

11:19
Por admin

Jango assume o poder acuado

Arnaldo Mourthé

 

No período parlamentarista, Jango ficou restrito às atividades protocolares e à solução de crises políticas. As contradições de interesses imobilizavam o Parlamento. Nada do que havia sido prometido em campanha eleitoral poderia ser discutido. Tudo que viesse de Jango era, em princípio, contra a democracia. Até o cumprimento do acordo político de submeter a mudança de regime a um plebiscito. Os golpistas tinham largo apoio da mídia, através dos anunciantes.

Mas a paralisia geral do governo face aos problemas sociais que se agravavam convencera o Congresso a votar, no dia 15 de setembro de 1962, o projeto de Lei complementar de autoria de Juscelino Kubitschek, de Benedito Valadares e do deputado Gustavo Capanema, que autorizava a realização do plebiscito em 6 de janeiro de 1963. Nesse dia, os 18 milhões de eleitores brasileiros de então foram chamados às urnas. Votaram pelo presidencialismo 9.475.488 eleitores, e apenas 2.073.582 a favor da manutenção do parlamentarismo.

Era de se esperar que, enfim, a estabilidade política voltasse ao país. Entretanto, os que se proclamavam arautos da democracia só fizeram intensificar os ataques a Jango, ao seu governo e aos seus aliados. As tensões cresceram em todo o país, inclusive nas forças armadas. Muitos subordinados se rebelavam contra seus comandos golpistas. Praticamente todas as forças políticas se posicionavam em defesa de seus projetos, como deve ser em uma saudável democracia. Mas uma corrente reacionária e entreguista, que defendia os interesses do capital estrangeiro, lançou-se às mais sórdidas campanhas e à conspiração contra o governo. Houve uma ofensiva contínua da oposição até o desfecho do golpe de Estado, entre 31 de março e 1° de abril de 1964.

Darcy Ribeiro, idealizador e primeiro reitor da Universidade de Brasília, depois ministro-chefe de gabinete da Presidência no governo João Goulart, testemunhou o que aconteceu no Brasil naquele período. Vejamos alguns tópicos do seu depoimento sobre o golpe de Estado de 1964. Referindo-se à reforma agrária, proposta na Mensagem Presidencial de 15 de março de 1964, ele escreveu:

Dois Brasis se defrontavam ali. Numa vertente, estava o Brasil das Reformas de Base, empenhado em abrir perspectiva para uma nova era, fundada numa prosperidade oriunda da ativação da economia rural e da mobilização da economia urbana, ampliada através das outras reformas em marcha: a urbana, a fiscal, a educacional e a administrativa. Na vertente oposta, estava o Brasil da reação, em união sagrada para a conspiração e o golpe, sem qualquer escrúpulo, a fim de manter a velha ordem […]

O golpe militar teve como finalidade, basicamente, impedir aquelas reformas. Para isso é que mobilizou os latifundiários, em razão dos seus interesses; e os políticos da UDN e do PSD, que vinham minguando ano a ano. Apesar de poderosas, essas forças nativas não podiam, por si mesmas, derrubar o governo. Apelaram, então, para o capital estrangeiro e seu defensor no mundo, que é o governo norte-americano, entregue à estratégia da guerra fria. Os conspiradores de 1964 não só aceitaram, mas solicitaram a intervenção estrangeira no Brasil, rompendo nossa tradição histórica de defesa ciosa da autonomia e de repulsa a qualquer ingerência em nossa autodeterminação […]

Jango não caiu por ocasionais defeitos de seu governo. Foi derrubado em razão de suas altas qualidades, como o responsável pelo maior esforço que se fez entre nós para passar o Brasil a limpo, criando aqui uma sociedade mais livre e mais justa (98).

 

Um dos livros mais importantes sobre esse período foi O golpe começou em Washington, de autoria do jornalista Edmar Morel, escrito ainda no calor da refrega. Morel destaca no seu livro cinco frentes de reação contra Jango. A primeira delas a Reforma Agrária, ou mais especificamente a substituição da prévia indenização em dinheiro por títulos da dívida pública.

A segunda, o impasse do valor da indenização a ser pago pelo Tesouro Nacional às empresas Bond and Share, American Foreign Power e a CTB, por seus acervos ligados às concessões de fornecimento de energia elétrica e de telefonia. Eles reivindicavam 188 milhões de dólares, enquanto a comissão técnica brasileira dera um parecer que a indenização máxima não podia passar de 57 milhões, considerando o estado degradado dos equipamentos, que precisavam ser imediatamente substituídos.

A terceira foi o relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que constatou remessa clandestina para fora do país de royalties da indústria farmacêutica estrangeira, no valor de 10 milhões de dólares. A denúncia chocou a opinião pública e gerou pedidos ao governo para nacionalizar essas indústrias.

A quarta foi uma decisão da Justiça, que tornou sem validade a concessão de exploração de minério de ferro transferida à Hanna, um megaconglomerado de diversas empresas americanas e internacionais, com grande poder junto ao governo dos Estados Unidos. Essa concessão foi obtida através de compra feita em Londres da São João del Rey Mining, em 1956. Analisando o processo, o ministro de Minas e Energia Gabriel Passos, político mineiro filiado à UDN, de grande prestígio por sua integridade moral, patriotismo e competência técnica, houve por bem anular a concessão por nociva aos interesses nacionais. A Hanna impetrou um mandado de segurança junto ao Tribunal Federal de Recursos, que o denegou.

Segundo Morel, a Hanna, com seu poder financeiro e político, teria reforçado o caixa do Ibad – Instituto Brasileiro de Ação Democrática, ponta de lança dos lobistas das empresas americanas no Brasil. Morel escreve:

 

Com a derrota da Hanna, o consórcio ianque, comandado por Mr. John Foster Dulles Júnior, filho do antigo Secretário de Estado norte-americano, passou a financiar o IBAD, órgão que corrompeu os últimos pleitos eleitorais, elegendo deputados antinacionalistas, tipos escolhidos a dedo para qualquer negócio de interesse comercial americano. A corrupção foi da ordem de cinco bilhões de cruzeiros (79).

 

Morel cita uma lista de quinze empresas norte-americanas e europeias que sustentavam a atividade do Ibad, famigerada entidade que manteve durante anos os conspiradores golpistas e os detratores das autoridades brasileiras que defendiam o interesse nacional em face da ganância de empresas dilapidadoras da nossa economia.

Como quinta frente de reação contra Jango, ele cita uma passagem do comício de 13 de março de 1964, referindo-se ao presidente:

 

Ao revelar que iria remeter mensagem ao Congresso pedindo o voto para o analfabeto e elegibilidade dos soldados, abria um abismo entre o poder e os partidos, particularmente a UDN e o PSD.

Naquele comício, o Sr. João Goulart, ao descer do palanque, estava com a sua sorte selada, irremediavelmente perdido. O episódio dos marinheiros e sargentos foi o tiro de misericórdia (79).

 

Pelo que foi dito por Morel, podemos concluir que Jango não cometeu qualquer ato de subversão, ou atentado contra o que quer que seja. Ele propôs uma reforma agrária, diga-se de passagem, moderada; defendeu os interesses nacionais contra dilapidadores irresponsáveis, vezeiros nas práticas criminosas contra o país; e tentou ampliar a cidadania, concedendo voto aos analfabetos e aos soldados. Apenas conquistas democráticas dos cidadãos que vigoravam em muitos países. Uma leitura sucinta das principais passagens do famoso comício de Jango da Central do Brasil prova isso.

Rio de Janeiro, 20/12/2016.

 

 

30, dezembro 2016 11:52
Por admin

Brizola enfrenta os militares golpistas

Arnaldo Mourthé

            Ao saber da renúncia de Jânio, Brizola imaginou que ele havia sido deposto. O estardalhaço de Lacerda e dos golpistas que cercavam a Presidência conduziam a essa suposição. Ele tentou falar com Jânio, mas não conseguiu. Por cautela, colocou as polícias, Civil e Militar, em sobreaviso.

O Conselho de Segurança Nacional colocou sob censura os principais órgãos de comunicação. Até Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, só tomou as providências que lhe cabiam depois de conversar com os ministros militares. Ciente da situação por Mazzilli, o deputado gaúcho Rui Ramos, do PTB, procurou o ministro da Guerra Odílio Denys. Soube que os ministros militares não aceitariam Jango. Soube ainda que se ele voltasse ao Brasil seria preso. A prisão dos opositores ao golpe no meio militar começou logo. Tentaram prender Lott, mas não o encontraram. No dia 27, domingo, os jornais de Porto Alegre publicam um manifesto de Lott e outro de Brizola, ambos contra o golpe. O manifesto de Lott havia sido censurado no Rio. A Última Hora de Porto Alegre lança uma edição extra com editorial de primeira página com o título: Constituição ou guerra civil. O afrontamento político estava claro. Vejamos o que ocorreu na área militar.

Brizola procura saber a posição do comandante do III Exército, Machado Lopes, mas considera ambígua sua resposta de que teria de respeitar a hierarquia. Falou com o comandante da 3ª Divisão de Infantaria, Beviláqua, que se manifestou pela legalidade. Entrou em contato com o general Oromar Osório, comandante da 1ª. Divisão de Cavalaria que se definiu contra o golpe. O Movimento Nacionalista dos militares informou que a grande maioria de sargentos e cabos estava contra o golpe.

No dia 28, a situação, vista a partir de Porto Alegre, indicava que havia condições, políticas e militares, para defender a legalidade, com a posse de Jango na Presidência. Entretanto, os ministros militares controlavam o país, com exceções do Rio Grande do Sul e de Goiás. O governo gaúcho estava isolado do Brasil. Era preciso comunicar ao país o que se passava em Porto Alegre. Brizola tenta montar uma rede de comunicação, mas as rádios foram ocupadas por forças federais. Mas parecia ter sido esquecida a Rádio Guaíba. Usando suas prerrogativas de governador, Brizola requisitou seus equipamentos e montou-os no porão do Palácio Piratini. Brizola lança então uma solene conclamação ao povo gaúcho, e determina o fechamento das escolas, como medida de segurança das crianças, enquanto mobiliza a administração pública, deixando a cada funcionário a opção de apoiar ou não as ações do governo do estado. As manifestações de adesão chegavam de toda parte, de líderes sindicais, jornalistas, estudantes, artistas e muitos outros. A frente do Palácio, onde se reuniam populares, desde a notícia da renúncia de Jânio, foi tomada por uma grande multidão.

Vendo que a situação poderia evoluir para uma guerra civil, o arcebispo de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, procura o comandante do III Exército para manifestar suas preocupações e sua posição pela legalidade. Enquanto isso, a Rede da Legalidade, criada por Brizola a partir de um transmissor de rádio colocado no palácio, espalha-se pelos rincões do Brasil, retransmitida por outras pequenas rádios. Mauro Borges, governador de Goiás, também se manifesta pela legalidade. O movimento cresce em todo o Brasil. A situação que parecia controlada há dois dias, segundo manifestações dos ministros militares, já se transformava em uma corrente de oposição aos militares e aos políticos que formavam ao seu lado. Qualquer ação seria como acender fogo em uma campina seca.

No mesmo dia 28 de agosto, o comandante do III Exército recebe uma mensagem do ministro da Guerra. Ela contém a ordem explícita de

[…] compelir imediatamente o Sr. Leonel Brizola e pôr termo à sua atividade subversiva que vem desenvolvendo […] convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente […] que se empregue a Aeronáutica, realizando inclusive bombardeio, se necessário (Parlamentares gaúchos, Leonel Brizola, Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2004).

Os ministros militares pareciam enlouquecidos. A agitação atingiu também os quartéis, da qual há inúmeras versões, mas sem as provas para divulgá-las. Mas o desfecho da mensagem referida acima foi diferente. Por sua própria iniciativa, o general Machado Lopes solicitou ao governador Brizola uma reunião no Palácio Piratini, o que criou um impasse para os golpistas instalados no Planalto. Machado Lopes dispôs-se a lutar pela legalidade, unindo as forças, mas sob a condição de o comando militar ficar com o III Exército. Brizola ficaria com o comando político. Um acordo foi fechado. Os ministros militares tiveram de buscar uma solução institucional.

No dia 29, o Congresso rejeitou o pedido de impedimento do Vice-Presidente da República e passou a debater uma solução conciliatória, mais tarde encontrada com a adoção do regime parlamentarista (Parlamentares gaúchos, João Goulart. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2004).

No dia 31 de agosto, Tancredo Neves levou a proposta a Jango, que já estava em Montevidéu. Jango aceitou-a em nome da paz e sob a condição de fazer mais tarde um plebiscito, para confirmar ou não a mudança. A crise foi superada. Jango assume a Presidência, sob regime parlamentarista, no dia 7 de setembro.

Mas a paz era pro forma. Os golpistas iriam continuar seu trabalho de desestabilizar Jango. Não por sua pessoa, mas por suas convicções republicanas, consubstanciadas na soberania, popular e da Nação. Isso ficará claro nos conflitos que ele enfrentou no seu governo, o que veremos no próximo artigo.

Rio de Janeiro, 19/12/2016

 

 

27, dezembro 2016 12:20
Por admin

Janio passa pelo poder como um foguete

 

Arnaldo Mourthé

 

Dotado de um carisma raro, orador competente, capaz de comover, mestre na demagogia e teatral nos gestos, Jânio Quadros fez uma carreira política meteórica. Em 1947 foi eleito suplente de vereador em São Paulo pelo Partido Democrata Cristão – PDC. Ele assumiu o cargo por força da cassação do Partido Comunista, em 1948. Em 1951 elegeu-se deputado, sendo o mais votado do estado, apesar do seu curto mandato de vereador. Em 1954 foi eleito governador e, em 1961, Presidente da República.

Jânio conseguiu capitalizar a insatisfação das pessoas com a burocracia e a morosidade do Serviço Público. No governo do estado fez uma administração volante. Ele se apresentava em todos os lugares onde soubesse haver deficiências no serviço e, em particular, no atendimento ao público. O que seria justa cruzada contra a ineficiência do Serviço Público mostrou-se demagógica, quando ele a debitou à corrupção e ao descaso do funcionalismo. Mas sua demagogia funcionou, e foi utilizada daí por diante em suas campanhas, como símbolo e como mote. Para sua candidatura à Presidência, o símbolo foi uma vassoura, para varrer os corruptos, enquanto o mote foi o ato de varrer: ...varre, varre, vassourinha, do seu jingle de campanha. Os adversários os chamavam de “bruxo”, o que lhe veio a calhar, pois aumentou a simpatia da população, sedenta de novidades e de esperanças, que só um “bruxo” poderia realizar. Sua campanha foi arrasadora. Candidato de um pequeno partido, o PTN – Partido Trabalhista Nacional, mas apoiado por uma forte coligação liderada pela UDN, ele disparou na frente dos adversários. Teve 48% dos votos, o mesmo percentual de Getúlio, em 1950, contra 28% para Lott e 23% para Ademar de Barros.

O marechal Lott era um militar severo, de conduta moral rigorosa, avesso a qualquer tipo de demagogia ou de mentira, mesmo quando lhe eram plenamente favoráveis. Era um homem que raramente se vê na política de nossos dias. Firme, reto, convicto. Eu fui testemunho de um fato que prova isso.

A UNE era uma entidade isenta de vinculação partidária. Na mesma diretoria militavam pessoas de vários partidos, que só se mantinham unidas pela isenção partidária da entidade. Mas cada dirigente, como cidadão, tinha sua opção política ou partidária. Mesmo assim, alguns jornais diziam que ela era dirigida pelos comunistas, o que não era verdade. Em 1960, um grupo de dirigentes da UNE, UBES e UME – União Metropolitana dos Estudantes, esta do Distrito Federal, agendou uma visita ao candidato Lott, para lhe prestar homenagem e apoio na eleição. Ele ainda ocupava seu imponente gabinete no Ministério da Guerra. Ele nos recebeu gentilmente, ouviu a quem fez uso da palavra, pacientemente, e no fim agradeceu nossa visita. Mas ressaltou: “Quero avisar para vocês que eu não aceito apoio de comunista”.

Não se esperava que Lott ganhasse a eleição. Era querido e respeitado pela maioria dos brasileiros, mas suas posições duras causavam estranheza.

Mas, para a Vice-Presidência, o resultado foi diferente. Engajado e hábil, João Goulart venceu Milton Campos, o gentleman, ex-governador de Minas Gerais, candidato da UDN. O imbróglio estava arrumado. Não por conta dos eleitos, Jânio e Jango. Os dois eram dialogadores com jogo de cintura. Em São Paulo foi até feita uma dobradinha eleitoral com os dois candidatos, que atendia a parte da população trabalhadora. Ela foi divulgada como Jan-Jan (Jânio e Jango) e teve grande aceitação, favorecendo os dois, em prejuízos dos outros candidatos, Lott e Milton Campos. Mas havia um grande problema pela frente, o comando da UDN, especialmente Carlos Lacerda, que não queria o PTB no governo. Na visão dos udenistas, Jango arrastaria ao poder os sindicatos e, com eles, os comunistas. Na verdade, era apenas o ódio a Getúlio Vargas e à sua política a favor da soberania nacional.

Jânio assume a Presidência carregando consigo a grande expectativa que ele próprio criara na campanha, de acabar com a corrupção e com os “desmazelos”, como ele mesmo dizia. Mas era preciso encontrar a corrupção, que ele alardeara, e combatê-la. Para isso ele abriu sindicância para todos os lados, constrangendo a todos os funcionários, na maior parte, zelosos, capazes e honestos. Era preciso mostrar serviço e ele usou o que melhor sabia fazer, a pirotecnia. Proibiu os biquínis nos concursos de miss, as rinhas de galo, e o lança-perfume nos bailes de carnaval. Ele demitiu os funcionários contratados nos últimos meses do governo JK, embora na forma da Lei, como também o foram as demissões. E soltou seus bilhetinhos para

todos os lados e níveis da hieraquia, de ministros a contínuos.

Na sua função precípua de presidente, Jânio lançou-se em duas vertentes antagônicas. Na área econômica adotou a política do FMI, com a Instrução 204 da Sumoc, que aboliu a Instrução 70. Com exceção para a exportação do café, foi eliminado o câmbio diferenciado, abrindo o mercado livre do câmbio para a importação de quaisquer mercadorias. O dólar teve uma alta de mais de 100%. A inflação cresceu. Com o salário congelado, outro ato de sua política econômica, o trabalhador perdeu poder de compra. Toda a economia sofreu, reduzindo o apoio político ao governo.

Por outro lado, Jânio enviou ao Congresso um projeto de lei antitruste e outro de regulamentação da exportação de lucros, e criou uma Comissão para estudar a reforma agrária. Essas medidas estavam aparentemente em contradição com sua política cambial. Fica apenas a observação, já que elas não se consumaram, mas geraram descontentamento nas áreas da sociedade a favor do capital estrangeiro e contra a reforma agrária.

Na diplomacia, ele manteve a política externa independente de Getúlio e JK, desconhecendo a Guerra Fria, pedra de toque da diplomacia dos Estados Unidos, mas foi menos comedido que seus antecessores. Jânio restabeleceu as relações diplomáticas com a URSS e com a China. Na Conferência da Organização dos Estados Americanos, realizada em Punta del Leste, em agosto de 1961, credenciou o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, como membro da delegação brasileira. Não deu certo, porque Brizola abandonou a reunião por considerar a posição oficial do Brasil submissa às imposições americanas. Voltando dessa reunião, Che Guevara foi a Brasília visitar Jânio, e recebeu a condecoração da Ordem do Cruzeiro do Sul. No mesmo dia, em 19 de agosto de 1961, o Congresso dos Estados Unidos votou a favor do bloqueio econômico contra Cuba. A condecoração de Che foi um prato feito para a língua ferina de Lacerda, seu Clube da Lanterna, e para um grupo de militares. Alguns destes quiseram devolver a mesma comenda com a qual haviam sido agraciados anteriormente, mas foram contidos por seus respectivos ministros.

Inicia-se o processo de julgamento sumário de Jânio Quadros por Lacerda e seus seguidores. Em uma reunião de estudantes em São Paulo, no dia 22, Lacerda o acusa de estar preparando um golpe, para o qual fora sondado. Ele repetiria a acusação em cadeia de rádio e televisão, no dia 24 de agosto, aniversário da morte de Getúlio. Seria uma inconsequência de Lacerda essa hostilidade? Ou seria a continuidade do espírito golpista que o animava? A segunda hipótese era a mais provável. Diante de brutal pressão, Jânio renuncia através de um bilhete ao Congresso.

 

Ao Congresso Nacional. Nesta data, e por este instrumento, deixando com o Ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de Presidente da República. Brasília, 25-8-61.

 

Nas suas alegações, Jânio denuncia interesses de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior, que se levantaram contra ele. Nada de conclusivo. Os ministros militares convidam o presidente da Câmara Ranieri Mazzilli ao palácio e lhe dizem para assumir a Presidência. Os ministros deixam transparecer a Mazzilli que não aceitam Jango – que estava em viagem oficial à China – na Presidência. O impasse estava criado. Um novo poder já se manifestava e seria ainda mais explícito com o passar dos dias. Os golpistas voltaram a sair da casca, sempre com o objetivo de impedir o país de ter um projeto próprio, soberano. Tudo em nome da ameaça de um fantasma, o comunismo, mas na verdade para atender a um poder real que os apoiava, o dos Estados Unidos.

Rio  de Janeiro, 19/12/2016

 

 

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