Os novos barões do café (XI)-Soberania ou dependência


Soberania ou dependência

Arnaldo Mourthé

Na metade do governo de Getúlio o clima político esquentou. Os conservadores se articulavam com o intuito de derrubá-lo. Para isso buscaram o apoio dos norte-americanos que estavam mergulhados na Guerra Fria, e tinham interesses no Brasil. Em maio de 1953 a UDN fez uma convenção em que as teses de Carlos Lacerda prevaleceram, vencendo a linha moderada dos mineiros que buscavam o diálogo. Getúlio sentiu que sua política ficaria fragilizada se não tivesse um firme apoio popular. Ele decide nomear João Goulart, que ocupava a presidência do PTB, para o Ministério do Trabalho, em 17 de junho de 1953. O Congresso Nacional aprova a lei de criação da Petrobrás em 21 de setembro. Em 3 de outubro Getúlio sanciona a Lei 2004, que cria a Petrobrás e estabelece o monopólio estatal do petróleo. Uma semana depois, assina a Instrução 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito – Sumoc (autoridade monetária anterior à criação do Banco Central do Brasil), instituindo taxas múltiplas de câmbio para as importações. Em outubro, a FNM dá início à fabricação de caminhões e tratores, enquanto a CSN entra em fase conclusiva de sua expansão para produzir 710 mil toneladas de aço por ano. Em dezembro de 1953 Getúlio anuncia em discurso em Curitiba a criação da Eletrobrás, projeto que enviaria ao Congresso em abril de 1954. Aplicada apenas no terceiro semestre de 1953, a Instrução 70 da Sumoc revertera no mesmo ano a balança comercial brasileira. Enquanto em 1952 houve um déficit de onze milhões de dólares, em 1953 houve saldo de seis milhões de dólares.

A situação econômica do Brasil evoluía favoravelmente, assim como as finanças do Estado. A campanha do mar de lama conduzida por Lacerda não estava surtindo efeito. Afinal, eram ridículas as acusações da oposição ao governo e a Getúlio Vargas. A primeira, fora de privilegiar a Ultima Hora, jornal de Samuel Wainer, por ter obtido financiamento junto ao Banco do Brasil. Para apurar supostas irregularidades, foi aberta uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Quiseram envolver autoridades no suposto esquema de favorecimento e solicitar autorização para processar deputados governistas, mas nada coseguiram apurar. A Última Hora teve um financiamento de 26 milhões de cruzeiros. Na mesma época o jornal O Globo e uma rádio de propriedade de Roberto Marinho deviam ao mesmo banco 50,4 milhões de cruzeiros e a cadeia dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, devia 113,6 milhões de cruzeiros. Até mesmo a Tribuna de Imprensa devia cerca de 100 mil dólares ao Banco do Brasil.

Outra acusação era mais ridícula ainda, um suposto complô entre Jango e Getúlio de criar no Brasil uma república sindicalista, nos moldes do regime de Perón, e de um acordo secreto de Argentina, Brasil e Chile, para fazer frente à hegemonia continental americana. Mesmo sem qualquer fundamento, e desmentida pelos governos do Brasil e Argentina, através de sua diplomacia, a acusação era assunto recorrente nos jornais.

Em fevereiro de 1954 Jango propôs ao Presidente um aumento de 100% no salário mínimo. Ao mesmo tempo era discutida a questão de estender os direitos trabalhistas aos trabalhadores do campo. Em fevereiro de 1954 deputados da UDN e do PSP acusaram Jango de “estimular a formação de sindicatos rurais para levar o comunismo ao campo, enquanto a Confederação Rural Brasileira mandava um relatório nos mesmos termos ao Conselho Nacional de Segurança.” (José Augusto Ribeiro, A ERA VARGAS). Houve um Memorial dos Coronéis no mesmo mês, no qual 82 coronéis e tenentes-coronéis acusavam o governo de descaso em relação às forças armadas, combatiam o aumento do salário mínimo, na suposição que isso provocaria distorções salariais, aproximando-o do soldo de um oficial do exército.

Getúlio tentou acalmar a campanha de difamação exonerando João Goulart do cargo de ministro. Mas de nada adiantou sua decisão. A campanha visava mais a ele que a Jango. Para a oposição era preciso desmoralizá-lo, para justificar um golpe de Estado. Apesar de tudo, no dia 1º de maio de 1954, Getúlio decretou o valor do novo salário com 100% de aumento, como propôs Jango. A queda de braço continuou entre governo e oposição. Getúlio continuava a implantar seu programa de governo, de desenvolver o país com justiça social, enquanto a oposição buscava macular sua imagem com a campanha do mar de lama,

Como as denúncias infundadas não sensibilizaram a opinião pública, muito menos o povo das ruas e das fábricas, os articuladores do golpe tentaram um processo de impeachment. Eles conseguiram formar uma Comissão Especial da Câmara para apreciar a proposta. A questão então seria levada a plenário. Afonso Arinos de Melo Franco, líder da UDN no Congresso não acreditou na possibilidade de aprovar o impeachment no plenário, mas o brigadeiro Eduardo Gomes não abriu mão dessa ação, que Afonso Arinos considerava um erro político. Perdendo a votação a oposição sairia mais fraca e o governo mais forte. Mas os golpistas não davam a mínima atenção à opinião pública, eles queriam demonstrar a impossibilidade de derrubar Getúlio por via legal, incentivando os militares ao golpe.

O brigadeiro deve ter ficado contente. Afinal ele conseguiu o que queria. No lado da oposição a histeria aumentou na busca de um motivo para a prática da ilegalidade, o golpe militar. Lacerda subiu seu tom de provocação e era escoltado por oficiais da aeronáutica. Na madrugada de 5 de agosto houve um atentado a tiros contra ele, que apenas foi ferido no pé. Seu guarda-costas, o major Rubens Vaz, foi morto. O assassino, Alcino João do Nascimento, era matador profissional e foi logo identificado. Ele havia cometido outro assassinato na Pavuna, e estava sob investigação. A polícia investigava Soares de tal, um contrabandista marido da mulher que fora pivô do crime. Soares era amigo de Climério, auxiliar de Gregório, chefe da guarda pessoal do presidente. Climério tentou convencer a polícia que não devia incomodar Soares que colaborava com ele na segurança do Palácio do Catete. Dessa forma a polícia chegou a Gregório, que negou à polícia e a todos do governo, inclusive a Getúlio, que não estaria envolvido no crime.

Os militares abriram um IPM para apurar o crime, certos de poder envolver o Palácio do Catete e o próprio presidente. Formou-se um aparato inquisitorial que ficou conhecido como “república do Galeão. Gregório foi preso e acabou confessando ter sido o mandante do atentado. Ficava uma pergunta no ar. Por que Gregório teria feito aquilo? Até hoje não se sabe. Mas para os golpistas isso não interessava. O importante para eles era a saída de Getúlio Vagas do poder. E passaram a articular nesse sentido. Para esclarecer melhor essa questão política Darcy Ribeiro levanta vários questões e, principalmente, o projeto de Getúlio que tinha como fundamentos “uma política de desenvolvimento nacional autônomo, através do capitalismo de estado, e um programa de ampliação dos direitos dos trabalhadores”. (Nossa herança política, Getúlio Vargas. Revista Carta nº 11. Brasília; Senado Federal, 1994).

Os militares não perderam a oportunidade de intensificar a campanha de difamação contra Getúlio. Embora não tivessem contra ele qualquer prova, nem em relação ao mar de lama, nem quanto à sua responsabilidade no atentado a Lacerda que vitimou seu guarda-costas major Rubens Vaz, eles conseguiram coagir os próprios militares do gabinete de Getúlio e muitos dos seus ministros a convencer Getúlio a renunciar. No final, ele pode contar apenas com seus familiares, seus companheiros de partido e Tancredo Neves, que ficou ao seu lado até que ele recolheu-se em seu quarto, onde se matou. A resposta à conspiração às forças políticas entreguistas e raivosas, e aos militares de direita, foi dada nas ruas do Rio de Janeiro, quando do translado do corpo do Presidente para o aeroporto Santos Dumont. Uma manifestação de solidariedade jamais vista no Brasil, que alertou os políticos e os próprios militares, para que a democracia fosse preservada.

Quanto à política de Getúlio e sua trágica morte, o melhor documento foi escrito por ele mesmo, sua Carta Testamento, o documento histórico mais importante e contundente, até hoje redigido no Brasil, fundamental para a compreensão do que se passa hoje no Brasil.

Todo brasileiro, digno desse nome, deve lê-lo e relê-lo, até que ele passe a fazer parte da sua consciência, única força capaz de derrotar as forças malignas que tentam destruir nosso Estado e nossa sociedade, para submeter o nosso povo à humilhação e à espoliação.

Rio de Janeiro, 14/12/2016

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