Um assalto contra a saúde e a dignidade do trabalhador


Um assalto contra a saúde e a dignidade do trabalhador

Arnaldo Mourthé

Estamos vivendo hoje, dezembro de 2016, no Brasil, uma situação sui generis. Um Congresso na sua maioria corrupto, comandado por pessoas compatíveis com o colégio eleitoral que os escolheu, investindo de maneira raivosa contra o povo brasileiro, através de projetos de lei, incluindo emendas constitucionais, de autoria de um Executivo a serviço do capital financeiro internacional. Diante deste quadro dantesco estamos vendo conflitos de rua violentos envolvendo funcionários públicos de todos os setores e forças da Guarda Nacional, já que certos governadores já não podem confiar na sua própria polícia, submetida às mesmas agruras que os demais funcionários. Mas hoje falaremos apenas de uma questão, a Previdência Social.

O que vem a ser Previdência Social? É uma instituição conquistada a duras penas pelos trabalhadores ao longo da história, principalmente nos momentos mais cruéis enfrentados pelos povos, especialmente após inúmeras guerras, das quais podemos citar as de formação das modernas nações europeias na segunda metade do século XIX e nas duas guerras mundiais do século XX. Em situação de calamidade, as populações revoltadas com suas condições de vida e com a crueldade das guerras – nas quais seus familiares foram mortos -, envoltas na destruição e miséria, conclamavam por atenção e o pelo direito a um mínimo de dignidade.

Assim foram criadas as primeiras leis trabalhistas e de assistência social na Europa do século XIX, que foram ampliadas na sequência de cada uma das guerras do século XX. No Brasil, onde o trabalhador não teve vez por mais de 400 anos – 350 dos quais sob a escravidão de grande parte deles – os direitos trabalhistas e sociais só tiveram maior atenção dos governantes a partir da Revolução de 30. Daí por diante foram criadas leis de proteção ao trabalhador, mais tarde consolidadas na CLT, Consolidação das Leis do Trabalho, o voto universal para os alfabetizados, incluindo as mulheres, até então excluídas dos direitos políticos, e a ampliação e consolidação da Previdência Social, esta fundamental para o atendimento à saúde do trabalhador e sua dignidade na velhice, com seu direito à aposentadoria. Também no campo social, foram encetados grandes esforços no desenvolvimento da educação, com verbas substanciais, e da saúde.

Nos tempos da colônia, do Império e da República Velha, os barões, da cana, do ouro e do café impunham sua vontade ao povo, enquanto se submetia ao poder estrangeiro, da Metrópole, no período colonial, e ao capital estrangeiro, todo o tempo. Então a questão social era tratada como caso de polícia. Do bate-pau, no tempo dos senhores de engenho, à força nacional, em substituição à polícia militar onde os governadores já perderam sua respeitabilidade. Esse é o quadro do caos no país: nem o poder de policia pode ser aplicado com força própria por autoridades locais, desmoralizadas pela subordinação financeira ao governo federal, enquanto esse se põe de joelhos diante dos banqueiros e grandes investidores internacionais, à custa da miséria, da segurança, e da dignidade do povo brasileiro.

Agora, no desespero das contas públicas sangradas, em 50% do orçamento da União, pelos juros da dívida pública, o governo brasileiro se agacha perante o vampiro financeiro, instituído no mundo por um sistema falido com o objetivo de manter-se vivo, às custas da transferência do sangue dos pobres a seu cassino financeiro, feroz devorador de vidas e da liberdade humana.

Qual é o espírito da chamada reforma da Previdência? Ela pretende aumentar o tempo de contribuição, ou seja, atrasar a aposentadoria e reduzir seu valor. Enquadrar o servidor público no quadro da Previdência privada, quanto à sua remuneração, ou seja, com redução dos vencimentos após a aposentadoria, retirando um importante atrativo para o exercício da função pública. O objetivo é claro, desestimular a escolha do cidadão pela função pública e mesmo retirar desta os melhores quadros para o setor privado enfraquecendo o Estado. Uma manobra perversa, possível apenas quando se esconde o caráter espoliativo do setor privado, onde o objetivo é o lucro e não o atendimento às necessidades da população. A reforma da Previdência proposta pelo governo é uma das medidas de destruição da Republica, para usurpar da população sua condição cidadã. Restará para ela escolher entre viver explorada e submetida ou morrer. Com o aumento do tempo de contribuição o governo parece querer que o trabalhador morra antes de aposentar-se. Um crime contra a humanidade.

A imbecilidade dos autores dessa tragédia é tamanha, que não acreditam que possa haver no Brasil pessoas capazes de identificar os absurdos da sua proposta. Em um país com mais de 12 milhões de desempregados declarados e outro tanto daqueles que desistiram de procurar por emprego, ou se ocupam de atividades várias na tentativa de sobrevier, biscates, camelôs, ou simplesmente jovens ociosos, sujeitos aos encantos do dinheiro “fácil” do crime organizado, como propor o aumento do tempo de serviço do trabalhador?

A solução está no contrário. Seria a redução da jornada de trabalho para empregar desempregados e reduzir a calamidade, e investir no desenvolvimento humano, mais escolas, mais saúde pública, mais saneamento, melhores transportes, incentivo às artes e aos esportes. Mas é tudo o contrário. Não querem resolver os problemas do país. Querem levá-lo à inanição e, com ela, pretendem submeter o país aos vampiros do capital financeiro internacional. Esse é um projeto mundial, que manifesta no Brasil, hoje, de forma brutal. Por que? Porque nós somos o país mais rico do mundo em riquezas naturais, habitado por um povo generoso e trabalhador, palco e atores melhores para o espetáculo de um pequeno grupo de família de grande fortuna, que tenta dominar o mundo, diante do quadro desolador de seu projeto de sociedade falido, e em fase terminal.

Brizola antevia muito bem essa situação. Ele usava a parábola do fazendeiro para bem explicar o que estava acontecendo no Brasil. A vaca (o povo) é boa de leite (produz muito), o pasto (o Brasil) é ótimo. O negócio é amarrar a vaca e tirar o máximo de leite possível. Acontece que o fazendeiro paga a vaca e o custeio do pasto, então será zeloso no tamanho da exploração da vaca, deixando um pouco de leite para o bezerro e mantendo sua saúde, para novas crias e mais leite. O capital que nos quer dominar não contribuiu em nada para nossa existência, ele quer simplesmente espoliar o que puder e deixar morrer aquele que não lhe seja útil.

Vamos deixar que o espoliador tome iniciativas contra nós? Eles e seus prepostos devem ser barrados nas suas pretensões. Isso me faz lembrar o chefe índio Arariboia, fundamental na expulsão dos franceses do Rio de Janeiro: “Esta terra tem dono”.

Rio de Janeiro, 08/12/2016

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