Os novos barões do café (XII) – JK e a queda de braço com a direita raivosa


JK e a queda de braço com a direita raivosa

Arnaldo Mourthé

            O governo de Café Filho, que sucedeu a Getúlio Vargas, colocou como ministro da Fazenda o economista Eugênio Gudin. Este aplicou uma política de estabilização econômica, com contenção de despesas, da circulação da moeda e do crédito. Como consequência, reduziu o mercado consumidor provocando o encolhimento de alguns setores industriais. Gudin também editou a Instrução 113 da Sumoc, facilitando a entrada de investimentos estrangeiros no Brasil. Nos ministérios militares, Café Filho fez uma política de equilíbrio de forças. Na Aeronáutica colocou o brigadeiro golpista Eduardo Gomes e no da Guerra o general Henrique Lott, conhecido por seu zelo disciplinar. Os outros ministros eram técnicos sem maior expressão política.

Submetido à pressão para impedir a posse de Juscelino Kubitschek, que ganhara as eleições, Café Filho alegou problemas de saúde, internando-se em um hospital. Carlos Luz assume a Presidência como presidente da Câmara dos Deputados e favorece a ação golpista dos udenistas, o que levou a uma intervenção de Lott, ministro da Guerra, e à ocupação da Presidência pelo presidente do Senado Nereu Ramos. Lott e Nereu Ramos garantiram a sucessão democrática dando posse a Juscelino e a seu vice João Goulart.

 

* * *

            Juscelino foi uma figura lendária na política brasileira. Ele nasceu em 1902, filho de João César de Oliveira, que fora mascate, depois fiscal de rendas da Prefeitura, e da professora Júlia Kubitschek. Seu pai morreu em 1905, deixando duas crianças, ele e sua irmã Maria da Conceição, nascida em 1901. Os dois foram criados pela mãe. Ele viveu em um meio altamente intelectualizado e respirava cultura. Formou-se em medicina e se especializou em Paris. Era urologista e cirurgião. Mas não foi isso que o notabilizou. Foi seu espírito libertário, alegre, fraternal e impetuoso. Comemorou em Paris a vitória da Revolução de 1930 e ingressou na Polícia Militar de Minas Gerais, em 1932, como oficial médico. Logo teve a oportunidade de revelar outro lado do seu caráter, que não era até então muito conhecido, a coragem. Eclodiu a “Revolução Constitucionalista”. Ele foi destacado para atuar na defesa do Túnel da Mantiqueira, onde se travou uma batalha decisiva da guerra civil, que os paulistas fizeram com a intenção de derrubar Getúlio. Juscelino ganhou ali a admiração do interventor do estado, Benedito Valadares. Este, depois de muita insistência, fez dele chefe de sua Casa Civil, cargo onde ficou por pouco tempo. Naquele mesmo ano foi eleito deputado federal, exercendo o mandato até o fechamento do Congresso em 1937, com o Estado Novo. Retornou então à sua função de médico da Polícia Militar.

Em 1940 foi nomeado prefeito de Belo Horizonte por Benedito Valadares. Imprimiu à Prefeitura uma forte dinâmica de trabalho e notabilizou-se pelas obras de saneamento e vias públicas, mudando a face da cidade. Sua fama transcendeu as fronteiras de Minas, com as famosas obras da Pampulha, Igreja, Cassino e Casa do Baile, de estilo moderno, e que projetaram também Niemeyer, Portinari e Burle Marx, seus autores. Em 1945 foi eleito deputado federal e constituinte. No Parlamento deixou sua marca com seus discursos, elegantes e incisivos, algumas vezes burilados pelos dotes literários do poeta Augusto Frederico Schmidt.

Juscelino venceu as eleições para o governo do Estado de Minas Gerais em 1950. Ele estava plenamente imbuído do espírito de Minas da época, de promover o desenvolvimento do estado. Seu lema de campanha foi Energia e Transporte, ao qual se deu o nome de binômio. Ele estava seguro de que esse era o caminho a percorrer, pois sem esses dois instrumentos era inútil pensar em desenvolvimento. Criou a Cemig, construiu cinco usinas hidrelétricas, e três mil quilômetros de rodovias. Depois da morte de Getúlio, houve um grande movimento para fazer de Juscelino, então governador do Estado, candidato à Presidência da República. Não foi uma tarefa fácil. A oposição principal, a UDN, era forte no estado e estava disposta a fazer tudo para chegar à Presidência. Para vencer, Juscelino teria de se aliar ao PTB. O udenismo, que havia adquirido os métodos de Lacerda de desmoralizar seus adversários pela difamação, não poupou Juscelino. Mas, corajoso, ele candidatou-se, tendo Jango como candidato a vice-presidente, representando o PTB. A batalha foi renhida.

Juscelino partiu para uma posição audaciosa, desconcertando seus adversários. Despertou os mais recônditos sentimentos dos mineiros, suas esperanças do tempo da Inconfidência, e suas feridas, das frustrações produzidas pela repressão da Corte portuguesa. Getúlio havia rompido as amarras que impediam o desenvolvimento. Ele dotou o país com uma legislação social que ampliou a cidadania. Melhorou e difundiu a educação e os serviços de saúde pública. A administração do Estado foi aprimorada, com funcionários instruídos em um sistema de formação permanente, o Dasp – Departamento Administrativo do Serviço Público. Construiu a siderurgia de grande porte, desenvolveu a hidroeletricidade, construiu estradas e, finalmente, criou a Petrobrás que despertara tantos ódios. Juscelino confiou no encantamento daquele momento por que passava o Brasil, e especialmente Minas Gerais, impulsionado pela ação do Estado, com sua contribuição direta e entusiasta. Lançou seu Programa de Metas, com enfoque na energia, no transporte, na alimentação, indústria de base e educação. No meio da campanha anexou a ele a construção de Brasília. Sintetizou tudo isso no slogan Cinquenta Anos em Cinco. Jogou todo seu carisma na campanha, para a qual contava com a sustentação dos trabalhadores, liderados por João Goulart, o Jango, herdeiro político legítimo de Getúlio Vargas.

A eleição foi difícil. Havia dois outros fortes candidatos, o ex-general Juarez Távora, pela UDN, e o ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, pelo PSP – Partido Social Progressista. E ainda, Plínio Salgado, ex-líder dos integralistas, de tendência fascista, pelo PRP – Partido de Representação Popular. Juscelino, além de firmar a aliança com o PTB, buscou a unidade do PSD, visitando as velhas lideranças no interior do Estado. Em Belo Horizonte sua posição estava consolidada e nos outros estados ele contava com sua forte aliança, seu forte carisma e suas ousadas bandeiras de campanha. Juscelino era acusado pelos adversários de ser leviano, talvez por sua alegria e sua audácia. Mas, na verdade, ele era trabalhador pertinaz e determinado, quase um messiânico, tal sua determinação e fé. Em um primeiro momento, corria o rumor, orquestrado pela imprensa de Carlos Lacerda, de que Juscelino seria vetado pelos militares, por ser apoiado pelos comunistas. Os militares chegaram a enviar uma carta ao presidente Café Filho sobre o tema, mas nela não constava nome de nenhum candidato. Para Juscelino, a questão não tinha a ver com ele, e candidatou-se. Quem o conhecesse diria que se candidataria de qualquer forma. Seria uma bela oportunidade de desmascarar o golpismo e os golpistas.

Na eleição JK teve 3.077.411 votos, contra 2.610.462 para Juarez Távora, 2.222.725 para Ademar de Barros e 714.379 para Plínio Salgado. A oposição não queria a posse de JK, sob alegação de que ele não teve maioria absoluta, o que a legislação não exigia. A atuação de alguns militares foi acintosa, o que o general Lott, ministro da Guerra, considerou insubordinação. Lott pretendia punir o coronel Mamede, mas ele estava fora da jurisdição do seu Ministério. Tentou outra instância, o Estado-Maior, mas sem resultado. No dia 10 de novembro foi ao presidente em exercício, Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados. Café Filho, havia se recolhido ao hospital no dia 8 de novembro, enfermo, e fora considerado temporariamente impedido. Carlos Luz não acata a solicitação e desconsidera o ministro, o que abalaria sua autoridade perante a tropa. Lott articula seus comandados, destitui Carlos Luz e entrega o poder ao Senado, que empossa na Presidência da República seu presidente Nereu Ramos. A posse de Juscelino estava garantida pelo Senado da República e pelo Exército sob o comando do general Lott.

Rio de Janeiro, 15/12/2016

 

 

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