A questão da Previdência em poucas palavras


Prezados amigos,

Volto hoje a tratar do caos em  que o capital financeiro internacional meteu o Brasil. Desta vez o assunto é a Previdência Social. Segue abaixo um artigo meu de 2003 sobre o tema que, na época, também foi levado, sem êxito, ao Congresso Nacional. O fato interessante é a coincidência de termos em cargo chave do governo o mesmo personagem que vem tramando contra a soberania nacional: Henrique Meirelles, colocado no governo por Lula a pedido de George W. Bush. Depois voltarei falando do projeto apresentado pelo governo Temer ao Congresso.

Um grande abraço,

Arnaldo Mourthé

A questão da Previdência em poucas palavras

O governo propôs ao Congresso uma reforma da Previdência Social que impõe a contribuição do aposentado, estabelece teto para a aposentadoria dos servidores públicos e cria em conseqüência um fundo ou fundos complementares, aumenta a idade mínima para a aposentadoria, o tempo de serviço e de contribuição, dentre outras questões. Como não há fundo complementar público, ele deve privado. A aposentadoria complementar seria por contribuição definida e benefício variável em função do rendimento de mercado dos recursos aplicados e não de benefício definido, como é hoje. Num quadro de iminente crise financeira internacional, todo o pecúlio gerido pelo setor privado pode transformar-se em pó, o mesmo acontecendo com a aposentadoria complementar, como já ocorreu com a CAPEMI, no passado, e com o fundo dos funcionários da Enron, recentemente, nos EUA. Lembremos dos grandes bancos falidos no Brasil e socorridos com recursos públicos, cerca de US$ 30 bilhões, através do Proer. Todos quebraram por fraudes e/ou gestão temerária.

 

Alega-se, como justificativa para essa ousada aventura, um rombo da previdência pública que onera o orçamento público e tende a inviabilizá-lo, pois esse déficit seria crescente. Será isso verdade? Vamos aos fatos:

 

A partir da Constituição de 1988, a Previdência Social foi incluída no conceito de Seguridade Social, artigos 194 e 195, citados parcialmente abaixo:

 

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. …

 

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

            I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

            II – dos trabalhadores;

            III – sobre a receita de concursos de prognósticos.

§ 4o A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecendo o disposto no art. 154 I. …

 

Em 2002 a Seguridade Social, com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), ou seja, INSS, teve receitas de R$ 159,73 bilhões e despesas de R$ 123,42 bilhões, ou um saldo de R$ 36,31 bilhões. Em 2000 e 2001 esses saldos foram respectivamente de 26,644 bilhões e 31,464 bilhões. Portanto há um superávit crescente no sistema. Nos últimos três anos o saldo acumulado foi de R$ 94,416 bilhões.

 

A despesa total do pessoal do Serviço Público, ativos e inativos, em relação à Receita Corrente Líquida da União (RCL) foi de 54,5% em 1995 e 36,7% em 2002, apresentando queda substancial que reflete o arrocho salarial do Servidor Público. Para os civis a queda foi de 38,17% para 24,77% e para os militares de 12,49% para 10,20%.

 

As aposentadorias e pensões do Setor Público, em relação ao PIB, representaram um total de 2,35% em 1995 e 2,42% em 2002, respectivamente 1,64% e 1,47% para os civis e 0,70% e 0,95% para os militares.

 

Esse quadro é o reflexo, além do arrocho salarial, da redução do número de servidores ativos que passou de 750.000 em 1989 para 450.000 em 2002, com a aplicação da política do “Estado mínimo” e, em conseqüência, da redução dos serviços prestados à população e do aumento do número de aposentados, portanto do custo dos inativos.

 

Os dados acima provam que não é a Previdência Social, seja a do Servidor Público seja o Regime Geral (RGPS), ou a Seguridade Social, como prevista na Constituição de 1988, que produzem rombo nas contas públicas, mas outras despesas, sobretudo os juros da dívida pública.

 

Apesar do aumento da arrecadação de R$ 187.403 milhões em 1995 para R $476.570 milhões em 2002, os juros cresceram em relação à arrecadação de 26,01%, em 1995, para 40,00% em 2002, enquanto a dívida interna federal pulou de R$ 118.490 milhões para R$ 687.300, no mesmo período. Essa, somada à divida externa elevou o montante da dívida federal para cerca  de R$ 1 trilhão e 200 bilhões de reais, e continua a subir.

 

A dívida pública continua a crescer para pagar juros e financiar toda sorte de aventura financeira. Para alimentar essa especulação desenfreada é que a União vem cortando investimentos e arrochando seu funcionalismo e agora quer até arrecadar uma contribuição do servidor inativo, o que é um contra-senso. É uma ruptura contratual que o governo não ousa fazer com os banqueiros, concessionários de serviços públicos ou investidores em títulos públicos. A excessiva taxa de juros imposta por um grupo de banqueiros e seus serviçais aboletados no Copom, acelera esse processo de destruição das finanças públicas e da própria instituição Estado. Estamos assim correndo o risco de termos todo o nosso patrimônio nacional alienado, incluindo nosso território, fonte inesgotável de energia, ambição maior do capitalista internacional.

 

Outras alegações para justificar a reforma são os “altos salários” do servidor e sua condição de privilegiado. Isso é verdade? Não, é mentira.

 

Um diretor de uma grande empresa privada recebe maiores salários que um ministro do Supremo Tribunal Federal. Só a remuneração de aposentado do ex-presidente do Banco de Boston, Henrique Meireles, hoje presidente do Banco Central do Brasil, é suficiente para pagar os proventos dos onze ministros do STF. Um professor universitário com doutorado e trabalhando a tempo integral numa universidade pública federal ganha menos que qualquer gerente de uma empresa de médio porte, apesar de ter maior escolaridade e formação mais sólida. Nem se fala do professor primário que ganha menos que um camelô. Comparar a situação de um cortador de cana com um procurador ou professor universitário para demonstrar esse falso privilégio é uma desonestidade.

 

As injustiças da sociedade brasileira não podem ser debitadas ao servidor público. Elas são obras da nossa elite colonizada e sócia menor na espoliação do colonizador. As mesmas que agora se empenham em destruir o Estado democrático, ou de bem estar social, a começar por destruir a carreira do servidor e o serviço público. Porque sem servidor não há serviço público e, sem esse, o Estado não passa de uma intenção, de uma utopia. Os senhores do capital têm esse objetivo, destruir o Estado nacional e como ele a democracia e o estado de direito, ou seja, as instituições que sustentam a sociedade e a liberdade e direitos de seus membros.

 

Quando um servidor opta por ganhar menos, pela estabilidade e a garantia de uma aposentadoria integral, ele assina com o Estado um contrato de adesão que não pode ser alterado por ato unilateral. Não há nenhum privilégio nessa escolha, mesmo porque qualquer cidadão pode ser um servidor, desde que se submeta a um concurso público e seja nele aprovado. O Estado brasileiro, através do seu governo, ao infringir esse contrato está rompendo com o estado de direito e com a democracia, em ato de submissão a exigências inaceitáveis de instituições estrangeiras e de interesses espúrios. Está capitulando diante do inimigo e renunciando à nossa soberania e ao nosso futuro enquanto nação.

 

Não é a reforma da Previdência Social que deveríamos estar discutindo agora, mas a substituição do modelo econômico neoliberal que gerou a grande crise social do país, com a recessão, o desemprego, o esfacelamento do Estado e do Serviço Público, gerando o caos social e a insegurança do cidadão. Precisamos substituir a capitulação diante do capital financeiro por um projeto de construção de um país soberano e próspero, através da mobilização de toda a sociedade e de nossa capacidade produtiva, em particular com o concurso de todos os trabalhadores, hoje em grande parte desempregados ou mal utilizados.

 

A reforma da Previdência como está sendo conduzida pelo governo é uma fraude, que destruirá o mais importante patrimônio dos nossos trabalhadores, a Previdência Social, e coloca em risco o Estado Democrático e, em conseqüência a própria nação brasileira.

 

23/07/2003

 

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