Investigando a tragédia nacional – “O quinto dos infernos”


“O quinto dos infernos”

Arnaldo Mourthé

Nos primórdios da colonização do Brasil D. João III decidiu conceder a exploração do território a pessoas de sua confiança e com posses, capazes de fazer os investimentos necessários a tamanha empreitada. Isso se deu nos anos de 1534 a 1536. Assim foram criadas as capitanias hereditárias, concessões territoriais aos donatários, seus governadores, com o poder de explorarem suas riquezas, mas sem direito de propriedade das terras. Para tal ele usou dois instrumentos jurídicos, a Carta de Doação, que concedia a posse e a Carta Foral, que explicitava direitos e deveres dos donatários. Foram doze donatários para as quinze capitanias criadas. A eles foi conferido o direito de escravizar os índios, para os trabalhos na lavoura ou para enviá-los a Portugal, nesse caso em número limitado. Lhes era garantido o direito de cobrar 10% sobre as pedras e metais preciosos retirados de seu território e o dever de recolher mais 20% para a Coroa portuguesa. A liberdade do donatário era enorme. Ele administrava e explorava o território, tinha o poder de subconceder terras para exploração a terceiros e de combater os intrusos ou os índios que impedissem as ações de colonização.

No período da exploração do ouro na região das Minas, de onde veio o nome do Estado, Minas Gerais, foi mantido o tributo de 20% do valor de todo ouro ali extraído. A riqueza era enorme. Apenas a região das Minas produzia mais ouro que todo o resto do mundo. Daí a riqueza do Império português. Ouro preto era a segunda maior cidade do Império, depois de Lisboa. Era também a segunda maior cidade das Américas, depois da cidade do México,  construída sobre a capital do Império Asteca. O Brasil não apenas financiou a expansão do Império português como enriqueceu os banqueiro da Inglaterra e dos Países Baixos. Dali adveio a força do sistema financeiro mundial  que hoje invade o mundo por toda parte na tentativa de dominá-lo.

Com a redução das minas de aluvião, as catas, e o impedimento da criação de indústrias necessárias para a produção de equipamentos para a perfuração de minas e buscar o ouro nas entranhas da terra, como mais tarde se fez e até hoje se faz. Houve uma grave crise econômica nas áreas de mineração. A indignação dos mineiros produziu o momento independentista Inconfidência Mineira, que todos nós devemos conhecer. Mesmo assim o quinto do ouro foi mantido a ferro e fogo. Os catadores se arruinavam e a economia se estagnava. Quando da cobrança do tributo, o contribuinte costumava dizer: “Vai buscar o quinto nos infernos”. Daí surgiu a expressão “quinto dos infernos”, o imposto cobrado para a Corte portuguesa, título deste artigo.

Apesar dos tributos à Corte e dos 350 anos de escravidão o Brasil se fez Nação. Mas nossa nação está sendo demolida pelo novo “quinto dos infernos”, que são os juros da dívida pública brasileira. Os Inconfidentes de insurgiram contra a cobrança do quinto do ouro. Mas o Brasil continuou a trabalhar para manter-se e crescer, além de alimentar os vampiros internacionais. Não fosse essa espoliação seria uma das nações gigantes do Planeta. Mas a espoliação cresceu exponencialmente. Nós não pagamos apenas o “quinto do ouro” e dos outros metais e pedras preciosas. Nós pagamos “o quinto dos infernos” sobre tudo o que nós produzimos, mercadorias ou serviços. Essa situação fez com que nossos serviços públicos se deteriorassem e nosso patrimônio, público e privado, vendido ao capital estrangeiro. Somos hoje uma nação ocupada pelo capital financeiro, fonte da epidemia de corrupção que demole e desagrega o País. Se você duvida do que afirmei acima, informe-se sobre a dívida pública e suas consequências, e a participação do capital estrangeiro na nossa economia.

A queima do Museu Nacional não foi por omissão ou descaso de gestores ou funcionários. Pelo contrário, eles se sacrificaram durante muitos anos para mantê-lo funcionando. Ela foi produzida pela demolição do Estado e da Sociedade, de forma deliberada pela ganância dos investidores e a corrupção de políticos e formadores de opinião.

Nós já nos referimos à Inconfidência Mineira. Lembremo-nos também dos abolicionistas que combateram a escravidão. Foram muitos. Para representá-los, transcrevo abaixo pequenos trechos de dois poemas de Castro Alves, “Navio negreiro” e “Vozes d’África”.

 

Navio negreiro

Senhor Deus dos desgraçados!  
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?…
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados  
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz? 

                        *

Vozes d’África

Deus ó Deus! Onde estás que não respondes?

Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes

Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,

Que embalde desde então corre o infinito…

Onde estás, Senhor Deus?…

A resposta virá, embora muitos não creem. E é para já!

Rio de Janeiro, 05/9/2018.

 

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