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10, fevereiro 2017 2:19
Por admin

A bomba explode no colo de Dilma Rousseff

Arnaldo  Mourthé

Dilma Rousseff foi eleita pelo PT, em 2010, em substituição a Lula, do qual ela havia sido ministra, da Energia e depois da Casa Civil, em substituição a José Dirceu envolvido no escândalo do Mensalão. Quando no Ministério da Energia ela havia sido presidente do Conselho de administração da Petrobrás. Em um quadro de instabilidade do PT, que teve suas principais lideranças envolvidas no escândalo do Mensalão, ela tornou-se a principal opção do partido para suceder a Lula que tornou-se seu cabo eleitoral Apesar do escândalo, Lula manteve seu prestígio de líder popular e conseguiu levar Dilma à vitória na primeira eleição que ela se candidatou; Foi um feito político extraordinário.

Sua administração seguiu o caminho das anteriores, de entregar a política econômica do governo aos banqueiros, principais interessados nas decisões dos ministros da Fazenda e do presidente do Banco Central. Continuou, portanto, a política suicida que começou com Fernando Henrique sobre a qual falamos no capítulo sobre o neoliberalismo.

Sua ação estava em contradição com sua história de resistência contra a ditadura. Com a redemocratização ela inscreveu-se no PDT. Como tal ela foi secretária de Minas e Energia no governo do Estado do Rio Grande do Sul, quando o petista de Olívio Dutra foi governador em 1999 fruto de uma aliança no Estado entre os dois partidos. Quando a aliança se desfez ela se recusou a deixar o governo desligando-se do PDT e se inscrevendo no PT. Nesse ato ela assumiu seu destino, seja para o êxito que ela alcançou, chegando a Presidente da República, seja pela decepção do impeachment.

A contradição entre sua condição de resistente, contra a ditadura militar, e sua adesão ao PT que a levou a adotar a política neoliberal contra os interesses do povo brasileiro, causou espanto por parte de muitas pessoas, inclusive eu. Quando ela resolveu fazer a concessão de áreas do Pré-sal, para empresas estrangeiras, eu escrevi um artigo questionando quem seria ela. Nele eu fiz um ligeiro retrospecto sobre a história do petróleo no Brasil, intitulado Lembrete à presidente Dilma Roussef. Nele eu pedi uma posição clara dela:

“E a senhora, presidente Dilma”?

“Está mesmo disposta a entregar aos gringos o Pré-sal e as áreas de exploração do petróleo que restaram, depois de sua alienação a preço de banana pelos entreguistas Fernando Henrique e Lula? Ou vai despertar a guerrilheira da COLINA         e da VAR-Palmares, a quem o povo brasileiro confiou a Presidência da República?

“Qual o título que a senhora levará para a história”? A de entreguista ou a de guerrilheira-estadista, defensora da soberania nacional e do povo brasileiro?

“A escolha é de Vossa Excelência.”

Ela escolheu a primeira opção. Assumiu a responsabilidade das consequências que sua política traria, par o Brasil e para ela. Talvez pensando na impunidade, sob a alegação geral de “não haver alternativa”. De fato a alternativa poderia ser dolorosa, como o foi para Getúlio Vargas e para João Goulart. Mas coube a ela fazer a sua escolha. Se o fez para sua segurança fez a escolha errada. Quando a Operação Lava Jato revelou toda a corrupção que estava ocorrendo no Brasil, ela serviu de “bode expiatório” e foi cassada pelo impeachment.

Mas a corrupção não começou com o Lula. Na sua última versão, a de favorecer a política nefasta do capital financeiro internacional, ela já havia se revelado claramente e comprovadamente no Mensalão, com a compra de votos para as “reformas” contra os trabalhadores promovidas por Lula, e as ainda não plenamente reveladas na compra de votos, também no Parlamento, para aprovar as privatizações e a reeleição de Fernando Henrique. Na iminência da vinculação da corrupção com o projeto neoliberal, foi melhor para seus defensores oferecer em holocausto o sacrifício de Dilma, uma guerrilheira contra a ditadura, tentando restringir a corrupção à Petrobrás e às empresas de engenharia brasileiras, matando dois coelhos com uma cajadada só.

Isso porque a grande corrupção é a dos altos juros da dívida pública que foi construída para liquidar com a República, através do enfraquecimento do Estado e destruição dos serviços públicos. Se há dúvidas sobre isso, caro leitor, você poderá confirmar isso depois de conhecer a natureza e a realidade do poder que veio substituir Dilma e o PT. Prepare seu estômago, porque não será fácil saber tudo que vem a seguir nesse pequeno e singelo livro.

Rio de Janeiro, 05/01/2017.

08, fevereiro 2017 2:41
Por admin

Lula e marginalização da Esquerda

Arnaldo Mourthé

Nós já vimos como o PT foi criado, para bloquear o caminho da esquerda brasileira. Esta tinha como maior expressão eleitoral o trabalhismo desde Getúlio Vargas. Havia outras correntes políticas como os socialistas e os comunistas, que também deveriam ser barradas. Esta última corrente foi usada como justificativa, sem razão de ser, desse bloqueio. A questão era a de não permitir que a luta pela verdadeira República prosperasse no país, pois ela seria um obstáculo intransponível para o projeto de colonização do Brasil.

Lula e o PT haviam tentado por três vezes chegar a Presidência. A primeira contra Collor e as duas outras contra Fernando Henrique. Em 2002 houve a quarta tentativa. Tudo indicava que seria outro fracasso. Havia ainda uma consciência política que resistia às promessas e pirotecnias do PT. O PSDB indicou José Serra como seu candidato, com toda sua soberba e ar professoral que não tinha apelo popular. Para fugir à opção entre PSDB e o PT, que Brizola chamava de “escolha entre o diabo e o coisa ruim”, foi formada uma coligação entre PDT, PTB e PPS, sob a denominação de Frente Trabalhista.

O candidato escolhido foi Ciro Gomes, filiado ao PPS, homem simpático e com posições progressistas. Houve uma grande aceitação do seu nome. Nas primeiras pesquisas ele disparou na frente, chegando a bater os 30% da preferência popular. Apesar dos escassos recursos financeiros, houve a esperança de termos um presidente representando as forças políticas populares. Mas não foi assim. Ciro revelou-se um temperamental. Falou nele mais alto sua formação de quadro da oligarquia do Nordeste. Ele escorregou diante de provocações em um de seus eventos de campanha, menosprezando um interlocutor. A mídia não perdoou. Ele passou a ser mostrado como alguém sem estabilidade emocional para a Presidência. Alguns conflitos ocorreram com sua equipe que dirigia a campanha. Ciro despencou nas pesquisas, ficando em quarto lugar no resultado eleitoral. Sobraram Lula e Serra, que foram para a disputa no segundo turno. Estava colocada de novo a opção entre o diabo e o coisa ruim.

Essa questão afetou particularmente o PDT, que liderava a coligação através de Leonel Brizola. Que fazer diante daquele quadro desfavorável. A questão do PT fora discutida inúmeras vezes pelo PDT, sobretudo devido às dificuldades que o PT criava para nossas administrações. Lembremos a questão da eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, quando o PT impôs a seus deputados a abstenção. Os sindicatos do PT eram vezeiros em bloquear as administrações públicas, que não estavam sob seu controle. Nós tivemos vários conflitos com eles, que não cabem ser analisados aqui. Mas era preciso tomar uma decisão sobre a participação do PDT naquele segundo turno. Minha posição foi pelo voto nulo, numa demonstração clara que aquela opção não servia ao País. Argumentei que o projeto do PT era, assumido o poder, ficar nele por cinquenta anos. O número de anos era uma força de expressão, ou seja, o PT queria o poder para sempre, ou pelo menos enquanto o Lula vivesse. Afinal Fidel não estava no poder há mais de 40 anos? A comparação é folclórica, mas na cabeça dos dirigentes do PT, as condições históricas e a sociedade não precisavam ser levadas em conta. Tudo era uma questão de oportunidade. Não foi por outra razão que o seu poder levou o País ao caos. Minha posição foi desprezada, pois havia outras questões em jogo, especialmente as eleições para os governos dos Estados.

O realismo político não era exclusividade do PT. Embora fossem mais autênticos, os outros partidos que representavam setores da sociedade e eram guiados, de uma maneira ou de outra, por uma ideologia, tinham que enfrentar uma realidade política adversa. Pressões locais ajudaram na decisão por uma aliança do PDT com o PT para o segundo turno. Sem ela o PSDB seria o grande vencedor das eleições daquele ano e o modelo neoliberal de Fernando Henrique se consolidaria.  A história mostrou que a escolha de Lula fora um erro político, que pode ser justificado pelas circunstâncias. Mas, o que seria, se não fosse assim? Se o Serra  ganhasse a eleição, tudo indica que não deveria haver quadro melhor do que esse tenebroso em que enfrentamos. Afinal, as causas produtoras do nosso caos social vêm do exterior.

Há no ar uma perguntae frequente, por que a esquerda no Brasil está tão fraca? Espero ter dado algumas informações para mostrar como isso se deu. Mas elas não são suficientes. O fenômeno também está ocorrendo fora do Brasil. A explicação mais completa dele é que estamos vivendo um momento surrealista em todo o mundo. A esquerda, desde a Revolução de Outubro na Rússia, ficou circunscrita à defesa dos direitos civis e dos trabalhadores em face da exploração do sistema capitalista.Tudo se desenvolveu em torno da discussão da divisão dos frutos do trabalho, entre trabalhadores e empregadores, em torno dos salários de um lado e da taxa de lucro do outro.

Não se cogitava de outras questões desse chamado mundo moderno da comunicação instantânea que movimenta o capital pelo Planeta, de forma estarrecedora, à procura de melhores rendimentos. Não se cogitava também de uma economia escrava de um sistema financeiro operando dinheiro falso, papel moeda emitido sem lastro, e fraudulentamente contabilizado sob a forma de dívidas públicas, forjadas para armazenar o dinheiro sem lastro, para que não circule, pois contaminaria a economia com uma inflação catastrófica, destruindo o próprio sistema. Além disso, a dívida pública coloca os governos em posição de vulnerabilidade pela incapacidade de pagá-la, ofereceram favores absurdos aos credores. Estes, organizados em torno de conglomerados bancários que dominam não apenas países periféricos como o Brasil, como os mais capitalizados, como o próprio centro do sistema, os Estados Unidos.

É diante desse quadro que deve ser pensada a militância política de nossos dias. Os velhos padrões e chavões, não funcionam mais, pois toda a sociedade é escrava do capital financeiro, que tudo domina, esmagando países, destruindo culturas, sacrificando povos, gerando a miséria e o sofrimento em um mundo em que as pessoas perderam a referência da realidade. Para isso usam todas as armas, das mais destrutivas do ponto de vista material às mais sutis, como a alienação através da comunicação sob as formas mais variadas. É contra esse estado de coisas que nós devemos atuar.

Mas vamos continuar nossa análise da história do poder no Brasil. Em seguida voltaremos a essa questão que é, sobretudo, a mais importante nos dias de hoje.

Rio de Janeiro,29/12/2016

 

06, fevereiro 2017 12:35
Por admin

O governo Lula

Arnaldo Mourthé

Lula não era um político burguês, nem um representante das oligarquias agrárias, ele era um líder sindical em um núcleo poderoso da indústria brasileira, o ABC paulista, onde se encontrava as maiores fábricas do setor automotivo. Esperava-se que seu governo deveria trazer mudanças significativas na política brasileira. Esse foi o tema central de seu discurso de posse. Ele disse: Mudança é a palavra chave. Mas fez algumas ponderações: Vamos mudar sim. Mudar com coragem e com cuidado. Com humildade e ousadia. Mudar com a consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista. Mudança por meio do diálogo e da negociação. Sem atropelos ou precipitações. Para que o resultado seja persistente e duradouro.

A sua mudança, consideradas suas ponderações poderiam ser interpretadas como: cuidado com o andor que o santo é de barro. A advertência dele era adequada. Ele sabia que ele não iria mudar nada na sua essência. Apenas poderia negociar o atendimento de sua base eleitoral, dos trabalhadores, especialmente os metalúrgicos, e de setores da população mais humilde, com medidas compensatórias às condições desumanas a que eram submetidas. Daí ele balizou sua política social de defender os trabalhadores, com prioridade para aqueles do ABC da indústria automotiva, onde a produtividade dava melhores condições de negociais salariais e de melhores condições de trabalho. Em segundo lugar atender às reivindicações das Comunidades Eclesiais de Base, que lhe davam a sustentação da Igreja Católica, com toda a credibilidade que isso implicava. Em terceiro lugar atender aos menos favorecidos das regiões metropolitanas. Dessa política nasceram seus programas sociais, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, etc. Buscou atender às classes médias com os programas de financiamento da educação e de incentivos culturais. Mas todos esses programas representavam pouco em relação ao apoio explicito à política de endividamento a juros escandalosos e a subvenções à indústria, especialmente à automobilista e à dos utensílios domésticos da conhecida como linha branca.

Lula já sabia de tudo isso quando saiu da Casa Branca, em Washington, onde fora fazer uma visita diplomática a Jorge W. Bush, antes de sua posse. Na varanda da residência oficial do presidente dos Estados Unidos ele anunciou oficialmente o primeiro nome de seu futuro governo, Henrique Meireles, que até aquele momento não tinha qualquer experiência profissional que não fosse de funcionário do BankBoston, no qual fez carreira chegando a seu presidente internacional. Ele havia sido eleito deputado federal pelo PSDB do Estado de Goiás, mas não chegou a exercer o cargo, e desligou-se do partido para participar do governo Lula. Naquele ato Lula aderiu ao projeto neoliberal da Wall Street, que abriu as fronteiras das nações ao capital financeiro internacional, submetendo países e destruindo suas economias e sua cultura, sua soberania enfim.

Tudo o que veio depois está profundamente ligado a esse evento. O Brasil que já havia se alinhado ao neoliberalismo com FHC, se engajava numa proposta política que iria levá-lo ao colapso financeiro, se considerarmos obrigatórios seus compromissos assumidos com os investidores detentores se seus títulos da dívida pública. O Brasil embarcara na rota do suicídio e a crise que se abateria sobre ele seria demolidora, como está sendo. Mas esse projeto neoliberal não é só isso. Ele é tudo aquilo que já descrevemos no capítulo anterior. A abertura do mercado e a submissão da política nacional às exigências dos investidores. Tudo  que vimos, revelados pela crise e pela Operação Lava Jato, já era previsível a partir daquele momento. Em meu livro, A Crise, estão transcritos um grande número de artigos que narram fatos ocorridos de 2001 até 2014, que revelam ações do seu governo que nos levariam ao desastre.

Como exemplo dessa ação citaremos apenas as políticas dos governos Fernando Henrique e Lula que criaram os grandes transtornos que envolvem a Petrobrás. Um dos objetivos dessas políticas era demolir os pilares da economia brasileira e da afirmação da capacidade empreendedora de nosso povo. Desmoralizar a Petrobrás é para eles seria quebrar nosso amor próprio enquanto cidadãos e retirar de nós um instrumento fundamental no desenvolvimento de nosso país. É desmoralizar as empresas estatais, criadas a partir do governo Vargas para construir um país com Soberania e Justiça Social. Isso faz parte do projeto global do capital financeiro apátrida de dominar todo o mundo através de sua economia, distribuindo a miséria, a alienação e sofrimento pelo planeta Terra. Sua principal arma é a corrupção.

A corrupção sempre existiu, em busca de favores específicos do poder público, mas foi circunscrita em bolsões, dando prejuízo aos cofres públicos, mas sem desestabilizar as instituições. Ela era uma prática das elites em busca de favores particulares, mas não comprometiam o poder que era do próprio beneficiário. Mas com as reformas constitucionais do governo Fernando Henrique e Lula, com a compra de votos de parlamentares, a situação da corrupção modificou-se radicalmente. Ela passou a beneficiar os investidores de fora, que não dominavam integralmente o poder. Mas tinham intenção de fazê-lo. Assim foi derramado quantidades enormes de dinheiro para corromper políticos e os formadores de opinião, para seu projeto macabro. O assalto às estatais é “o troco” do lucro do capital financeiro destinados aos seus colabores internos.

A impunidade daqueles atos contra os interesses da Nação encorajou quem estava no entorno do conchavo lucrativo de proceder da mesma maneira. A corrupção espalhou-se pelos poderes públicos e pela mídia que a dissimulava, tornando-se sistêmica. O exemplo da impunidade animou todos que dispunham de uma parcela de poder a usá-lo em benefício próprio. Aqui está explicitada a origem do caos moral, que se tornou político e financeiro, comprometendo as instituições. Se quisermos acabar com essa praga, temos de cortá-la pela raiz, no setor financeiro, na dívida pública que é a chave de toda a questão. Mas isso ninguém com poderes teve ainda a coragem de tentar fazer, nem mesmo de dizer. Ela começara pelo interesse do capital financeiro internacional de abrir para ele o mercado brasileiro, no quadro da política neoliberal – conhecida como globalização – para dominar o mundo.

Fernando Henrique, desde sua passagem pelo Ministério da Fazenda, em 1993, até sua saída da Presidência em 2002, tomou 23 medidas contrárias aos interesses da Petrobrás. Lula já encontrou o caminho preparado para a sua liquidação e trilhou-o, praticando outras seis medidas para sua liquidação. (Fernando Siqueira, A Política de Petróleo no Brasil, Projeto Brasil Trabalhista, Caderno  de Textos 6, Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, 2006). Por outro lado fez da Petrobrás um instrumento de sua política de manter o PT no poder, envolvendo-a em um gigantesco aparato de corrupção que está sendo revelado pela Operação Lava Jato, e que deu início a uma devassa na política nacional que desmonta o aparato de poder das castas e oligarquias, econômicas e políticas, que dominaram a política brasileira por quinhentos anos com exceção dos governos entre  a Revolução de 1930  e o golpe militar de 1964, que uniu oligarquias brasileiras, militares e interesses internacionais.

Todo esse processo desenvolveu condições para a ocorrência de uma grande catástrofe nacional. Estava armada uma bomba de efeito retardado que iria explodir no colo da presidente Dilma Roussef, também do PT, que sucedeu a Lula, sobre a qual falaremos mais adiante. As finanças públicas colapsaram, gerando conflitos sociais incontrolados que ameaçam as instituições e a paz social. As autoridades e seus porta-vozes – todos comprometidos com o processo de degradação moral e ético – tentam debitar tudo isso à crise internacional do sistema capitalista, que existe, mas é apenas outro componente dessa história macabra. Nossa crise, a mais grave entre todos os países do mundo, não seria tão devastadora não fosse a submissão vergonhosa de nossos governos, desde 1995, aos interesses perversos daqueles que acumularam uma grande parte da riqueza mundial, em detrimento da humanidade, de sua liberdade, de sua saúde, de sua independência, de sua segurança e, até, em certos circunstâncias, de sua sobrevivência, distribuindo a miséria, a violência e a morte pelo mundo afora. Sobretudo nas áreas onde a riqueza é explicita, como nas produtoras de petróleo e gás. Conseguirão eles alcançar seus objetivos de dominar o mundo? Não conseguirão, e é isso que veremos mais adiante, nas nossas análises.

Rio de Janeiro, 26/12/2016

 

11:23
Por admin

Qual seria a natureza do PT e do governo Lula?

Arnaldo Mourthé

Comecemos recordando das condições que levaram à queda da ditadura. Nós vimos que o cenário internacional mudou no período de 20 anos da ditadura. Não era mais conveniente um governo militar incompatibilizado com a população, por sua covarde ação repressiva e um resultado econômico péssimo nos seus últimos anos como já vimos. Era preciso restaurar o processo democrático, mas havia um risco para os interesses do capital internacional e das castas dominantes da sociedade. Era preciso grande cuidado para que não voltassem ao poder aqueles que representavam a política de desenvolvimento com soberania e justiça social, como Brizola, ou os mais sofridos trabalhadores brasileiros, como os nordestinos que padeciam sob a prepotência dos senhores de terra, como Arraes. Também não queriam os mais ferozes membros da ditadura o retorno de um partido comunista, que ganhara prestígio com a resistência à ditadura, especialmente através de Marighela.

Dessa forma, nas discussões sobre a anistia, uma das condições dos militares era a exclusão dela dos três grandes líderes citados, todos ainda vivos e na memória das pessoas. Os parlamentares estavam cedendo à pressão dos militares, prontos a aceitar a exclusão daquelas lideranças dos benefícios da anistia. Mas uma forte reação ocorreu, dentro e fora do Brasil. Aqui as pessoas engajadas ou simpatizantes da luta contra as atrocidades do governo militar e, no exterior, os exilados, seus simpatizantes e parlamentares europeus que apoiavam a luta do povo brasileiro pela democracia. Esse apoio era também da imprensa europeia, principalmente, mas também na América Latina. Contavam os exilados com o apoio de países, com a Argélia, que lhes abrigava, assim com  Portugal a partir da Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974, e das ex-colônias portuguesas recém libertadas.

A imprensa francesa e a italiana davam ampla cobertura aos movimentos a favor da anistia. O jornal Le Monde publicava documentos dos exilados referentes ao Brasil da ditadura, chegando a ocupar meia página do jornal, em mais de uma feita. Os parlamentares italianos chegaram a criar uma comissão especial para acompanhar a luta pela anistia no Brasil e apoiar os exilados brasileiros. Muitas reuniões aconteciam em recintos importantes da Europa, como da La Mutualité Française, em Paris, onde muitos artistas ligados ao movimento se apresentaram e até houve ali uma conferência de Miguel Arraes, então exilado em Argel, com grande repercussão nos meios políticos e intelectuais da França. Na Itália ocorria a mesma coisa. No México havia um grande grupo de exilados, muitos professores universitários. Francisco Julião também encontrou ali seu refúgio. Realmente havia um risco de um líder popular de peso e engajado em defesa do nosso povo e da nossa nacionalidade chegasse ao poder central. Os parlamentares depois de fortemente questionados pelo movimento pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita, tiveram que resistir aos militares, que acabaram cedendo.

Para os militares e as forças políticas reacionárias que os apoiavam era preciso encontrar um artifício para evitar que assumisse a Presidência da República um líder que colocasse em primeiro lugar a soberania nacional e os interesses do povo brasileiro. Era preciso criar um partido com cara popular, mas que aceitasse a política de interesse do grande capital. Esse partido foi o PT – Partido dos Trabalhadores. A primeira questão é que a eleição para presidente teria que ser indireta, através do Congresso Nacional. A eleição geral de 1982, para todos os cargos eletivos menos a presidência da República, mostrou que a preocupação dos militares tinha fundamento. Brizola ganhou no Rio de Janeiro e seu partido ganhou também no Rio Grande do Sul. Tudo indicava que Brizola poderia chegar à presidência da República, se não fosse ele, poderia ser outro com política semelhante à sua, o que era inadmissível para a oligarquia enquistada no poder sob a proteção militar.

Por outro lado, a oposição também viu sua possibilidade de chegar ao poder, e lançou-se numa campanha nacional pela eleição pelo sufrágio universal, sob a bandeira das Diretas Já. Mas a emenda constitucional que permitiria isso não passou no Congresso, onde ainda predominava interesses que não correspondiam aos do povo brasileiro. Caberia ao mesmo Congresso escolher um presidente civil à Presidência. Os militares colocaram com seu candidato, Paulo Maluf, figura polêmica que não conseguiu unir o PDS, partido do governo. Surgiu uma dissidência que se aliou a Tancredo Neves, candidato escolhido pela oposição, com a condição de ter na chapa a vice-presidência, para a qual foi indicado José Sarney.

Tancredo Neves foi o vencedor, mas morreu antes de assumir o cargo, deixando o lugar para José Sarney que havia sido líder do partido da ditadura, a ARENA, que depois da reforma eleitoral passou a chamar-se  PDS – Partido Democrático Social. É interessante notar que o PT se absteve da votação, sob a alegação de ser contra a eleição indireta. Apenas três deputados do PT votaram em Tancredo, Beth Mendes, Airton Soares e José Eudes. Estes tiveram que deixar o partido sob ameaça de expulsão.

A morte de Tancredo criou uma comoção nacional. Não faltaram especulações que ela poderia ser evitada e não o foi. Curiosamente ele havia escrito no seu discurso de posse, lido na por Sarney na sua posse, a expressão: restaurar a República e não pagar a dívida externa com a fome do povo. Depois disso, as suspeitas sobre uma morte não natural não são apenas teoria da conspiração.

Dadas essas premissas voltemos à análise da natureza do PT. Ele foi um partido nascido de um forte movimento sindical do ABC paulista, onde se concentrava a maior parte da indústria automobilística brasileira. Era um movimento mais corporativista que ideológico, Não tinha aquilo que os sociólogos chamam de consciência de classe. Mas defendiam seus interesses, nas condições objetivas em que se encontravam, de uma classe operária massacrada pelo arrocho salarial da ditadura. Mas ocupavam uma posição privilegiada, em relação a seus similares de outras indústrias com tecnologias mais pobres. Mesmo assim seus salários estavam longe de alcançar os patamares dos trabalhadores europeus ou americanos que faziam o mesmo trabalho. Só que as plantas industriais do Brasil eram antigas, nos Estados Unidos seriam sucatas. Mas eles não tinham consciência disso, e se satisfaziam com seus privilégios em face de seus semelhantes brasileiros de outros setores industriais.

O movimento sindical do ABC foi um pilar do PT. Ele tornou-se mais forte com a política social de Fernando Henrique Cardoso, que considerava todas as pessoas como simples indivíduos, não como cidadãos. Para ele as pessoas não eram unas, cidadãos, não importa a atividade que exercessem, mas produtores ou consumidores. Ao consumidor tudo, ao produtor o arrocho salarial, a redução de direitos, a desconsideração. Eram ora corporativistas, ora despreparados, ora insubordinados. Os que perdiam emprego eram incompetentes. O desemprego seria de responsabilidade do desempregado e não do sistema de espoliação que precisa dessa condição para praticar salários miseráveis. Culpar a vítima pelo delito, como se ela pudesse evitá-lo sem mudar a política que a vitimava. Outra política que aumentou a força desses sindicatos foi o tratamento dado pelo governo ao funcionalismo e aos assalariados das estatais. A pressão do governo contra eles os fazia buscar na luta sindical uma saída, embora precária, mas efetiva para cada ocasião. O pilar do PT se fortaleceu no funcionalismo e nos trabalhadores das estatais. A CUT, com seu suporte no ABC, tornou-se a maior central sindical do país, dando uma sustentação política importante para o PT, inclusive para dar-lhe uma imagem de partido popular.

Mas a força política maior do PT, aquela que lhe rendeu mais votos e respeitabilidade, provinha da Igreja Católica, através das Comunidades Eclesiais de Base. Ela deu ao PT um caráter assistencialista e estendeu seu poder à classe média. Deu-lhe também condições objetivas para representar, embora não ostensivamente, o patriciado nacional, na cidade. Nos rincões do interior, ela abriu-lhe o caminho para os deserdados do campo. Ali os autofalantes da Igreja, pregavam a favor do PT e contra Brizola, por exemplo, o que pude constatar no norte de Minas quando da campanha de Brizola à Presidência, em 1989. Consta que o PT foi criado por um entendimento da Igreja Católica, representada pelo arcebispo de São Paulo, Dom Evaristo Arns, assessorado pelo conceituado intelectual Cândido Mendes, com Golbery do Couto e Silva, estrategista político do governo militar e criador do SNI.

Dom Evaristo Arns se notabilizou pela criação das Comunidades Eclesiais de Base, que dava às populações carentes assistência material e espiritual.  Foi um baluarte no combate pelos direitos humanos, e pela defesa dos perseguidos políticos durante a ditadura militar. Teria contribuído decisivamente para o projeto Brasil Nunca Mais, que mostrava as monstruosidades praticadas pela ditadura, para que aquilo não voltasse a ocorrer de no nosso no país. Teve um trabalho social incansável e foi o fundador da Pastoral da Terra. Foi também um dos organizadores do movimento Tortura Nunca Mais. Ele, o cardeal do Rio de Janeiro Dom Eugênio Sales e outras autoridades da Igreja, salvaram milhares de refugiados dos países do Cone Sul, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile, fugindo da prisão e da morte da Operação Condor. Acordo secreto entre esses e o Brasil, para a perseguição dos oposicionistas às ditaduras militares desses países.

Essas informações nos ajudam a compreender o fenômeno do PT, um partido sem ideologia definida, que ganhou enorme representatividade, mas se arrebentou no confronto com a realidade política do projeto de conquista do mundo pelo capital financeiro mundial, comandado da Wall Street, em Nova York, tendo como coadjuvante a  City de Londres, e se envolveu no mais escabroso processo de corrupção que o Brasil conheceu

Rio de Janeiro, 25/12/2016.

02, fevereiro 2017 11:15
Por admin

O governo Lula e o PT

Arnaldo Mourthé

             O PT foi um fenômeno impar na história política do Brasil. Por muito tempo houve interpretações diversas sobre sua natureza, que só agora começam a ser reveladas. Mas, as informações de conhecimento público são insuficientes para uma compreensão maior desse fenômeno. Para tentar revelá-lo comecemos por meu artigo  A devassa e a faxina, publicado em 26 de julho de 2005, quando eu escrevia sobre o Mensalão, escândalo de corrupção que envolveu ministros e dirigentes da cúpula do PT. Vamos ao artigo:

“A promiscuidade entre dirigentes do PT, autoridades exponenciais do governo Lula, alguns partidos políticos e diversos parlamentares com o capital privado, revelada pela CPMI dos Correios, estarrecem em entristecem as pessoas de boa fé. É preciso que a devassa seja profunda para apresentar os fatos e seus responsáveis à opinião pública e que venha em seguida uma grande faxina nas instituições envolvidas nos escândalos, condição essencial à sua reconstrução, tornando-as renovadas e sadias.

Não há especulação, por mais fantasiosa que seja, sobre a desonestidade de homens públicos, comparável com o que estamos assistindo pela TV e lendo nos jornais. Esse é um momento em que a realidade supera a ficção. Mas nada acontece por acaso. Tentemos compreender, pelo menos um pouco, como isso pôde acontecer. Que partido político é esse que não teria tomado conhecimento desses fatos escandalosos, como dizem muitos de seus dirigentes? Que não pôde ou não teve coragem de barrar a trajetória dessas figuras patéticas que manipularam, pelo menos por dois anos e meio, dezenas de milhões de reais, como protagonistas do maior escândalo de corrupção registrado pela história do Brasil?

“Essas questões ficam mais claras lendo-se a entrevista de Olívio Dutra, então ministro das Cidades e ex-governador do Rio Grande do Sul, concedida a O Globo e publicada em 16 de julho último.Sobre o PT ele disse que “Lá no início do partido, era um grupo de movimentos sociais, de setores sindicais que lutavam contra a estrutura sindical, contra a ditadura, e organizações de base para ser um partido que incorporasse outras sociedades comprometidas com a luta democrática, com uma política sem toma lá da cá”. Mais adiante ele acrescenta: “Depois, o PT começou a ganhar espaço de poder. (…) Mas aí, no meu entendimento, ele começou a abrir a guarda” (…) Mandatos de parlamentares passaram a ser instâncias partidárias (…) Um gabinete tem aumento enorme que suplanta a institucionalidade”. Apesar da imprecisão de linguagem, Olívio Dutra oferece, por sua autenticidade, pistas importantes para a compreensão da natureza do PT e o porque ele se envolveu em tamanha cumplicidade com o capital financeiro.”

Vamos à primeira questão, a formação do PT, “era um grupo de movimentos sociais, de setores sindicais que lutavam contra a estrutura sindical, contra a ditadura”. É esclarecedor o fato dele colocar a estrutura sindical e a ditadura na mesma condição de adversário, uma postura sem compromissos com classes sociais, com a nacionalidade ou com qualquer doutrina política. Apreende-se do que foi dito, e do que não foi explicitado, que o PT não tinha nenhuma ideologia quando foi criado. Não defendia o trabalhador, nem o burguês, nem a monarquia, nem a república. Apenas contrapunha-se à ditadura e se dizia democrata. Entendemos das palavras desse ilustre e graduado quadro do PT, que este é um aglomerado de “movimentos”, grupos de pessoas que lutavam contra o poder, seja dos militares, seja da liderança sindical de então. Se era somente isso, esse aglomerado não passava de saco de gatos.

Depois, o PT começou a ganhar espaço e poder. (…) Mas aí, no meu entendimento, ele começou a abrir a guarda. Mandatos de parlamentares começaram a ser instâncias partidárias (…) Um gabinete tem aumento enorme que suplanta a institucionalidade”. Traduzindo em miúdo, o saco de gatos cresceu, nele foram introduzidos novos gatos, poder local e gabinetes de parlamentares que suplantavam instâncias partidárias. Isso quer dizer que o PT não chegou a ser, em nenhum momento, ou apenas por curto período de tempo, uma instituição. Não havia um interesse coletivo a defender, dos militantes ou filiados que fosse, mas apenas interesses particulares de dirigentes partidários, autoridades locais, parlamentares e outras bases como a estrutura sindical, a CUT, que substitui a outra que o PT combatia, mas, talvez, mais arbitrária ou ditatorial que ela. Voltemos ao artigo mencionado.

“Esse é um dos motivos pelos quais foi possível criar dentro da direção nacional do PT um grupo de negocistas e corruptores que cometeram a mais grave de todas as variedades de corrupção, aquela do legislador, para fazer leis a favor do capital, contra os interesses dos trabalhadores e da nação. Querendo ou não, o PT agiu no sentido de destruir a República, a maior das instituições, mãe da nacionalidade cidadã, que a vontade soberana do povo estabeleceu. Se o quis é grave, se não o quis é mais grave ainda, pois estava a serviço de outrem, sabe lá quem. Talvez o conhecimento da origem primeira do dinheiro da corrupção venha esclarecer essa questão.

“A infeliz declaração do Presidente, dada diretamente de Paris, “O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente”. Ou seja, reconheceu que o PT é igual àqueles que cometem ilegalidades, e que o ilícito penal é prática corrente, portanto aceitável. Vinda do Presidente da República a declaração é de extrema gravidade, pois admite a prática da ilegalidade, quando uma das missões mais inerentes ao cargo é coibir a ilegalidade. Além disso, ele dá um péssimo exemplo a todos, sobretudo aos jovens que já se encontram desamparados com sua política de desemprego e de arrocho salarial. Uma afirmação despropositada e inaceitável.

“Diante de todo esse quadro, os homens íntegros e boa vontade que pertencem ao PT, que são muitos, têm pela frente a tarefa gigantesca de completar a demolição que os escândalos produziram e fazer uma limpeza geral nos seus quadros. Isso para começar, porque também é necessário ao partido assumir um compromisso com algum setor da sociedade, à sua escolha, mas é essencial mostrar sua verdadeira face e representar com lealdade e altivez esse setor. Ter uma ideologia é fundamental para um partido político. O exemplo está aí à mostra, o próprio PT em desagregação, que sem compromissos sociais entregou-se aos encantos do capital financeiro. Esse, nas suas facetas, nacional e internacional, se empenha em mudar as regras institucionais e de setores sociais para aumentar ganhos financeiros, e submeter o Estado nacional, com o objetivo de controlar nossas riquezas e nosso próprio território, para fazer do Brasil uma nova colônia. Vejam as leis que entregam nossas riquezas e nosso território, como as das concessões de áreas de exploração de petróleo e de milhões de hectares da floresta amazônica ao capital estrangeiro.

“Se esses homens íntegros e de boa vontade do PT, não puderem ou não tiverem a coragem necessária para fazer o que é preciso, a sociedade cumprirá seu dever. Enterrará de vez o PT e sua triste história.”

Mas tudo indica que naquela época isso não ocorreu, senão algumas defecções de quadros representativos do PT, que se sentiram sem condições de manter-se no partido depois daquele escândalo. Assim a atividade corrupta e predatória do PT persistiu até que ocorreu a “Operação Lava Jato”, que está produzindo uma verdadeira devassa na política nacional e nas empresas e instituições envolvidas na mais escandalosa e devastadora rede de corrupção do país.

Mas essa é uma questão das áreas judiciais e policiais, que não nos cabe analisar em minúcias, quando nosso escopo é a investigação da história do poder no Brasil. Por isso voltamos à nossa questão sobre o governo Lula.

Rio de Janeiro, 24/12/2016

 

31, janeiro 2017 12:22
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Neoliberalismo, a rota do suicídio.

 

Arnaldo Mourthé

             Em 1947 o teórico Friedrich Hayek reuniu os mais notáveis inimigos do New Deal e do Estado de bem-estar social, na pequena e aprazível localidade de Mont Pèlerin, à margem norte do lago Leman, na Suíça. Ali se formou uma sociedade ideológica para trabalhar pelos ideais do liberalismo, fundamentado sobre a mais absoluta liberdade do uso e da circulação do capital, em detrimento da liberdade do homem e de seus direitos duramente conquistados ao longo dos milênios (124). A cada dois anos os membros dessa sociedade reuniam-se para analisar a conjuntura mundial e formular sua teoria do deus-moeda, que a partir de 1990 ficou conhecida como pensamento único.

Até 1973, quando ocorreu a guerra do Yom Kippur, a sociedade de Mont Pèlerin apenas conspirava contra o avanço do humanismo, como uma dedicada irmandade de inconformados contra as conquistas sociais dos trabalhadores. Naquele momento eles ganharam uma notoriedade inesperada. A Opep aumentou o preço do barril de petróleo de 2,90 para 11,65 dólares, ou quatro vezes (121). O impacto sobre a economia mundial foi brutal, agora chamado de crise de 1974/75. As empresas acostumadas à energia farta e barata tiveram que rever seus parâmetros operacionais. Foram estabelecidos novos conceitos de planejamento e organização empresarial, com uma visão estratégica de um mundo em mutação, à semelhança do planejamento militar, descrito por Karl von Clausewitz em seu livro Da guerra. Foram adotadas novas tecnologias mais adequadas aos novos tempos, reduzindo-se o consumo de combustíveis. As descobertas científicas e inventos engavetados, à espera do desgaste das plantas industriais em operação, vieram à tona. Foi uma revolução nos campos dos novos materiais, da informática e das comunicações.

Nesse quadro, a sociedade de Mont Pèlerin introduziu suas teses, de forma meticulosa, nas instituições financeiras e grandes corporações, nos organismos internacionais, nas universidades e centros de pesquisa, em especial na pós-graduação de economistas, e na grande mídia. A partir daí, passaram aos governos da Inglaterra, de Thatcher, e dos EUA, de Reagan. Em cada uma dessas instituições, seu ultraliberalismo foi inoculado, para desenvolver o modus faciendi e as tecnologias necessárias para implantar a nova doutrina da supremacia do dinheiro sobre tudo o mais, inclusive sobre a ética e os valores morais e religiosos, em especial sobre o trabalho e a dignidade do trabalhador. Em outras palavras, a sociedade de Mont Pèlerin reciclou a ideologia liberal, retornando à sua origem, à liberdade irresponsável do capitalista, inspirada em Mandeville e sugerida por Adam Smith, em detrimento de tudo o mais.

No interesse dos grandes capitalistas, o pensamento único foi inoculado também nos governos dos países menos capitalizados, por eles apelidados de em desenvolvimento, como se o capital fosse o único parâmetro de avaliação dos povos; ou de emergentes, como se esses países emergissem do submundo. Para essa inoculação usaram a corrupção, as influências políticas e culturais dos países mais capitalizados e a força de suas armas. A coação e a corrupção foram os meios para o convencimento da “necessidade” de reformas nas suas leis. Retiraram-se direitos dos trabalhadores e cidadãos em geral, reduziu-se o aparelho de Estado, abriram-se as fronteiras ao capital estrangeiro e a suas mercadorias, e foi manietado o poder do Estado no controle da economia, em especial sobre as finanças privadas. Para isso era preciso grandes mudanças políticas. A propaganda insidiosa se encarregou de difundir seus sofismas para a população, num processo de alienação sem precedentes.

As ditaduras militares, tão úteis aos interesses do capital estrangeiro internado nos países periféricos, já não atendiam à liberdade do capital, seja pelo descrédito delas junto à população, seja por haver em muitos militares o sentimento de patriotismo e o respeito à soberania nacional. Era preciso substituí-las pela ditadura do capital financeiro. Instituiu-se uma democracia de fachada, que dá ao dinheiro a supremacia no processo eleitoral. A corrupção sistemática nos centros de poder garantiu a submissão de autoridades. O controle da mídia pelas verbas de publicidade orientou seu uso para a desinformação da população e a imposição do pensamento único, como se a ele não houvesse alternativa. “There is no alternative”, dizia Margareth Thatcher (31). Instituiu-se a falsidade como norma de comunicação, nos termos da propaganda repetitiva de Goebbels: uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Os dogmas do capital financeiro tornaram-se “verdades”. As mentes foram cobertas pelo véu da obscuridade, uma alienação que só a realidade da crise capitalista começa a desfazer. Foi possível, assim, quebrar a soberania dos países e a autoconfiança dos povos.

A luta do povo brasileiro, que conquistou a democracia e a Constituição cidadã, como a chamou Ulysses Guimarães, esbarrou nos interesses do capital financeiro que manipula o poder. A publicidade enganosa e a corrupção presidiram as reformas da Constituição, degradando as instituições e os serviços públicos, e reduzindo direitos dos cidadãos. Como consequência da política neoliberal, temos no país um desastre social. A corrupção generalizou-se, o aparelho de Estado enfraqueceu, pioraram os serviços públicos, com escolas e hospitais abaixo da crítica, a infraestrutura de transporte foi degradada e, em parte, privatizada. O Estado endividou-se sob a alegação do combate à inflação, passando a pagar juros altíssimos, manipulados pelos próprios banqueiros.

No ano de 2010 eles foram de 195 bilhões de reais. A participação do capital estrangeiro na indústria saltou de 25% para 70% em apenas duas décadas. Esta situação se agrava rapidamente. O orçamento da União  para 2017 prevê uma despesa e 339,1 bilhões de reais com juros e encargos da dívida pública, enquanto para o pessoal ativo e passivo são destinados 284 bilhões. Como então pagar a dívida com economia nas despesas com o funcionalismo, se o total da folha de pessoal não é suficiente nem para pagar os juros anuais? Alem disso a arrecadação não é suficiente para a despesa com os juros, obrigando o orçamento a prever um déficit de 139 bilhões de reais, que será coberto por emissão de mais títulos públicos, aumentando a dívida e os juros a pagar. A intenção é alienar o patrimônio nacional para continuar a pagar os juros, entregando definitivamente a nação o controle da nação aos vampiros do capital financeiro internacional.

Os problemas ambientais tornaram-se mais graves. Aumentaram a concentração de riqueza e a violência. A solidariedade e a cooperação no trabalho cederam lugar à competição desleal e às animosidades. É nesse quadro que vicejam as conspirações contra os direitos do cidadão à escola e à medicina gratuitas, ao salário digno e à organização sindical independente para defender os trabalhadores. Os partidos políticos perdem suas doutrinas, bandeiras e programas, para tornarem-se associações de interesses particulares dos seus dirigentes e atender governos dóceis aos grandes investidores.

Esse processo se dá em quase todo o mundo, numa operação gigantesca de dominação dos países. Os grandes capitalistas entregaram-se à prática de negócios escusos, tráfico de influência, corrupção e especulação, que vieram à tona na grave crise de 2008, que até hoje desmantela países, mesmo europeus, como Islândia, Grécia, Espanha, Itália e Portugal. A Islândia foi à bancarrota, mas saiu da crise intervindo nos bancos e prendendo banqueiros. Os outros patinam no impasse das dívidas impagáveis. Não há mais como esconder o desastre que esse processo neoliberal está sendo para a humanidade. Sua política do dinheiro sem lastro, como paradigma de valor, é uma brutal subversão da verdade econômica e atinge os princípios humanistas dos direitos do homem e do cidadão.

O mais incrível é a passividade com que as pessoas veem esse quadro de ignomínias. A gravidade da situação gerada nos convence de que é preciso resistir. Até os governantes europeus se vergam aos interesses dos investidores em títulos públicos. Poucos são os homens lúcidos no meio de tanta perplexidade e desorientação. Um desses é o ex-presidente português Mário Soares. Ele fez uma feliz e precisa afirmação em entrevista ao jornal O Globo, publicada em 4 de novembro de 2011:

 

O que é extraordinário é que os dirigentes políticos atuais, aqueles que mandam ou julgam que mandam, como é o caso da senhora Merkel e do senhor Sarkozy, não mandam. Quem efetivamente manda hoje são os mercados, e não os Estados.

Rio de Janeiro, 23/12/2016.

 

 

12:17
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Plano Real, inflação e neoliberalismo

Arnaldo Mourthé

Assumiu o governo o vice-presidente Itamar Franco, que buscou encontrar fórmulas para conciliar os ânimos e frear a inflação. Para isso valeu-se de sua capacidade de negociação e esforçou-se para elaborar um plano de estabilização monetária. No seu primeiro ano de governo, 1993, a inflação subiu para 2.708%. Caso ela não fosse detida, seu governo teria um fim trágico como o anterior. Ele mobilizou uma equipe de economistas que montou um processo engenhoso de manter duas moedas, o cruzeiro real, de circulação corrente, que se desvalorizava a cada dia e outra estável, a Unidade Real de Valor (URV), amarrada ao dólar americano, moeda bastante estável na época. Tornou-se obrigatória a menção das duas moedas em todas as transações econômicas. Essa experiência começou em 1º./2/1994. Nos cinco meses que se seguiram, enquanto o cruzeiro real se desvalorizava a taxas mensais superiores a 40%, a URV permanecia estável. Em 1° de julho de 1994, foi lançado o real (R$), que substituiu a URV, eliminando-se o cruzeiro real (CR$), que foi convertido pela relação CR$2.750,00 = R$1,00. O Plano Real alcançou seu objetivo. A inflação caiu para 5,47% em julho, 3,34% em agosto, 1,55% em setembro, mantendo-se baixa. As taxas anuais foram de 909% em 1994, de 14,7% em 1995 e de 9,3% em 1996 (133).

Vencido o grande desafio da inflação, Itamar Franco aumentou seu prestígio, o que lhe permitiu escolher e eleger seu candidato a presidente, Fernando Henrique Cardoso. Este havia sido ministro da Fazenda no lançamento do Plano Real. Mas o novo presidente iria tomar medidas que lhe foram impostas por pressão externa, no quadro da nova política econômica mundial do capital financeiro, conhecida por globalização, mas que é de fato um projeto liberal de dominação do mundo pelos grandes conglomerados financeiros. Revelada sua face intervencionista e dominadora, essa política ganhou o nome de neoliberalismo.

            Fernando Henrique privatizou empresas estatais, serviços públicos e bancos pertencentes aos estados; fez uma abertura comercial ao capital estrangeiro sem precedentes; coagiu as administrações estaduais e municipais a reduzir o funcionalismo, através da Lei de Responsabilidade Fiscal. Favoreceu assim a privatização dos serviços, ou sua terceirização; transferiu, para o Tesouro Nacional, as dívidas em moeda estrangeira dos estados e municípios, tornando a União a grande credora dessas administrações, aumentando seu poder coercitivo sobre elas; investiu contra a Previdência Social e tentou alterações da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, gerando uma queda de braço com os sindicatos e organizações civis. Sua política econômica amarrou o Brasil às finanças internacionais e favoreceu a desnacionalização da nossa economia, especialmente da nossa indústria, que hoje é controlada em mais de 70% pelo capital estrangeiro, contra 25%, do tempo da ditadura militar. Para fazer todo esse estrago, travou uma grande batalha no Congresso, que deu margem a graves denúncias de compra de votos de parlamentares para suas reformas constitucionais.

Houve de parte da elite econômica brasileira, representada pelo presidente da República, uma renúncia a um projeto nacional de desenvolvimento, que vem a ser o mesmo que renunciar a continuar a construir a história do Brasil. Podemos afirmar que, com FHC, começou o tempo da não história para as elites brasileiras, ou da anti-história. Tudo que se construiu em matéria de história a partir dele deve-se aos núcleos de resistência à sua política econômica. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, seguiu o mesmo caminho seu nessa matéria, aprofundando nossa dependência e renunciando também a fazer a grande história. Satisfez-se com políticas compensatórias das injustiças sociais, estas mantidas por sua política econômica. Diante desse quadro, não faz sentido continuar nossa análise da história do Brasil. As consequências dessa capitulação do governo brasileiro diante do capital internacional serão analisadas à luz de informações mais abrangentes e mais precisas sobre a história, a metamorfose do capitalismo e as leis que a regem.

A política econômica de FHC foi totalmente inspirada nos conceitos neoliberais, chamados por uma corrente de economistas como o tripé: estabilização, desregulação e privatização (31), a política do Estado mínimo, o desrespeito aos princípios republicanos, especialmente à cidadania. Essa questão será tratada nos últimos capítulos deste livro. Podemos dizer que passamos a viver, a partir de FHC, um tempo de letargia submissa do governo brasileiro. O que levou as autoridades a essa política, só mesmo elas, ou seus mentores e auxiliares, poderão explicar. Mas dificilmente o farão. Entretanto, todos eles devem ao povo brasileiro essa informação.

Rio de Janeiro, 22/12/2016

25, janeiro 2017 12:46
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A nova Constituição e o fiasco de Collor

Arnaldo Mourthé

 Em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição, que Ulysses Guimarães chamou de Constituição cidadã, uma onda de esperança varre o país. Mas a Constituição seria sabotada, seja pela protelação da aprovação das leis complementares necessárias à sua aplicação, seja por reformas. Houve uma dilaceração da Constituição no que diz respeito à regulação do capital. Por iniciativa de Fernando Henrique Cardoso, em alguns aspectos, o capital passou a ter mais liberdade no Brasil que o ser humano. Mas antes passemos os olhos pelos fatos que nos levaram até esse ponto.

Em 1989 teríamos as tão reclamadas eleições diretas para a Presidência da República. Os principais partidos lançaram seus candidatos esperançosos. Mas haveria uma zebra no seu caminho, Fernando Collor de Mello, candidato do recém-criado e inexpressivo PJ – Partido da Juventude. Como esse jovem, com sua natural arrogância oligarca, pôde empolgar o eleitorado brasileiro? Collor era governador de Alagoas, filho de família aristocrata, tendo sido seu avô materno ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Mas não foi nada disso que fez dele um candidato forte. Na eleição municipal de 1988, as pesquisas de intenção de voto para presidente, que ajudariam a analisar as tendências do eleitorado, já apontavam uma preferência para ele de 6% a 8% do eleitorado do Rio, que não o conhecia. O descalabro do governo Sarney havia gerado a desesperança na população. Foi nesse quadro que prosperou o moralismo de Collor. Ele fora dirigente das Organizações Arnon de Mello, um conglomerado de empresas de comunicação fundado por seu pai e propriedade de sua família, que contava com uma emissora de televisão afiliada da Rede Globo. Usando esse instrumento, ele lançou uma campanha nacional em torno de seu nome, a partir de um mote, o caçador de marajás, aquele que perseguia os funcionários que ganhavam salários acima do padrão. Além da ligação corporativa com as Organizações Globo, seu pai, Arnon de Mello, fora amigo de Roberto Marinho. Este viu em Collor um trunfo eleitoral.

Havia dois candidatos a abater naquelas eleições, nos critérios da elite econômica brasileira e seus acólitos, Brizola e Lula. Este por ser líder sindical, presidente do PT, uma incógnita perigosa. Ele fora eleito deputado por São Paulo com mais de 500 mil votos. Brizola era ainda mais temido, por suas conhecidas posições políticas republicanas, nacionalistas e getulistas, e por ser fortemente vinculado às classes trabalhadoras, tudo o que a elite, especializada no arrocho salarial, não queria ver na Presidência. Os magos da mídia não tiveram mais dúvidas. Era preciso encontrar um vilão responsável pelos descalabros dos governos militares e civis, fossem federais, estaduais ou municipais. O vilão escolhido foi a figura escalafobética criada por Collor para alcançar o poder, o marajá. Uma maquinação para travestir em vilão o funcionário público formal e competente vindo dos tempos de Getúlio Vargas. Essa imagem foi colada no funcionalismo como um todo, minando a defesa do trabalho e do trabalhador, que seriam os motes de campanha dos candidatos populares, ou de esquerda, Brizola e Lula. Parecia que os problemas do Brasil se resumiam aos marajás, um grupo de serviçais e cúmplices das oligarquias políticas, cuja imagem foi transferida diabolicamente para o servidor público.

A estratégia funcionou com uma campanha maciça da mídia, com recursos das elites financeiras e empresariais e do capital estrangeiro. Collor foi eleito, não sem contestação em relação à lisura da apuração no primeiro turno, especialmente na computação dos votos de Minas Gerais. Mas foi o mais votado no primeiro turno, e no segundo venceu Lula, que havia obtido apenas 400 mil votos a mais que Brizola. O governo de Collor foi mais escalafobético que a figura do marajá saída da mesma cepa. Ele demitiu mais de 300 mil funcionários, alguns imprescindíveis, inviabilizando serviços essenciais, como a previsão do tempo, e lançou um plano econômico mirabolante, o Plano Collor.

Esse plano congelou por dezoito meses os depósitos bancários, em contas correntes, cadernetas de poupança e overnight, que excediam a cinquenta mil cruzados novos; trocou a moeda para Cruzeiro; criou o IOF, Imposto sobre Operações Financeiras; congelou preços e salários; eliminou vários incentivos fiscais; liberou o câmbio e incentivou a abertura da economia para o capital estrangeiro; órgãos do governo foram extintos, alguns indispensáveis.

Com a brutal redução da moeda em circulação, os preços caíram. A taxa de inflação, que em março foi de 81,32%, caiu para 11,33% em abril e 9,07% em maio, estabilizando-se por poucos meses, mas voltando a crescer. Sua evolução foi de 1.782%, em 1989, para 1.476%, em 1990, 480%, em 1991, 1.157%, em 1992. Collor havia fracassado na sua tentativa de debelar a inflação. Mas, para ele, o pior foi a perda do apoio da classe média, que teve suas economias minguadas a partir de sua aventura monetarista. O confisco dos depósitos bancários gerou grande indignação na população. Muitos tiveram grandes prejuízos, pela paralisação de operações de compra e venda, especialmente de imóveis. Quem vendeu na véspera do confisco para comprar algo logo depois, ficou sem meio para fazê-lo. Os prejuízos e desfazimentos de contratos atingiram pessoas físicas e jurídicas. Havia uma grande mágoa contra ele na população formadora de opinião, contida pelas circunstâncias.

Mas um conflito comercial entre Pedro Collor e Paulo César Farias, o PC, o primeiro irmão do presidente, o segundo seu amigo e tesoureiro de campanha, tornou Collor vulnerável e a mágoa aflorou. Pedro acusou PC de desvio de dinheiro da campanha eleitoral para fins pessoais. Se a acusação era verdadeira ou não pouco importou. Quando Collor convocou a população para sair às ruas para apoiá-lo na sua alegação de conspiração, a reposta foi uma explosão de manifestações. Em vez de defendê-lo, pedia-se seu impeachment, procedimento que foi aprovado pela Câmara de Deputados em 29/9/1992. Collor foi afastado da Presidência em 2/10/1992 e renunciou ao cargo em 29/12/1992, tentando evitar seu julgamento, que mesmo assim ocorreu, produzindo a cassação de seu mandato e suspensão de direitos políticos. O caçador de marajás acabou cassado.

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

23, janeiro 2017 9:52
Por admin

O retorno à política do conchavo e da manipulação

Arnaldo Mourthé

             Tancredo certamente tinha um plano capaz de fazer aquilo que prometeu nos seus comícios e confirmou no discurso de posse, lido por Sarney: restaurar a República e não pagar a dívida externa com a fome do povo. Sarney não era um republicano na sua essência. Era um quadro de primeira linha do staff político da ditadura militar. Ele trabalhara por muitos anos sob a tutela militar, fazendo suas vontades e viabilizando no Congresso uma estabilidade que servia ao governo. Não iria formular uma política de restauração republicana e de justiça social. No primeiro ano ele foi um simples administrador, voltado para os interesses políticos eleitorais, sua especialidade. A crise de 1981, que fez cair o PIB, havia passado. O PIB voltara a crescer em 5,7% no ano de 1984 e no ano seguinte mais 8,3%. Nesse aspecto Sarney sentiu-se confortável, mas nenhuma medida havia sido tomada para atender à expectativa de mudanças.

A inflação continuava corroendo os salários e dificultando a vida das pessoas sem que o governo se ocupasse com ela. Em 1984 ela acumulou 224%, em 1985 subiu para 235%. A população estava insatisfeita e o governo se desgastava. O ano de 1986 começou com um salto na inflação, de 13,2% em dezembro para 17,8% em janeiro. O alarme político soou no Planalto, pois os planos de Sarney de aumentar seu mandato em um ano e de levar o PMDB à vitória eleitoral naquele ano estavam ameaçados. O presidente mobilizou uma equipe de economistas para encontrarem uma saída. O resultado foi o Plano Sarney. A motivação maior deste ficou evidente com a observação do jornalista Carlos Castelo Branco na coluna diária no Jornal do Brasil de 28/2/86:

 

A partir de hoje, o tamanho do mandato do presidente Sarney estará definitivamente atado aos efeitos que produzirá o pacote de medidas econômicas a ser desembrulhado em cadeia de rádio e de televisão.

 

Ele se referia ao decreto-lei n. 2.283 (Plano Sarney), de 28/2/86, que:

 

– criava uma nova moeda: o Cruzado.

– congelava preços e salários (os preços de 28/2/86 e os salários pela “média real” dos últimos seis meses, com um pequeno acréscimo chamado abono);

– transformava as ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional) em OTNs, congeladas por um ano;

– congelava as taxas de câmbio, passando o dólar a ser vendido a Cz$ 13,84;

– desindexava parcialmente a economia (as cadernetas de poupança continuavam a ser corrigidas pela inflação (IPC), não mais mensalmente, mas trimestralmente) (84).

 

Não faltaram aplausos ao plano. Houve até choro de uma famosa professora de economia, e louvações contundentes da grande imprensa. A torcida para que o plano desse certo foi enorme. Afinal a Nova República precisava dizer a que veio, para evitar um novo período de manifestações como as pela anistia e pelas Diretas Já!. Mas houve também as palavras de bom-senso de alguns economistas, jornalistas e políticos, como: Franklin de Oliveira, na revista Senhor de 11/3/86; Aloysio Biondi, em O Globo de 23/3/86; Roberto Mangabeira, no Jornal do Brasil de 16/3/86. Eu mesmo me aventurei na crítica ao plano, no meu artigo “Um engodo e duas velhacarias do decreto-lei”, no semanário O País – Nas Bancas, em 13/3/86. As sínteses desses artigos podem ser encontradas no meu livro Um desafio chamado Brasil (84).

No curto prazo, o Plano Cruzado teve êxito. A inflação que fora de 17,8% em janeiro e 14,9% em fevereiro, caiu para 5,52% em março e -0,58% em abril, seguindo-se baixa até dezembro, quando subiu para 7,56%. No plano político eleitoral, 1986 foi um ano magnífico para o governo. O PMDB fez a maioria dos governadores e suas bancadas cresceram no Congresso Nacional. O único político de expressão nacional que questionou o plano foi Brizola, então governador do Rio de Janeiro. Pagou o preço de ver o candidato à sua sucessão, Darcy Ribeiro, perder o governo para a euforia irresponsável. Mas o quadro mudaria rapidamente. O governo fizera um plano demagógico, com o objetivo de ganhar as eleições de 1986 e dar a Sarney mais um ano de governo, quando Tancredo havia prometido solenemente um governo de quatro anos.

O endividamento do país para investir em projetos megalomaníacos, causa da crise, não foi considerado. As divisas internadas eram compradas pelo governo com moeda nacional e reexportadas como pagamento de juros da dívida e transferência de lucros das multinacionais. Essa operação de compra pelo governo engrossava a massa monetária em circulação, gerando inflação. Esse processo ainda continua, com a entrada de capitais para comprar patrimônios no Brasil e especular no mercado financeiro.

A tentativa de conter os preços por decreto não considerou que os preços agrícolas flutuam com a sazonalidade, nem a eventualidade de eles serem promocionais. Além disso, foi uma solução impositiva, sem qualquer diálogo. As primeiras reações da indústria e do comércio foram respondidas por Sarney com um apelo à população para fiscalizá-los, denunciando-os como praticantes de “abusos”. Os conflitos multiplicaram-se. A reação dos produtores foi reduzir o peso do produto, ou sua qualidade, para manter o preço da embalagem. A qualidade das refeições servidas nos restaurantes caiu de forma escandalosa. Foi o caos. A realidade social desmoralizou os atos do governo.

Em 1987 a inflação foi crescente, começando com 12% em janeiro e chegando a 27,6% em maio. Já em abril, Sarney muda o ministro da Fazenda, entrando Bresser Pereira. Este encontrou uma inflação acumulada nos últimos doze meses de 366%. Em 16/6/87 ele lança o Plano Bresser, de natureza monetarista, mudou o nome da moeda para Cruzado Novo. Ele buscou a redução do consumo via redução do salário, e fez a inflação cair para 9,3% em julho, 4,5% em agosto, mas que voltou a crescer. O ano de 1987 fechou com uma inflação de 415,8%. O sonho da Nova República esgotou-se com seu primeiro governo.

Bresser Pereira procurou tirar um coelho da cartola com a política dos desesperados, de vender patrimônio para pagar dívidas, assunto que voltou à pauta do governo com o fracasso do Plano Cruzado. Essa questão já havia sido mencionada pelo Jornal do Brasil de 25/6/83, em declaração do ministro Camilo Penna, referindo-se a pressões do FMI, que poderiam levar o governo a vender algumas de suas estatais, como forma de obter recursos para saldar sua dívida externa (84). O risco tornou-se maior em um governo que não tinha respaldo civil ou militar. No governo Sarney o assunto tornou-se recorrente. Diversas matérias com esse tema foram publicadas nos principais jornais do país. Na Gazeta Mercantil, em 25/9/86 e em 25/3/87; no Jornal do Brasil, em 29/5/87, 2/6/87 e 3/6/87; no O Globo, em 3/6/87 e 23/8/87. A questão toma um aspecto perigoso quando Jorge Murad, genro de Sarney, leva a público uma proposta sobre a questão, através do Jornal do Brasil de 9 de julho de 1987. Vejamos uma síntese dessa matéria, escrita por mim no mesmo ano.

 

O genro e secretário particular do Presidente, Sr. Jorge Murad, apresentou à imprensa um documento intitulado “Estratégia para o Desenvolvimento”, cuja aplicação corresponderia à submissão do Brasil aos banqueiros internacionais. Ele propõe entre outras coisas:

“- Estabelecimento de liberdade para instalação de qualquer empreendimento no país, não necessitando de licenças ou autorização do governo federal, exceto quando tais investimentos demandarem incentivos ou subsídios federais.

– Não há restrição de crédito de organismos financeiros nacionais a qualquer empreendimento que tivesse metade do controle em mãos de residentes no país.

– Liberação da dívida externa para conversão em capital de risco, estimulando suas aplicações em investimentos considerados básicos.

– Criação de um conselho no âmbito da Presidência da República que garanta o fiel cumprimento das regras explicitadas, com membros do setor.” (84)

 

Conscientemente ou não, Sarney estava ensaiando a política econômica de interesse do capitalismo internacional, no Brasil e alhures, cuja consequência seria a desnacionalização da nossa economia, como veremos em análise sobre o neoliberalismo. Mas a tentativa sobre o patrocínio do Sr. Murad fracassou. Apesar de o Congresso estar empenhado na elaboração da nova Constituição, a manifestação contrária e firme de um grupo de parlamentares, através de Projeto de Resolução, matou a iniciativa na sua origem. Na verdade, a Nova República foi uma transição entre a ditadura e a fase dos governos submetidos à política do capital financeiro internacional, que vigorariam a partir de 1995. Voltaremos a essa questão mais adiante e nos últimos capítulos deste livro.

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

11:24
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A tragédia se abate sobre a Nação

Arnaldo Mourthé

O jogo de bastidores retomou forças em um quadro político de diálogo e negociação. Os governadores do PMDB, à frente Montoro e Richa, mais Brizola, do PDT, apoiaram imediatamente a candidatura de Tancredo Neves, o nome mais adequado para ocupar a Presidência naquele momento. Por sua honestidade, por seus princípios republicanos, por sua capacidade de conciliação, sem tergiversar no essencial. A votação da Emenda mostrou que a oposição dispunha de maioria e poderia, unida, vencer a eleição.

Os governistas viram isso com maior clareza que alguns oposicionistas. Enquanto o PT tomava posição contra a candidatura de Tancredo, José Sarney, que fora presidente da Arena e do PDS, duvidou da viabilidade da candidatura de Paulo Maluf. Sem ter poderes para impedi-la, ele aderiu a uma dissidência, a Frente Liberal, sob a liderança de Aureliano Chaves, Marcos Maciel e Jorge Bornhausen. Esse grupo negociou seu apoio a Tancredo em troca da indicação de Sarney, como vice-presidente. Isso feito, Sarney se filia ao PMDB. O PDS, braço civil da ditadura militar, perderia a eleição. Porém se manteria no poder através de um grande grupo liderado por Sarney.

Tancredo era um homem capaz de buscar a democratização do país e a restauração dos princípios republicanos. Era firme e sereno na adversidade, sem perder o equilíbrio e sem fazer concessões. Mesmo assim o PT decidiu não apoiá-lo. No grande comício das Diretas Já em Belo Horizonte, um grande grupo de militantes do PT ocupou o espaço imediatamente em frente ao palanque. Quando Tancredo foi chamado para seu pronunciamento, esse grupo puxou uma vaia. Tancredo, tranquilo, ficou calado por um momento, com o microfone na mão, como um caçador aguardando o momento oportuno para a ação. Ela foi simples e incisiva. Reunindo toda a força de sua voz ele disse:

– Minas!…

Fez uma longa pausa, à espera da reação do público. Enquanto a vaia se arrefecia, ele voltou a dizer:

– Minas!…

Outra pausa.

– Minas!…

A ovação da massa ecoou no concreto armado dos prédios da avenida Afonso Pena e espalhou-se pela cidade. Seguiu-se um grande silêncio. Tancredo retomou a palavra e disse o que tinha a dizer, tendo abaixo de si, em estado de perplexidade, o grupo que ali estava para vaiá-lo, desconhecendo a diferença entre uma causa nacional, de união de todos, e seus projetos partidários menores. Tancredo foi eleito presidente da República, em 15 de janeiro de 1985, com 480 votos, contra 180 dados a Maluf. Vinte e seis deputados se abstiveram, muitos deles do PT, que, entretanto, teve três deputados que votaram em Tancredo, Beth Mendes, Airton Soares e José Eudes. Estes tiveram que deixar o PT sob ameaça de expulsão.

No dia 14 de março de 1985, véspera da sua posse, Tancredo foi hospitalizado em estado crítico. Ele não pôde comparecer à posse, mas Sarney o fez, leu o discurso que Tancredo havia escrito para a ocasião e ficou como presidente interino. Tancredo morreu no dia 21 de abril de 1985, sem tomar posse. Sarney, ex-presidente dos partidos da ditadura, Arena e PDS, tornou-se presidente da República. Mas, de qualquer maneira, a situação era outra, e a batalha política de princípios continuaria. A Assembleia Nacional Constituinte de 1986 seria o fórum que definiria que sociedade os brasileiros queriam. Mas antes dela ser eleita, Sarney e sua equipe fariam algumas proezas. Felizmente havia um Congresso mais independente.

 

Rio de Janeiro, 22/12/2016

 

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