Os novos barões do café (XXX) – O governo Lula


O governo Lula

Arnaldo Mourthé

Lula não era um político burguês, nem um representante das oligarquias agrárias, ele era um líder sindical em um núcleo poderoso da indústria brasileira, o ABC paulista, onde se encontrava as maiores fábricas do setor automotivo. Esperava-se que seu governo deveria trazer mudanças significativas na política brasileira. Esse foi o tema central de seu discurso de posse. Ele disse: Mudança é a palavra chave. Mas fez algumas ponderações: Vamos mudar sim. Mudar com coragem e com cuidado. Com humildade e ousadia. Mudar com a consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista. Mudança por meio do diálogo e da negociação. Sem atropelos ou precipitações. Para que o resultado seja persistente e duradouro.

A sua mudança, consideradas suas ponderações poderiam ser interpretadas como: cuidado com o andor que o santo é de barro. A advertência dele era adequada. Ele sabia que ele não iria mudar nada na sua essência. Apenas poderia negociar o atendimento de sua base eleitoral, dos trabalhadores, especialmente os metalúrgicos, e de setores da população mais humilde, com medidas compensatórias às condições desumanas a que eram submetidas. Daí ele balizou sua política social de defender os trabalhadores, com prioridade para aqueles do ABC da indústria automotiva, onde a produtividade dava melhores condições de negociais salariais e de melhores condições de trabalho. Em segundo lugar atender às reivindicações das Comunidades Eclesiais de Base, que lhe davam a sustentação da Igreja Católica, com toda a credibilidade que isso implicava. Em terceiro lugar atender aos menos favorecidos das regiões metropolitanas. Dessa política nasceram seus programas sociais, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, etc. Buscou atender às classes médias com os programas de financiamento da educação e de incentivos culturais. Mas todos esses programas representavam pouco em relação ao apoio explicito à política de endividamento a juros escandalosos e a subvenções à indústria, especialmente à automobilista e à dos utensílios domésticos da conhecida como linha branca.

Lula já sabia de tudo isso quando saiu da Casa Branca, em Washington, onde fora fazer uma visita diplomática a Jorge W. Bush, antes de sua posse. Na varanda da residência oficial do presidente dos Estados Unidos ele anunciou oficialmente o primeiro nome de seu futuro governo, Henrique Meireles, que até aquele momento não tinha qualquer experiência profissional que não fosse de funcionário do BankBoston, no qual fez carreira chegando a seu presidente internacional. Ele havia sido eleito deputado federal pelo PSDB do Estado de Goiás, mas não chegou a exercer o cargo, e desligou-se do partido para participar do governo Lula. Naquele ato Lula aderiu ao projeto neoliberal da Wall Street, que abriu as fronteiras das nações ao capital financeiro internacional, submetendo países e destruindo suas economias e sua cultura, sua soberania enfim.

Tudo o que veio depois está profundamente ligado a esse evento. O Brasil que já havia se alinhado ao neoliberalismo com FHC, se engajava numa proposta política que iria levá-lo ao colapso financeiro, se considerarmos obrigatórios seus compromissos assumidos com os investidores detentores se seus títulos da dívida pública. O Brasil embarcara na rota do suicídio e a crise que se abateria sobre ele seria demolidora, como está sendo. Mas esse projeto neoliberal não é só isso. Ele é tudo aquilo que já descrevemos no capítulo anterior. A abertura do mercado e a submissão da política nacional às exigências dos investidores. Tudo  que vimos, revelados pela crise e pela Operação Lava Jato, já era previsível a partir daquele momento. Em meu livro, A Crise, estão transcritos um grande número de artigos que narram fatos ocorridos de 2001 até 2014, que revelam ações do seu governo que nos levariam ao desastre.

Como exemplo dessa ação citaremos apenas as políticas dos governos Fernando Henrique e Lula que criaram os grandes transtornos que envolvem a Petrobrás. Um dos objetivos dessas políticas era demolir os pilares da economia brasileira e da afirmação da capacidade empreendedora de nosso povo. Desmoralizar a Petrobrás é para eles seria quebrar nosso amor próprio enquanto cidadãos e retirar de nós um instrumento fundamental no desenvolvimento de nosso país. É desmoralizar as empresas estatais, criadas a partir do governo Vargas para construir um país com Soberania e Justiça Social. Isso faz parte do projeto global do capital financeiro apátrida de dominar todo o mundo através de sua economia, distribuindo a miséria, a alienação e sofrimento pelo planeta Terra. Sua principal arma é a corrupção.

A corrupção sempre existiu, em busca de favores específicos do poder público, mas foi circunscrita em bolsões, dando prejuízo aos cofres públicos, mas sem desestabilizar as instituições. Ela era uma prática das elites em busca de favores particulares, mas não comprometiam o poder que era do próprio beneficiário. Mas com as reformas constitucionais do governo Fernando Henrique e Lula, com a compra de votos de parlamentares, a situação da corrupção modificou-se radicalmente. Ela passou a beneficiar os investidores de fora, que não dominavam integralmente o poder. Mas tinham intenção de fazê-lo. Assim foi derramado quantidades enormes de dinheiro para corromper políticos e os formadores de opinião, para seu projeto macabro. O assalto às estatais é “o troco” do lucro do capital financeiro destinados aos seus colabores internos.

A impunidade daqueles atos contra os interesses da Nação encorajou quem estava no entorno do conchavo lucrativo de proceder da mesma maneira. A corrupção espalhou-se pelos poderes públicos e pela mídia que a dissimulava, tornando-se sistêmica. O exemplo da impunidade animou todos que dispunham de uma parcela de poder a usá-lo em benefício próprio. Aqui está explicitada a origem do caos moral, que se tornou político e financeiro, comprometendo as instituições. Se quisermos acabar com essa praga, temos de cortá-la pela raiz, no setor financeiro, na dívida pública que é a chave de toda a questão. Mas isso ninguém com poderes teve ainda a coragem de tentar fazer, nem mesmo de dizer. Ela começara pelo interesse do capital financeiro internacional de abrir para ele o mercado brasileiro, no quadro da política neoliberal – conhecida como globalização – para dominar o mundo.

Fernando Henrique, desde sua passagem pelo Ministério da Fazenda, em 1993, até sua saída da Presidência em 2002, tomou 23 medidas contrárias aos interesses da Petrobrás. Lula já encontrou o caminho preparado para a sua liquidação e trilhou-o, praticando outras seis medidas para sua liquidação. (Fernando Siqueira, A Política de Petróleo no Brasil, Projeto Brasil Trabalhista, Caderno  de Textos 6, Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini, 2006). Por outro lado fez da Petrobrás um instrumento de sua política de manter o PT no poder, envolvendo-a em um gigantesco aparato de corrupção que está sendo revelado pela Operação Lava Jato, e que deu início a uma devassa na política nacional que desmonta o aparato de poder das castas e oligarquias, econômicas e políticas, que dominaram a política brasileira por quinhentos anos com exceção dos governos entre  a Revolução de 1930  e o golpe militar de 1964, que uniu oligarquias brasileiras, militares e interesses internacionais.

Todo esse processo desenvolveu condições para a ocorrência de uma grande catástrofe nacional. Estava armada uma bomba de efeito retardado que iria explodir no colo da presidente Dilma Roussef, também do PT, que sucedeu a Lula, sobre a qual falaremos mais adiante. As finanças públicas colapsaram, gerando conflitos sociais incontrolados que ameaçam as instituições e a paz social. As autoridades e seus porta-vozes – todos comprometidos com o processo de degradação moral e ético – tentam debitar tudo isso à crise internacional do sistema capitalista, que existe, mas é apenas outro componente dessa história macabra. Nossa crise, a mais grave entre todos os países do mundo, não seria tão devastadora não fosse a submissão vergonhosa de nossos governos, desde 1995, aos interesses perversos daqueles que acumularam uma grande parte da riqueza mundial, em detrimento da humanidade, de sua liberdade, de sua saúde, de sua independência, de sua segurança e, até, em certos circunstâncias, de sua sobrevivência, distribuindo a miséria, a violência e a morte pelo mundo afora. Sobretudo nas áreas onde a riqueza é explicita, como nas produtoras de petróleo e gás. Conseguirão eles alcançar seus objetivos de dominar o mundo? Não conseguirão, e é isso que veremos mais adiante, nas nossas análises.

Rio de Janeiro, 26/12/2016

 

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