A invasão que tudo destrói


(A título do retorno da febre amarela)

Arnaldo Mourthé

Somos surpreendidos a cada dia com situações negativas que envolvem nossa sociedade – e cada um de nós -, nossa Nação e nossa Natureza.

Na nossa sociedade essas ações negativas que afetam as pessoas são mais facilmente identificadas. Elas partem principalmente de agentes ativos bastante aparentes: do poder político, da mídia e das corporações econômicas. Há outros agentes, mas estão todos em íntimas relações com esses três. A sociedade já identificou como inimigos os corruptos políticos que dominam os poderes federais, Executivo e Legislativo, que praticam, indevidamente, em nosso nome, atos que afetam o futuro de todos nós. Mas há outros inimigos mais perigosos ainda.

As ações contra a Natureza, que também nos atingem, vêm disfarçadas em progresso ou em necessidades da economia. Seus impactos são incalculáveis, não sendo passíveis de serem medidos monetariamente. Muitos deles são irrecuperáveis, uma tragédia que nos atinge todos os dias, sem que saibamos suas origem e suas consequências. Sacrificam as riquezas naturais da flora, da fauna e o próprio equilíbrio da vida no planeta.

Esse quadro é extremamente preocupante. É preciso que tomemos consciência desses danos e de suas causas, especialmente daquelas que estão na origem do conjunto desses atos nefastos que trazem a desordem e o sofrimento.

Agora nos deparamos com outro surto da febre amarela, que causa pânico na população enquanto as autoridades não têm, nem mesmo, as vacinas necessárias para atender a toda a população em risco. Já tratam de fracionar as vacinas. Poderemos confiar na sua eficácia? Há quem a possa confirmar?

A história do retorno da febre amarela às áreas mais populosas do país nos indica que sua origem está no desastre ambiental provocado pela mineradora SAMARCO, no vale do Rio Doce. Os detritos armazenados na sua barragem rompida poluíram os cursos d’água matando peixes e sapos, predadores do mosquito vetor da doença. Esses proliferaram, aumentando sua capacidade de transmitir a doenças entre macacos, em escala exponencial, contaminando outros mosquitos que a levaram ao homem. O homem deslocou-se e contaminou outros mosquitos que difundiram a doença na população. Na sequência tornou-se uma epidemia, de uma doença que havia sido extinta entre os humanos no Brasil.

Esse é o relato dos especialistas. Eles identificam os vilões dessa doença como sendo “o vírus que a provoca e o homem que destrói a Natureza”. Eles estão corretos. Mas o maior vilão fica escondido. É aquele que está por detrás da SAMARCO, a predadora, reconhecida como tal por todos. O grande vilão não está apenas nessa empresa. Está em muitos outros lugares, podemos dizer: por toda parte. Está também no agronegócio, com seus latifúndios da monocultura para a exportação de cereais e proteínas.

Os dólares obtidos pelo agronegócio são imediatamente entregues aos investidores estrangeiros no Brasil, que os compram com recursos obtidos aqui de lucros e juros. Para produzir o que é exportado, o agronegócio não destrói apenas as florestas e a fauna que elas abrigam, Ele muda o regime do movimento das águas na Natureza. Desprotege o solo que é erodido pelas chuvas. As águas, que infiltrariam no solo protegido pela vegetação, escoam rapidamente, produzindo erosão, assoreando o sistema fluvial e provocando enchentes jamais vistas. Uma destruição sistemática. A água deixa de infiltrar no solo, onde fica guardada no lençol freático, que alimenta o sistema fluvial nos períodos de estiagem. O resultado são as secas que afligem as populações pela falta d’água para sua sobrevivência. A Natureza torna-se desequilibrada. Ela reage à sua maneira, com mudanças climáticas, tempestades, inundações e secas mais severas. Toda a população concernida padece.

Ao lado da poluição da Natureza, cria-se assim um círculo vicioso da descapitalização do país, que se condena à penúria permanente e à dependência do capital de fora para investimentos. Nesse processo ele vai se apropriando de tudo, enquanto o Brasil vai perdendo sua soberania. A função das mineradoras é da mesma natureza. Outras atividades econômicas, controladas pelo capital estrangeiro, exercem também esse papel, muitas delas também poluentes.

As grandes cidades padecem de forte poluição e de um trânsito desumano, onde o cidadão consome muitas horas em transporte a cada dia, tempo esse que deixa de dedicar à sua família ou a estudos e ao descanso, aumentando a tensão social e as doenças na população. O aumento do número de automóveis, em detrimento de um transporte público de qualidade, especialmente trem e metrô, multiplica a poluição e prejudica a qualidade de vida das populações urbanas.

Até nossa privacidade é violada pela desfaçatez dos vendedores dos “call centers”, retirando-nos dos nossos afazeres, ou repouso, para atender a ofertas de produtos que não desejamos, mexendo com nosso sistema nervoso. Nem nossa tranquilidade doméstica é respeitada. E o pior é que os maiores incômodos vêm das concessionárias do serviço público da telefonia,  que deveriam respeitar seus usuários que são a origem do poder que lhes fez a concessão. Estamos realmente vivendo em um mundo da desordem e da subversão de valores.

Todas essas questões são tratadas como se fossem questões isoladas, com medidas específicas que não atendem às necessidades das pessoas. Mas elas são frutos de um sistema econômico, que no Brasil é agravado pela sangria de nosso capital. Até nossos impostos alimentam esse quadro pernicioso e devastador. 50% do orçamento da União é drenado para essa espoliação através do sistema bancário, enquanto nossa dívida pública só faz crescer. Tudo isso compromete nosso desenvolvimento, nossa qualidade de vida, reduz postos de trabalho criando milhões de desempregados. Nosso futuro, enquanto nação soberana, está ameaçado.

Rio de Janeiro, 10/01/2018


 

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