Pensar o futuro é preciso! VII


É chegado o momento da superação

Arnaldo Mourthé

Diante deste quadro dantesco de perplexidade e decepção, precisamos tomar uma atitude positiva, pois tudo isso envolve a todos nós e ameaça nosso futuro. Somos um povo agredido e humilhado. Tratam-nos como se fôssemos algo desprezível. O momento atual se caracteriza pelo desvio de conduta, como se isso fosse uma virtude. Vivemos em um mundo de equívocos e de ilusões. Há, diversificada pelo mundo, uma cultura de valores invertidos, onde a virtude maior é o poder material expresso de diversas maneiras, especialmente pela posse do dinheiro. Com pôde isso acontecer?

Foi a propriedade, sob as mais diversas formas, que deu, a cada tempo, uma característica especial de poder às comunidades humanas, das mais singelas às mais sofisticadas, que conhecemos como civilizações. Das coisas mais simples como instrumentos rudimentares que tornaram o homem mais potente, desde seu reconhecimento como humano, até os equipamentos mais sofisticados das fábricas e as armas mais destrutivas de nosso tempo.  A primeira propriedade foi resultado da invenção  da marreta, uma pedra amarrada a um pedaço de pau, que aperfeiçoada tornou-se um machado. Essa invenção genial deu origem à evolução da espécie humana. Ela permitiu quebrar castanha, por exemplo, e serviu como arma, que deu ao homem o poder sobre outros animais, depois sobre seus próprios semelhantes. Esse instrumento simbolizou o poder sob dois aspectos. o domínio sob a natureza permitindo a caça de animais maiores e nas disputas com outros humanos, possibilitando a seus detentores uma superioridade que foi decisiva no poder sobre os outros.

Mas, os instrumentos ou armas primitivos eram fáceis de ser reproduzidos, para o retorno ao equilíbrio. Entretanto, a criatividade humana não ficou nessa fundamental, mas singela, invenção. Conhecedor de sua capacidade de criar coisas, o homem avançou nas suas conquistas tecnológicas. Passou a usar roupa e construir abrigos com o couro das caças, criou a lança, o arco e flecha, a cerâmica para cozinhar a carne e guardar alimentos não perecíveis. Aprendeu a conservar o fogo e a criar animais, a partir dos filhotes das caças abatidas, e a cultivar plantas. Seu poder cresceu, com seu domínio sob alguns aspectos da natureza e, na medida em que o alimento tornou-se farto, as populações cresceram e formaram tribos. O crescimento das tribos levou à sua divisão, indo alguns procurar outros lugares mais favoráveis para sua existência. Com o crescimento das populações ocorreram migrações e conflitos entre tribos, em momentos de dificuldade, como redução da caça, má safra e fenômenos meteorológicos.

A humanidade cresceu, assim, entre períodos de fartura, quando  imperava a estabilidade, e das dificuldades ou  crises, que obrigavam as migrações ou produziam conflitos. Dessa forma ela desenvolveu-se, sustentada de um lado pela tecnologia que lhe dava, para cada época, as condições para sua prosperidade, com a acumulação da riqueza não consumida, e de outro pelo poder das armas para submeter os mais fracos. Essa evolução primitiva da humanidade, que se projetou para os tempos imperiais, sempre foi de intermitência entre fartura com estabilidade e conflitos com outras comunidades. Esse fenômeno se estende até nossos dias, com vários complicadores que abordaremos sinteticamente.

A partir do tempo dos impérios, as disputas foram adquirindo novas conotações, com sofisticações que hoje identificamos, mas que no passado não eram bem compreendidas pelas pessoas. Na medida em que as comunidades cresciam, era necessário criar formas de organização para permitir um mínimo de harmonia entre os membros da comunidade. Foi preciso criar regras que deveriam ser observadas por todos. Se não fosse assim o poder dos dirigentes seriam impositivos, o que, de fato, foi quase uma regra geral, a tirania.. Quem estabelecia essas normas eram os chefes, em especial uma categoria deles denominada “sacerdotes”, que acumulavam os conhecimentos práticos, toda a tecnologia, e os espirituais, conceitos de várias origens que estão na base das crenças e das religiões. Não vem ao caso discutir essa questão, pois ela é uma das mais sensíveis na sociedade moderna. A emissão de conceitos sobre qualquer religião resultaria em conflitos, que é o que mais devemos evitar no momento tormentoso por que passamos.

Independentemente das religiões, desenvolveu-se outros conceitos de organização social, os códigos, que definiam o comportamento das pessoas, seus direitos e seus deveres, e os instrumentos para intermediar e julgar os conflitos. As primeiras civilizações que conhecemos tinham seus deuses fundadores, a Suméria, o Egito, os Fenícios, os Hebreus, os Maias, e muitos outros. Os seus estados foram organizados sob os preceitos religiosos, que deveriam ser seguidos com rigor. Mas, a migração de povos e seu convívio, às vezes a integração entre eles, mostrou a necessidade da criação de códigos, que definiam o comportamento das pessoas, como as leis que conhecemos hoje. O primeiro código que a história registra é do rei da Babilônia, Hamurábi (1792-1750 a, C.). Ele influenciou diversos impérios que adotaram o mesmo método de disciplina e convívio das suas populações.

A definição de leis que devem reger a comunidade evolui para o conceito de instituição, quando os helênicos criaram a República. Esse foi um avanço considerável da humanidade na busca de uma ordem para a organização de uma sociedade. Foi a República que presidiu o que chamamos de civilização ocidental. Ela se aperfeiçoou e se afirmou no Império Romano, no qual foram concebidos os princípios de direito que nos rege ainda hoje, o Direito Romano.

Esse é um marco importante para a discussão da nossa sociedade e da sua evolução possível, e ainda dos descaminhos que ela pode tomar. O descaminho é o grande risco que estamos vivendo: um projeto de poder que visa destruir a República e os princípios fundamentais do direito que nos mantêm como Nação.

O momento histórico que vivemos, nos oferece uma oportunidade impar de escolher entre a regressão civilizatória que representa o projeto do capital financeiro internacional, ao qual se subordinou de forma desprezível o governo Temer, e a superação que podemos realizar construindo uma República verdadeira, na qual a dignidade humana se afirme, e que pode ser definida com a legenda que nos foi apresentada pelos iluministas: Liberdade – Igualdade – Fraternidade. A escolha é nossa. Mas como poderemos alcançá-la? Aqui vai uma sugestão para uma discussão que nos desperte para nossas possibilidades, em face da brutal crise civilizatória que vivemos. O impasse é grande, mas pode permitir o soerguimento da humanidade a alturas que nem os mais otimistas puderam conceber.

Iremos tratar dessa questão a partir do próximo artigo desta série.

Rio de Janeiro, 13/6/2017.

 

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