Os novos barões do café (X)-O retorno de Getúlio e suas políticas econômica e social


O retorno de Getúlio e suas políticas econômica e social

Arnaldo Mourthé

O descaso do governo Dutra, com a questão social e seus recuos na defesa dos interesses econômicos nacionais, levaram Getúlio, que vivia isolado em sua fazenda, voltar à atividade política. As divisões internas do PTB minavam suas forças para enfrentar a luta por seus princípios políticos e programa. Em junho de 1948 Getúlio assume a presidência nacional do PTB. Em 1950 decide concorrer à Presidência da República, em eleição que ocorreria exatamente vinte anos depois do início da Revolução de 30. Um bom agouro.

No dia 19 de abril de 1950 Getúlio comemorou seu aniversário na fazenda de João Goulart, filho de Vicente Goulart, um grande amigo seu. Jango e sua irmã Neuza deram a Getúlio grande apoio na sua volta à atividade rural, da qual estava afastado há duas décadas, quando ele retornou a São Borja, em 1945. Jango, ajudando a administrar a fazenda, e Neuza, dando à casa uma feição mais compatível com o personagem que ali fora habitar. Naquele dia, durante reflexões com os amigos mais íntimos, decidiu se candidatar à Presidência. No dia 6 de junho, o Diretório Nacional do PTB, decidiu levar seu nome à convenção do partido, que reunida no dia 16, o fez candidato.

Getúlio tentou conseguir o apoio do PSD, mas não teve êxito. Entre a decisão do Diretório e a da Convenção do PTB, o PSD homologara a candidatura de Cristiano Machado, um político mineiro, filho de tradicional família de intelectuais e homem de grande prestígio. Mas Getúlio havia fundado o PSD, onde tinha muitos adeptos. No Rio Grande do Sul formou-se uma dissidência que se chamou PSD Autonomista, que apoiou Getúlio. Isso incentivou outros a trabalharem pela candidatura dele, embora o fizessem sem manifestação explícita. Esse apoio silencioso se manifestaria no resultado das urnas, quando comparados os votos dados a Cristiano à soma dos votos de seus deputados. Esse episódio ficou conhecido como cristianização.

Em julho, Ademar de Barros esteve na  fazenda de Getúlio para lhe manifestar seu apoio. Mas havia uma condição, o candidato a vice-presidente deveria ser do PSP. Na campanha, que ele fez visitando todos os estados brasileiros, Getúlio teve oportunidade de afirmar suas posições políticas, em perfeita sintonia com sua prática de 15 anos no poder. Falou da importância da indústria de base, da CSN, da Cia. Vale do Rio Doce, da Fábrica Nacional de Motores. Foi incisivo na lembrança da necessidade da energia, da eletricidade e do petróleo, afirmando que sem energia não haveria independência da nação. Essas questões, ele havia tratado no seu governo, quando criou a Chesf, iniciou o projeto da hidrelétrica de Paulo Afonso e a indústria do petróleo, e fez a Lei 395, que nacionalizara o petróleo. Falou da questão da expansão das leis trabalhistas ao campo, e do direito aos camponeses de plantar a terra sem intermediários. Ele sabia das dificuldades em conseguir fazer uma reforma agrária, mesmo que fosse bem mais suave que a que o general Mac Arthur fizera no Japão e em Formosa, China. Por essa razão não usava na sua retórica a expressão reforma agrária, muito do gosto de alguns setores da esquerda. Ele buscava fórmulas mais amenas de conseguir esse objetivo sem produzir inquietações no setor ruralista. Sua candidatura fora de grande transparência e sinceridade, sustentada sobre fatos irrefutáveis da sua atuação no comando do país por 15 anos.

A resposta eleitoral foi insofismável. Apesar da candidatura de Cristiano Machado, Getúlio obteve 3.849.040 votos (48,7% do  total). O brigadeiro Eduardo Gomes, 2.342.384 (29,6%), Cristiano Machado, 1.697.193 (21,5%), e João Mangabeira menos de dez mil votos. Houve cerca de um milhão de votos em branco.

Getúlio foi fiel à suas promessas de campanha. Mas ele precisava superar duas questões fundamentais. Dutra havia dilapidado as reservas cambiais e deixado as contas externas desequilibradas, com balanço de pagamentos negativo. A outra questão era a política internacional. A guerra fria esquentara com a guerra da Coreia que começara em junho de 1950. Essas duas questões não teriam solução imediata, mas ele poderia cuidar da social e do desenvolvimento econômico. Em maio de 1950 fora eleito presidente do Clube Militar o general Estillac Leal, representando a corrente nacionalista que se opusera à política de petróleo de Dutra. Ele poderia contar também com os trabalhadores e seus sindicatos, mas para isso era preciso lhes fazer justiça, aumentando o salário mínimo, cujo valor ainda era o mesmo decretado por ele em 1943. As relações de força no quadro internacional e as conquistas dos trabalhadores europeus indicavam que ele teria apoio político para tomar algumas medidas em defesa dos interesses nacionais e dos trabalhadores.

A difícil situação do início do governo não lhe permitiu grandes feitos no ano de 1951. No 1º de maio ele apenas prometeu uma revisão do salário, que só saiu em janeiro de 1952. Foi um grande impacto, porque ele passou de 410 para 1.200 cruzeiros, um aumento de quase 200%. Mas o aumento real fora apenas de 14%, o que mostra a defasagem deixada por Dutra, um governante insensível às questões sociais. Mas não foi apenas isso que ele fez. Dois dias depois, no dia 3 de janeiro, ele editou um decreto regulamentando a remessa de lucros das empresas estrangeiras que ficou limitado a 8% do valor do capital transferido pela empresa para o Brasil. Mas ele fora generoso, de certa forma, quanto ao repatriamento desse capital, que poderia ser feito em até 20% ao ano. Foi uma medida essencial para frear o descontrole da economia, depauperada por remessas de lucros descomunais, que ele já havia denunciado nos discursos de campanha e, especialmente, em um programa de rádio de 31 de dezembro de 1951. A burguesia capitalista não gostou, mas não tinha como descumprir uma decisão legítima do governo.

Em relação à política internacional, a questão mais espinhosa foi a recusa do Brasil ao pedido dos EUA de participar da campanha americana na Coreia. Essa questão foi contornada com a assinatura do Acordo Militar Brasil – Estados Unidos, assinado no Rio, em 15 de março de 1952, pelo ministro do Exterior do Brasil, João Neves da Fontoura, e pelo embaixador dos Estados Unidos, Herschell Johnson.

O ministro da guerra, general Estillac, não fora ouvido a repeito do acordo e renunciou ao cargo. Os militares presentes nas discussões foram Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e os chefes de Estado-Maior do Exército, Marinha e da Aeronáutica.

            Para o New York Times, a demissão de Estillac “aconteceu quando ele se encontrava sob o fogo de vários camaradas generais, por sua recusa a expurgar de comunistas o Exército” (José Augusto Ribeiro, A Era Vargas).

Para um observador atento, essa intriga da imprensa estrangeira mostra a interferência da guerra fria nos assuntos internos do país, inclusive no comando de suas forças armadas. Essa situação iria permanecer até a queda do muro de Berlim e do desmantelamento do URSS. Depois disso o capitalismo iria utilizar outros instrumentos mais sutis e mais eficazes para dominar a política nacional de diversos países, o capital financeiro e os meios de comunicação. Ainda em 1952, Getúlio aprovou o texto que tratava de Diretrizes para uma Reforma Agrária no Brasil, mas a reação das associações de fazendeiros e classes impresariais foi tal que ele passou a evitar a expressão reforma agrária.

No próximo artigo falaremos das articulações para a derrubada de Getúlio do poder.

Rio de Janeiro, 29/11/2016

 

 

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