Os novos barões do café (VIII) – O Brasil vai à guerra


O Brasil vai à guerra

Arnaldo Mourthé

Getúlio Vargas se preocupava com o projeto de Hitler de criação de uma fictícia “nação” alemã no Brasil. Foi sobre uma questão dessa natureza que Hitler conseguiu ocupar a Tchecoslováquia, a partir da questão dos Sudetos, uma região na qual a língua alemã era falada. Por causa disso Getúlio tomou as medidas em relação às escola chamadas étnicas, sobre as quais já nos referimos no artigo anterior.

Os Estados Unidos também tinham a mesma preocupação. por outras razões de seu interesse. Sua doutrina Monroe, sobre a América Latina, define a região como território de hegemonia americana. Nesse sentido, Roosevelt enviou ao Rio uma missão militar em maio de 1939, chefiada pelo general C. Marshall. Seu principal objetivo era discutir com o governo brasileiro a defesa da região, em face desse perigo que eles anteviam.

Já em setembro de 1940, os EUA se comprometeram a fornecer equipamentos e emprestar ao Brasil 20 milhões de dólares para implantar uma siderúrgica. Em contrapartida, seriam concedidos aos americanos, para uso até o fim da guerra, de aeródromos e portos no Nordeste e na ilha de Fernando de Noronha. Em abril de 1941 a Companhia Siderúrgica Nacional foi criada, e o Brasil autorizou a operação americana em bases aéreas no Nordeste e o uso de seus portos. Com a entrado dos americanos na guerra, após o ataque a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, essas bases serviram também como apoio ao envio de suas tropas para o norte da África e o seu suprimento, e como rota para os aviões que se dirigiam ao Pacífico via África e Índia. Em janeiro de 1942 o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha e na III Reunião de Consulta dos Países Americanos o Brasil propôs o rompimento coletivo com o Eixo.

Quando os japoneses tomaram o controle do Pacífico, os Estados Unidos se viram desprovidos da sua principal fonte de borracha. Eles não detinham ainda a tecnologia da borracha sintética que os alemães já usavam. Mais uma vez eles dependeram do Brasil, que desenvolveu um grande esforço para a produção de borracha, colhendo o látex das árvores nativas, não apenas na Amazônia, onde a seringueira é nativa, mas também nos cerrados, onde havia em grande quantidade a mangabeira, também produtora de látex. O Brasil também forneceu o manganês e o minério de ferro para as siderúrgicas americanas, cristal de rocha para a produção de instrumentos óticos e para o rádio, e grande quantidade de produtos agrícolas e minerais raros, entre eles o urânio.

Em 9 de agosto de 1943, o presidente Roosevelt, reúne-se com Getúlio Vargas em Natal, quando foi acertada a cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos para enfrentar o Eixo; Além do apoio já dado aos Aliados, que incluía o patrulhamento da costa brasileira e proteção aos comboios de abastecimento dos Aliados – que se estendia até o  Caribe – o Brasil formou um corpo expedicionário, a FEB, com forças de terra, ar e mar, envolvendo pouco mais de 25 mil homens. A FEB teve participação de destaque nas batalhas mais duras contra as tropas alemãs na frente italiana. O primeiro embarque do contingente foi em 19 de junho de 1944. Além do apoio político e diplomático, outros países latino-americanos também deram importante contribuição aos Aliados, com suprimento e com tropas que foram duramente solicitadas nos campos de batalha.

Antes de sua entrada na guerra, a única ajuda consistente que os americanos fizeram aos Aliados – além de aprovisionamentos, todos pagos a vista – foi aprovar uma lei, em 11 de março de 1941, que permitia a venda de armas aos Aliados para pagamento posterior. Mas isso só foi possível pelo empenho de Roosevelt para convencer o Congresso, voltado exclusivamente para os interesses comerciais de suas empresas. Até mesmo a concessão do empréstimo americano para a construção da CSN, foi obtida por pressão de Roosevelt, que precisava de uma demonstração de boa vontade que, diga-se de passagem, foi minúscula em relação a toda a contribuição que o Brasil deu aos Estados Unidos no seu esforço de guerra. Primeiramente no Pacífico e, depois, na logística para a invasão da África, que resultou em posterior desembarque na Sicília, quando a FEB passou a atuar na frente italiana, comandada pelos americanos.

Outra questão importante a ser considerada, é a do surgimento da Cia. Vale do Rio Doce. Nós já vimos que a concessão da exploração e exportação de minério de ferro de Minas Gerais havia passado para o controle de Farquar. Em 1938 a concessão de sua empresa Itabira Iron Ore caduca. Em 1939 ele constitui a Cia. Mineira de Mineração e Siderurgia, com fachada nacional, para tentar reativar seus projetos. Em 1941 ele consegue financiamento para as obras da ferrovia, mas não alcança o pico do Cauê, de onde sairiam os minérios para a exportação. O avanço da guerra prejudica seus projetos. As negociações de Getúlio Vargas com Roosevelt estendem-se aos ingleses, que fazem com Getúlio um acordo que engloba essa concessão. Encerram-se assim as aventuras de Farquar no Brasil. Em 1942, o governo federal encampa os empreendimentos e cria com seu acervo a Companhia Vale do Rio Doce. Essa inicia imediatamente seus trabalhos passando a exportar minérios para os Estados Unidos e a Inglaterra, auxiliando seus esforços de guerra.

A guerra teve aspectos negativos para o Brasil, como dos brasileiros mortos e feridos na Itália e na proteção aos comboios de abastecimento dos aliados destinados aos Estados Unidos e à Europa. Ela também gerou despesas de investimentos e de manutenção das tropas mobilizadas, e produziu escassez de vários produtos no Brasil, além daqueles não mais importados por necessários ao esforço de guerra dos outros países. Mas também teve aspectos favoráveis ao país. Nosso povo tomou conhecimento de um mundo exterior que só era conhecido pelos mais eruditos. Não apenas um conhecimento formal, mas também de uma brutalidade descomunal que as sociedades mais desenvolvidas economicamente produziam para resolver seus problemas internos e nas disputas de mercado.

O Brasil, a partir da guerra, inseriu-se no contexto das nações de uma forma muito positiva. Ele participou de uma guerra para a qual não contribuiu, com grandes sacrifícios, para evitar o mal maior da doutrina nazifascista, que havia progredido numa Europa tresloucada e que praticava como natural o colonialismo mais desumano. Essa questão merece maiores considerações que não cabem num pequeno artigo. Mas, é importante observar que a contribuição do Brasil foi reconhecida pela comunidade internacional como extraordinária. Esse reconhecimento ficou explícito com a fundação da ONU – Organização das Nações Unidas – quando ficou determinado que sua conferência anual, que ela promove com os chefes dos estados membros, seria presidida pelo Brasil. Sobre essa e outras questões do pós-guerra falaremos no próximo artigo dessa série.

Rio de Janeiro, 18/11/2016

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