É preciso saber para onde ir


É preciso saber para onde ir

Arnaldo Mourthé

Se não soubermos para onde ir poderemos chegar onde não queremos estar. Hoje, saber para onde ir é uma das principais questões que se colocam para nós, todos os brasileiros.

Quando observamos a questão do poder, vemos claramente que tudo está errado. Nem é mais preciso enumerar fatos.  Isso já está em nossa consciência coletiva, salvo para uma casta de indivíduos sem escrúpulo que manipulam o poder e para os desinformados ou alienados.  O poder está contra nós, o povo brasileiro, de todas as classes sociais e de toda nossa diversidade. Mas, mesmo assim, ele está lá, cambaleante e soberbo, até mesmo prepotente e arrogante. Como isso foi possível?  Porque aqueles que tudo comandam sabem onde querem chegar. Os que executam a tarefa sórdida de fazer e impor leis, não são mais que capatazes de um poder maior que dispõe deles como instrumentos de gestão daquilo que eles consideram seus domínios já adquiridos ou a serem conquistados. Voltaremos a essa questão mais adiante.

Enquanto isso estamos aqui, humilhados, desconsiderados, desempregados, empobrecidos. Nossos filhos já não encontram uma escola que um dia buscamos construir para formar cidadãos. A segurança das pessoas, seu direito à vida, foi substituída pela ganância dos que se intitulam “investidores”, mas que não são senão espoliadores do povo, diretamente ou através do Estado. Este está submetido à chantagem de uma dívida criada artificialmente e ilegalmente, e a toda sorte de especulações e à corrupção, que alicia mandatários para submeter o Estado e a Nação. Esse quadro se revela nas mortes que acontecem por toda parte. Na frente dos hospitais, por falta de atendimento. Pelas balas perdidas das guerras que o Estado trava contra o crime organizado, ou de outros conflitos que as autoridades nem sabem explicar. A violência generalizou-se, pelo descaso do poder público ou pela marginalização de grandes contingentes da população. O trânsito feroz dos veículos, nas estradas e ruas, extermina mais pessoas que as guerras que se espalham pelo mundo. São perto de 50 mil por ano, além dos feridos.

Também matam pela fome gerada pelo desemprego e pela espoliação implacável da mão de obra mais humilde, em especial no campo, onde ainda vigora relações de trabalho mais cruéis que a escravidão. Isso porque, enquanto o escravo dos tempos coloniais e imperiais tinha sua vida preservada pelo senhorio, porque ele lhe custava caro, o trabalhador do novo regime escravista não é propriedade do patrão. Na sua visão mesquinha, a pessoa do trabalhador tornou-se descartável. Ela pode morrer porque outra ocupará seu lugar. Essa é a lógica da nova escravidão, ainda localizada, mas que é parte do projeto maior do capital financeiro de dominar o país. Esse processo já toma forma com a liquidação da CLT e se aprofundará com a Reforma da Previdência.

Esses fatos nos conduzem a entender que o crime organizado dos desesperados da Favela é como o “pivete”, comparado com aquele outro crime organizado no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional, fruto da corrupção nefasta do capital financeiro. Este não apenas assalta ou trafica drogas. Ele criou um mecanismo diabólico de espoliação do Estado, em especial pela dívida pública, que nos custa um bilhão de reais por dia em dinheiro, advindo de tributos pagos com nosso trabalho e sacrifício, e outro bilhão de reais em aumento da própria dívida. Este ano, até setembro, a dívida pública federal cresceu 400 bilhões de reais. Isso corresponde a mais de 10% dos seus três trilhões de reais, no início do ano. Sem estancar essa sangria do Estado não haverá governo, por mais boa vontade que tenha, que possa resolver os problemas do país. Daí decorre o rombo do Orçamento da União e não dos salários dos servidores ou da Previdência Social. Nesse compasso de licenciosidade, não sobrará recursos para educação, saúde, segurança, transporte, ou qualquer investimento que seja, para a infraestrutura ou para o desenvolvimento da produção. A economia se deteriorará a tal ponto que nossos filhos e seus descendentes serão párias. A renda per capita nacional foi reduzida em 11% nesses nos últimos três anos. A anunciada retomada da economia mal basta para compensar o aumento da população, que segundo o IBGE é de 0,8% ao ano.

Mas a espoliação não para aí. A sangria não é apenas do Estado. Ela atinge diretamente a todos os cidadãos que usam o crédito, pois os juros são astronômicos. Mesmo aqueles que não se endividam não escapam da usura, pois o que eles consomem é onerado com juros pagos pelos produtores e comerciantes. A sangria é generalizada. Quando nosso corpo é submetido à sangria, fazemos uma transfusão de sangue ou perecemos. Com a Nação ocorrerá o mesmo. Estaremos condenados à morte, enquanto Nação e Cidadãos, se não pararmos essa sangria.

Algum incrédulo poderá questionar: Isso é tão louco que não pode ser verdade! Isso é realmente louco. Mas temos a considerar que não querem matar todas as pessoas, mas a Nação e a Cidadania. Eles precisam das pessoas para trabalhar para eles e dar-lhes lucro, mas não de todas elas. Não esquecer que no conceito deles nós somos descartáveis. Mas os sobreviventes não serão cidadãos, mas algo como os servos, talvez pior, escravos de outro tipo: escravos descartáveis, porque não lhes custaram nada. Poderão até simular um contexto de liberdade, onde possamos vender nossa força de trabalho em troca de nossa sobrevivência, ou morrer de fome se não aceitarmos as condições do patrão tirânico, porque não haverá leis para amparar-nos. Isso parece ser mentira, e impossível, mas é o projeto do capital financeiro internacional. Querem nos transformar em uma nação-fazenda, dos moldes coloniais, para produzirmos para a exportação e dar-lhes lucro e poder. Riqueza e poder são duas faces da mesma coisa na sociedade em que vivemos. Essa é uma sociedade fundada sobre o egoísmo.

Outra questão vem à mente de muita gente: Mas como isso foi possível? A resposta é: porque foi incutido na nossa mente que essa era a melhor, senão a única sociedade possível. Uma mentira extravagante! Mas ela é a mais pura realidade. Um paradoxo: o fantasioso é para nós uma realidade irrefutável. Tanto é assim que nós a aceitamos. Só agora estamos nos despertando para essa verdade. Isso porque essa sociedade se desfaz no próprio absurdo que ela produziu e pretende continuar produzindo. Agora, acentuando a espoliação e rompendo com todos  os paradigmas que deveriam reger uma sociedade sadia, como pregaram os grandes filósofos e líderes religiosos da antiguidade. O egoísmo que conduziu tudo isso chegou a tal nível que se contradiz com a própria natureza humana: viver em sociedade, organizada para permitir nossa existência e nossa evolução. Isso não pode ser conseguido com o egoísmo. Só a fraternidade pode fazê-lo. Chegou, portanto, a hora de construirmos uma sociedade sustentada sobre a fraternidade, única capaz de garantir nossas liberdade e igualdade que são inatas no ser humano. Quanto à liberdade não há ninguém que a conteste como um direito. Mas a igualdade é desconsiderada por várias alegações, todas ilusórias, para não dizer falsas ou malévolas.

O ser humano, como todas as coisas, tem dois aspectos fundamentais. Sua essência e sua aparência. Isso foi constatado pelos grandes filósofos, mas poucos o percebem. Quando Platão distinguiu a essência da aparência, sob a expressão que a perfeição só existe na ideia, sendo tudo mais a aparência, uma cópia imperfeita da ideia, foi interpretado pelos autointitulados ”sábios” como um “idealista”, ou subjetivo, afastado da realidade. Nada mais falso. Quando Platão afirmou aquilo, ele apenas distinguiu a essência da aparência. Um cavalo é um cavalo, independentemente de sua raça ou sua aparência. Da mesma forma todos os homens são iguais na sua essência, não importa sua aparência. A diversidade não é um defeito, mas uma virtude. É ela a responsável pela sobrevivência da humanidade e por sua evolução. Sem a diversidade não haveria filosofia, nem arte. Nós não construiríamos o mundo que construímos, com suas qualidades e seus defeitos. Ele não existiria se fôssemos todos iguais nos nossos conceitos, na nossa vontade e nas nossas habilidades. Não haveria livre arbítrio. Não haveria escolhas. Não haveria vontade. O mundo seria insípido. O homem não passaria de um animal como os outros, movido pelo instinto.

É chegada a hora de nós vencermos as ilusões que nos foram, e são, inoculadas todos os dias por nosso entorno social. È esse entorno que nos oferece nossa cultura que nos permite conviver entre nós mesmos, compartilhando das coisas que necessitamos e que nos agradam. Mas a cultura também nos limita, com falsas verdades. Essas limitações podem nos custar muito caro em termo de nossa liberdade, e negligenciar a fraternidade, que nos une e criou o mundo positivo que nos abriga, cuja representação maior e mais evidente é nossa organização através da República. Essa instituição se fundamenta na nossa liberdade, condicionada apenas ao respeito à liberdade alheia. Isso dá segurança a todos nós.

Rousseau conceituou muito bem essa questão em seu livro O contrato social. Mas essa República continua uma utopia, porque nossa sociedade se deixou levar pelo individualismo, fundamento do egoísmo, que criou o liberalismo e toda essa sociedade desumana que conhecemos. Ela não é pior, porque os sábios, filósofos e líderes religiosos, nos ensinaram a fraternidade e desenvolveram o pensamento crítico, que foi o instrumento que neutralizou em parte o egoísmo do liberalismo. Não foi este que criou o mundo moderno. Quem o fez foi o pensamento crítico, que através da dialética pôde desvendar as leis da natureza e confirmar as leis espirituais, que são as verdadeiras leis que regem a vida humana, a humanidade enfim.

A tragédia que vivemos nos nossos dias é resultado dos destemperos do liberalismo que gerou a desigualdade, a discriminação e demonizou o pensamento crítico que o combateu desde seu nascimento, especialmente pelos filósofos iluministas franceses e por aqueles que vieram depois, aprofundando seus pensamentos. A República que conhecemos é fruto disso. Ela não foi feita pela burguesia capitalista, mas por comunidades gregas que utilizaram o melhor do pensamento das antigas civilizações para se organizar e defender sua comunidade de agressões externas e catástrofes naturais. A burguesia conviveu com a República, mas sempre a repudiou. O país em que ela surgiu na pré-modernidade, a Inglaterra, até hoje mantém a monarquia, resultado de sua associação com a nobreza inglesa para espoliar os próprios ingleses, espoliação que invadiu a Europa e produziu guerras monumentais, desde as napoleônicas, passando pelas duas guerras mundiais do século XX. Essas guerras são hoje difundidas pelo mundo afora por seu sucessor no projeto colonial, os EUA. Elas são travadas  contra a liberdade dos povos e pelo controle da economia mundial, em especial da energia do petróleo e do gás,

A guerra é parte da natureza do sistema capitalista, e essencial para sua existência. Mas ela não é mais capaz de superar suas crises periódicas decorrentes da acumulação capitalista. Pois uma guerra para superar a atual crise do sistema, dada a existência das armas nucleares, não é mais exequível. Destruiria a civilização humana, talvez a própria humanidade. Na melhor das hipóteses nos levaria de volta ao primitivismo ou à barbaria. Em face disso foi criado o neoliberalismo, que inicialmente era conhecido por globalização, sistema sustentado pelo dólar sem lastro, pela dívida pública, pelas fronteiras abertas ao comércio e ao dinheiro, e por especulações de toda ordem. A crise que atravessamos, que no Brasil adquiriu a faceta deste governo impostor, que apelidei de governo das trevas, tem sua origem no fracasso da solução financista neoliberal. Os donos do dinheiro precisam agora recolonizar o mundo para sua sobrevivência. Essa postura está na base da crise que vivemos, que se apresenta como a falência do Estado brasileiro. o que é, apenas, a ponta do iceberg. A crise de fundo é proveniente da incapacidade do capitalista avançar no seu processo acumulativo em uma ordem democrática, mesmo sendo essa burguesa. O tempo de diálogo, que resultou no Estado de Bem Estar Social, ficou para trás. A sobrevivência da hegemonia burguesa capitalista no poder só é possível pela tirania.

Agora tratemos da questão política atual, às eleições de 2018. Acreditar que um “salvador da Pátria”, seja ele quem for, poderá resolver nossa crise é a mais idiota das crenças. Se elegermos alguém com o pudor e a coragem para enfrentar o monstro, que chamo de a Beata do Apocalipse, o capital financeiro internacional, ele será morto ou deposto, se não tiver o apoio consciente e vigoroso do nosso povo. Sem povo consciente e disposto a ir à luta por seus direitos, tratar da política convencional, especialmente de eleições, é uma grande ilusão. Elas certamente serão viciadas pela corrupção e pela mídia mercenária que nos envenena todos os dias. Essa postura só servirá para dificultar uma solução para nossos problemas. A perda do poder dessa canalha, que o ocupa hoje, sem povo esclarecido nas ruas, poderá criar as condições de um grande conflito social que levará certamente a brutal repressão. O inimigo não aceitará a derrota. Dividirá a população, como tem feito, e utilizará brutal repressão para consolidar seu poder, que será ditatorial. Seu objetivo será transformar o Brasil em uma colônia de novo tipo, sobre a qual já nos referimos acima.

Sem conscientização da população não haverá saída para nós, a não ser depois do absoluto desastre, pela impossibilidade de manutenção do caos que será criado por aqueles que estão tentando nos submeter. Mas essa advertência não deve valer apenas para o outro. A responsabilidade é de cada um de nós. Devemos deixar de lado nossos interesses mesquinhos, inclusive aquele de omitir nossa responsabilidade pelo que aí está. Pois ela existe e é irrefutável. Sem nosso consentimento e nosso voto não teríamos chegado à situação que chegamos. Façamos um exame de consciência em relação aos nossos pensamentos, inclusive a respeito de nossos preconceitos e interesses menores.

Reflitamos sobre tudo isso, e que Deus perdoe nossos erros, nossa vaidade e nosso descaso para com o bem comum.

Que assim seja!

Rio de Janeiro, 27/11/2017.

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