“Liberdade ainda que tardia”


LIBERDADE AINDA QUE TARDIA

Arnaldo Mourthé

Tomei como título deste documento o lema da Inconfidência Mineira, cuja bandeira é representada abaixo. Esse movimento, precursor do Brasil moderno, foi um movimento republicano, como a Guerra de Independência das Quatro Colônias do Norte, de domínio inglês, que deram origem aos EUA. Ambos os movimentos foram inspirados nos ensinamentos dos filósofos iluministas franceses, da mesma forma que o foi a Revolução Francesa. É dessa Revolução que falaremos nesse artigo, especialmente da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que ela produziu. Abaixo está a bandeira que os Inconfidentes adotaram para representar o novo Brasil, independente e republicano, que eles preconizaram. Para isso transcrevo um texto do meu livro História e colapso da civilização, que trata do tema.

 

 

 

A Revolução Francesa

 

“O iluminismo foi um movimento filosófico militante, voltado para responder a necessidades reais da sociedade naquele momento histórico. Nos ensinamentos dos iluministas foram formadas as mentes dos revolucionários que conduziram a revolta popular e os anseios das diversas facções da burguesia e da pequena nobreza, naqueles anos de crise do final da década de 1780 na França. Mas é preciso ter em mente que, também em função de sua posição social, cada um dos protagonistas daqueles eventos tinha sua visão de mundo. Isso determinou a formação de grupos afins que defendiam ideias e interesses comuns, que diferiam dos outros grupos e se opunham a eles.

            A assembleia Les États généraux, convocada para resolver a crise financeira do país em 4 de maio de 1789, tornara-se mais popular pela duplicação da participação do tiers état. Em 17 de junho, uma parte dela, o tiers état e membros do clero, se rebelou e se declarou como Assembleia Nacional Constituinte, enquanto fazia um apelo à população para exercer os seus 

direitos. No dia 20 de junho, seus membros, que representavam o clero e a burguesia, reunidos na sala do Jogo da Pelota, fazem um juramento de não se separarem até que suas reivindicações fossem acolhidas pelo poder real. No dia 27, pressionado pelo povo de Paris, Luís XVI apela aos outros representantes do clero e aos da nobreza a agregarem-se à nova Assembleia Nacional. No dia 9 de julho a Assembleia se investe dos poderes constitucionais. No dia 14 de julho o povo de Paris cerca e toma a prisão da Bastilha, símbolo de opressão do poder real. Nos dias que se seguem, o Cocar tricolor torna-se o emblema da Revolução, enquanto a cólera popular faz suas primeiras vítimas entre funcionários e nobres. A Assembleia Nacional não perde tempo, abolindo privilégios em documento de dezoito artigos, na noite de 4 para 5 de agosto e, em 26 de agosto, proclamando a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, nos seguintes termos, (tradução do autor):

 

Os Representantes do Povo Francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou desprezo aos direitos do Homem são as únicas causas das mazelas públicas e da corrupção dos Governos, decidiram expor, numa Declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem; a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus Direitos e seus deveres; a fim de que os atos do poder legislativo, e aqueles do poder executivo, possam ser, a cada instante, comparados com o objetivo de toda a instituição política; a fim de que as reclamações dos cidadãos, a partir de agora amparadas por princípios simples e incontestáveis, voltem-se sempre à manutenção da Constituição e ao bem-estar de todos.

 

Em consequência, a Assembleia Nacional reconhece e declara na presença e sob os auspícios do Ser supremo os direitos seguintes do Homem e do Cidadão.

 

Art. 1°. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais não podem prevalecer sobre o bem comum.

Art. 2. O objetivo de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do Homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança, e a resistência à opressão.

Art. 3. O princípio de toda Soberania reside essencialmente na Nação. Nenhum organismo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane dela expressamente.

Art. 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o outro: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem limites que aqueles que assegurem aos outros Membros da Sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites não podem ser determinados mais que pela Lei.

Art. 5. A lei não pode proibir mais que as ações nocivas à Sociedade. Tudo aquilo que não é proibido pela Lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não ordena.

Art. 6. A Lei é a expressão da vontade geral. Todos os Cidadãos têm o direito de concorrer pessoalmente, ou através de seus Representantes, à sua elaboração. Ela deve ser igual para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais perante ela e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.

Art. 7. Nenhum homem pode ser acusado, preso nem detido que nos casos determinados pela Lei, e segundo as formas que ela prescreve. Aqueles que solicitam, expedem, executam ou fazem executar as ordens arbitrárias, devem ser punidos; mas todo e qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da Lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.

Art. 8. A Lei não deve estabelecer mais que penas estrita e evidentemente necessárias. Ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.

Art. 9. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se é julgada indispensável sua prisão, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

Art. 10. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei.

Art. 11. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do Homem. Todo Cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, entretanto, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei.

Art. 12. A garantia dos direitos do Homem e do Cidadão necessita de uma força pública. Essa força é então instituída para o benefício de todos, e não para utilidade particular daqueles aos quais é confiada.

Art. 13. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum, que deve ser repartida entre todos os cidadãos na razão de suas capacidades.

Art. 14. Todos os cidadãos têm o direito de verificar, por si ou por seus representantes, a necessidade de contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.

Art. 15. A Sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.

Art. 16. Em toda Sociedade onde a garantia dos Direitos não é assegurada, nem a separação de Poderes estabelecida, não há constituição.

Art. 17. Sendo a propriedade um direito inalienável e sagrado, ninguém pode ser privado dela, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização. (3)

 

Uma leitura atenta dessa declaração evidencia sua orientação iluminista. Conceitos expressos nela estão nos ensinamentos de Rousseau, como no art. 6, A Lei é a expressão da vontade geral, e nos de Montesquieu, como no art. 16, Em Toda Sociedade onde a garantia dos Direitos não é assegurada, nem a separação de Poderes estabelecida, não há constituição. Seu texto e a data de sua promulgação, logo após a queda da Bastilha, mostram que ela é uma fusão da força da Revolução popular com a clareza de conceitos dos iluministas, seu componente intelectual.”

 

Voltaremos a falar dessa questão, já aplicadas à nossa realidade presente. Aguardem!

Rio de Janeiro, 12/11/2017.

 

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