Vamos construir nosso futuro VIII


Após a Primeira Guerra Mundial, o embate social

Arnaldo Mourthé

            Em 1917 o desânimo que afetava as populações dos países em conflito já era enorme. As baixas nas tropas atingiam a todas as famílias, com seus milhões de mortos e feridos. Os esforços de guerra eram desesperados. As mulheres foram mobilizadas para atender à produção e aos feridos, o que lhes daria força política para conquistar direitos civis. O uso maciço dos canhões destruiu tudo em torno das frentes de combate, praticamente imóveis. A destruição da região das linhas de defesa foi total, especialmente pequenas cidades, fortes e fortalezas. No campo político o desânimo se transformou em revolta. As organizações socialistas e comunistas, que defendiam os trabalhadores, identificaram a guerra como de interesse capitalista e não das nações em conflito.

Na França, durante os meses maio e junho, houve diversas greves com grandes manifestações que chegavam a reunir 100 mil pessoas. A reivindicação principal era o combate ao custo de vida que havia subido enormemente. O consumo das tropas não deixava grande coisa para o comércio corrente, e os preços subiam além da capacidade de compra do operário. Por causa disso os governos caiam. Na Inglaterra, ocorreram grandes greves, mas sem mudanças políticas. O gabinete de Lloyd George manteve-se. Na Itália, em agosto, ocorreram revoltas que pediam a neutralidade do país. Na Alemanha, 125 mil operários das indústrias de munição entraram em greve, e houve motins de marinheiros. Na Áustria esgotada, o próprio imperador Carlos I tenta negociações secretas para pôr fim à guerra, mas é malsucedido. O núncio apostólico em Munique, monsenhor Pacelli, mais tarde papa Pio XII, vai ao papa Bento XV em prol de uma mediação da Santa Sé para buscar o fim da guerra.

Mas o impacto maior ocorreu na Rússia. O descontentamento geral criou condições favoráveis para a vitória da Revolução de Outubro, (ocorrida em 17 de novembro de 1917, conforme o calendário gregoriano), com a queda do czarismo. Em 15 de dezembro a Rússia decide unilateralmente pela paz, o que seria mais tarde ratificado pelo tratado de Brest-Litovsk. A Alemanha poderia reforçar a frente oeste com seus 700 mil soldados da frente leste.

As classes dominantes, em todos os países, careciam da confiança da população. Mas os EUA estavam intactos. Sua economia esbanjava vigor. Nada do seu país fora destruído. As perdas humanas foram relativamente pequenas. Numa guerra onde os principais protagonistas foram destroçados, a presença americana fez a diferença. Naquele momento eles eram vistos como os campeões da paz, que eles teriam trazido para uma combalida Europa. Esta precisaria ser reconstruída e para isso os EUA seriam fundamentais.

Nessas condições o presidente Wilson pôde ditar os princípios do Tratado de Versalhes, que deu fim oficial ao conflito e definiu a política com a qual a Europa se comprometeria a partir de então. Tudo foi feito nos termos dos Quatorze Pontos do discurso que ele fez no Congresso americano em 8 de janeiro de 1918. Ali estavam expressos os princípios do liberalismo que deveriam nortear a política internacional nas próximas duas décadas. Entre eles destacamos: liberdade dos mares; abolição das barreiras econômicas entre os países; restituição da Alsácia e Lorena à França; reformulação das fronteiras italianas. E mais, a demolição do Império Austro-Húngaro, assim como a do Império Otomano, e a independência dos países deles dependentes, e, por fim, a criação da Liga das Nações. Numa só tacada, os EUA retiraram da Inglaterra qualquer presunção de hegemonia sobre a navegação, abriram para si os mercados da Europa industrializada e dos novos países independentes.

Eles, que já haviam superado a produção industrial inglesa, na primeira década do século XX, passaram a exercer uma liderança mundial incontestável nos planos diplomático e econômico. Mas, no seu discurso dos Quatorze Pontos, o presidente Wilson não tratou das causas da guerra, a posse desproporcional dos territórios coloniais em relação às economias das nações europeias. Não faltavam, portanto, motivos para uma nova guerra que viria em futuro próximo. A Conferência de Paz que deu origem ao tratado foi conduzida por Georges Clemenceau (1841-1929), presidente do Conselho de Ministros francês e pelo presidente Wilson. Dessa conferência a Alemanha e a Rússia não participaram, mas apenas os países vencedores. À Alemanha foi imposta uma indenização de guerra para cobrir todos os prejuízos de seus inimigos. O economista e financista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que participava da Conferência como delegado, ao lado do ministro inglês Lloyd George (1863-1945), opôs-se aos termos da indenização por sua inviabilidade, mas foi desconsiderado e retirou-se da reunião. Suas razões foram expostas no documento As consequências econômicas da paz, de 1919.

Keynes sabia que a guerra já não era mais um jogo de vontades. Ela se tornara um remédio amargo para o tratamento da contradição principal do sistema capitalista, a diferença entre os recursos aplicados pelo capitalista na produção e o preço das mercadorias produzidas. Ou seja, o lucro entesourado pelo capitalista, que gera estoques de mercadorias sem mercado. Os fatos históricos viriam comprovar que ele tinha razão: a crise de 1929; a revolta contra as imposições do Tratado de Versalhes aos alemães; a ascensão do nazismo ao poder; e a Segunda Guerra Mundial.

Na Inglaterra o clamor da população, que tanto sacrifício fez durante a guerra, levou-a a conquistar o sufrágio universal em 1918, a partir dos 21 anos para os homens e de 30 anos para as mulheres. Em 1928 as mulheres ganharam também o direito de votar aos 21 anos.

Desde 1919 as greves se multiplicaram, o que obrigou o governo a criar o seguro-desemprego em 1920. Em 1922 foi fundado o sindicato dos trabalhadores dos transportes. Em 1924 os trabalhistas, Labour Party, assumem o poder e levam a Inglaterra a reconhecer a URRS. Mas, onze meses depois, os trabalhistas perdem as eleições para os conservadores e Stanley Baldwin torna-se primeiro-ministro. Ele fez uma reforma monetária para restabelecer o padrão ouro para a libra esterlina, em 1925, elevou os preços dos produtos de exportação e também o desemprego. Em 1926, ocorre a greve geral dos trabalhadores. Em 1929 o Labour Party retorna ao poder com a crise econômica.

Os danos sofridos pela França foram maiores que os da Inglaterra. Ela teve 1.380.000 soldados mortos, dez por cento dos homens em idade de combater, e 4.270.000 feridos. Entretanto, a conquista territorial da Alsácia e Lorena consolou a população. Sua economia manteve-se estável, diferentemente do ocorrido na Inglaterra, e passou a crescer a partir de 1920. A força da agricultura foi decisiva para sua recuperação mais rápida. Mas no plano político a instabilidade foi muito grande. Entre 1918 e 1940, o governo francês mudou 42 vezes. O Tratado de Locarno, de 1925, garantiu as novas fronteiras da França, mas os franceses desconfiavam da recuperação econômica alemã e temiam uma nova invasão. Para aumentar sua segurança foi projetado um monumental sistema de defesa na fronteira dos dois países, a Linha Maginot. Sua construção começou em 1929 e terminou em 1936. Entretanto, por razões diplomáticas, essas defesas não cobriam a fronteira com a Bélgica, o que viria a ser desastroso quando da nova guerra de 1939.

Logo após a guerra a situação na Europa continental era caótica. Mas a reconstrução da Europa, apesar das frustrações dos perdedores, criou otimismo na população. A situação da Alemanha melhora a partir de 1924 e ela restabelece as boas relações com os países vizinhos.  Em reação às mágoas da guerra produz uma explosão artística no cinema com Fritz Lang e Marlene Dietrich. No teatro aparece a primeira peça de Bertold Brecht. O movimento expressionista se manifesta poderoso na pintura. Berlim concorre com Viena e se coloca como principal centro cultural Europeu. A revolução bolchevista também influenciou nesse processo. A simpatia pelo socialista aumentava e os comunistas se fortaleceram.

No Brasil também houve muitas mudanças, mesmo distante do cenário da guerra. Os trabalhadores já havia mostrado sua força na Greve Geral de 1917. Os industriais já se incomodavam com o poder dos barões do café. A movimentação na área política influenciara na formação de partidos de esquerda, contra a pressão social discriminatória e repressiva. Ocorreram revoltas militares importantes, como os Dezoito do Forte, em Copacabana, e a Coluna Prestes, que percorreu milhares de quilômetros no interior do Brasil. Os intelectuais de vanguarda realizaram a Semana de Arte Moderna em São Paulo, ali no principal centro de poder dos barões do café.

Mas falou mais alto a realidade econômica. Os conservadores voltaram ao poder com força na Europa. Nos Estados Unidos um boom de desenvolvimento gerou grande euforia. Mas tudo isso iria durar pouco. A prosperidade dos anos dourados daquela década terminaria com uma brutal crise econômica em 1929.

Rio de Janeiro, 03/8/2017.

 

 

 

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