Os novos barões do café (XV) – Brizola enfrenta os militares golpistas


Brizola enfrenta os militares golpistas

Arnaldo Mourthé

            Ao saber da renúncia de Jânio, Brizola imaginou que ele havia sido deposto. O estardalhaço de Lacerda e dos golpistas que cercavam a Presidência conduziam a essa suposição. Ele tentou falar com Jânio, mas não conseguiu. Por cautela, colocou as polícias, Civil e Militar, em sobreaviso.

O Conselho de Segurança Nacional colocou sob censura os principais órgãos de comunicação. Até Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, só tomou as providências que lhe cabiam depois de conversar com os ministros militares. Ciente da situação por Mazzilli, o deputado gaúcho Rui Ramos, do PTB, procurou o ministro da Guerra Odílio Denys. Soube que os ministros militares não aceitariam Jango. Soube ainda que se ele voltasse ao Brasil seria preso. A prisão dos opositores ao golpe no meio militar começou logo. Tentaram prender Lott, mas não o encontraram. No dia 27, domingo, os jornais de Porto Alegre publicam um manifesto de Lott e outro de Brizola, ambos contra o golpe. O manifesto de Lott havia sido censurado no Rio. A Última Hora de Porto Alegre lança uma edição extra com editorial de primeira página com o título: Constituição ou guerra civil. O afrontamento político estava claro. Vejamos o que ocorreu na área militar.

Brizola procura saber a posição do comandante do III Exército, Machado Lopes, mas considera ambígua sua resposta de que teria de respeitar a hierarquia. Falou com o comandante da 3ª Divisão de Infantaria, Beviláqua, que se manifestou pela legalidade. Entrou em contato com o general Oromar Osório, comandante da 1ª. Divisão de Cavalaria que se definiu contra o golpe. O Movimento Nacionalista dos militares informou que a grande maioria de sargentos e cabos estava contra o golpe.

No dia 28, a situação, vista a partir de Porto Alegre, indicava que havia condições, políticas e militares, para defender a legalidade, com a posse de Jango na Presidência. Entretanto, os ministros militares controlavam o país, com exceções do Rio Grande do Sul e de Goiás. O governo gaúcho estava isolado do Brasil. Era preciso comunicar ao país o que se passava em Porto Alegre. Brizola tenta montar uma rede de comunicação, mas as rádios foram ocupadas por forças federais. Mas parecia ter sido esquecida a Rádio Guaíba. Usando suas prerrogativas de governador, Brizola requisitou seus equipamentos e montou-os no porão do Palácio Piratini. Brizola lança então uma solene conclamação ao povo gaúcho, e determina o fechamento das escolas, como medida de segurança das crianças, enquanto mobiliza a administração pública, deixando a cada funcionário a opção de apoiar ou não as ações do governo do estado. As manifestações de adesão chegavam de toda parte, de líderes sindicais, jornalistas, estudantes, artistas e muitos outros. A frente do Palácio, onde se reuniam populares, desde a notícia da renúncia de Jânio, foi tomada por uma grande multidão.

Vendo que a situação poderia evoluir para uma guerra civil, o arcebispo de Porto Alegre, D. Vicente Scherer, procura o comandante do III Exército para manifestar suas preocupações e sua posição pela legalidade. Enquanto isso, a Rede da Legalidade, criada por Brizola a partir de um transmissor de rádio colocado no palácio, espalha-se pelos rincões do Brasil, retransmitida por outras pequenas rádios. Mauro Borges, governador de Goiás, também se manifesta pela legalidade. O movimento cresce em todo o Brasil. A situação que parecia controlada há dois dias, segundo manifestações dos ministros militares, já se transformava em uma corrente de oposição aos militares e aos políticos que formavam ao seu lado. Qualquer ação seria como acender fogo em uma campina seca.

No mesmo dia 28 de agosto, o comandante do III Exército recebe uma mensagem do ministro da Guerra. Ela contém a ordem explícita de

[…] compelir imediatamente o Sr. Leonel Brizola e pôr termo à sua atividade subversiva que vem desenvolvendo […] convergir sobre Porto Alegre toda a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente […] que se empregue a Aeronáutica, realizando inclusive bombardeio, se necessário (Parlamentares gaúchos, Leonel Brizola, Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2004).

Os ministros militares pareciam enlouquecidos. A agitação atingiu também os quartéis, da qual há inúmeras versões, mas sem as provas para divulgá-las. Mas o desfecho da mensagem referida acima foi diferente. Por sua própria iniciativa, o general Machado Lopes solicitou ao governador Brizola uma reunião no Palácio Piratini, o que criou um impasse para os golpistas instalados no Planalto. Machado Lopes dispôs-se a lutar pela legalidade, unindo as forças, mas sob a condição de o comando militar ficar com o III Exército. Brizola ficaria com o comando político. Um acordo foi fechado. Os ministros militares tiveram de buscar uma solução institucional.

No dia 29, o Congresso rejeitou o pedido de impedimento do Vice-Presidente da República e passou a debater uma solução conciliatória, mais tarde encontrada com a adoção do regime parlamentarista (Parlamentares gaúchos, João Goulart. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2004).

No dia 31 de agosto, Tancredo Neves levou a proposta a Jango, que já estava em Montevidéu. Jango aceitou-a em nome da paz e sob a condição de fazer mais tarde um plebiscito, para confirmar ou não a mudança. A crise foi superada. Jango assume a Presidência, sob regime parlamentarista, no dia 7 de setembro.

Mas a paz era pro forma. Os golpistas iriam continuar seu trabalho de desestabilizar Jango. Não por sua pessoa, mas por suas convicções republicanas, consubstanciadas na soberania, popular e da Nação. Isso ficará claro nos conflitos que ele enfrentou no seu governo, o que veremos no próximo artigo.

Rio de Janeiro, 19/12/2016

 

 

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